O mundo em crise e a emigração italiana
O mundo estava em crise na segunda metade do século passado. Na Itália, lutas políticas do processo de unificação e as mudanças no trabalho do campo com o desenvolvimento do capitalismo desempregavam milhares de pessoas: campesinos e artesãos. Essas duas forças desestruturaram famílias, que não mais conseguiam viver no seu país.
A Itália lutava pela sua unificação. Vittorio Emanuele II, em 1861, foi proclamado rei da Itália, cuja capital passou de Turim para Florença, em 1865. Iniciou o processo de unificação, fortalecendo o Reino Sardo-Piamontês. Conseguiu apoio estrangeiro tentando o ideal italiano. A Áustria, possuidora da Lombardia-Venécia, era o grande empecilho da unificação, como, também, o eram os Estados Italianos. A França, de Napoleão III, aliou-se ao Piemonte, que teria o seu apoio caso a Áustria o atacasse. O conflito aconteceu, perdendo a Áustria a Lombardia, que foi entregue a Piemonte-Sardenha. A França recebeu, conforme o combinado, Nice e Sabóia. Movimentos revolucionários italianos, como os liderados por Giuseppe Garibaldi, conquistaram o Reino de Nápoles. Esses movimentos conseguiram, também, o poder nos Ducados de Lucca, Parma, Módena e Toscana, que foram anexadas à monarquia piamontesa. Mas continuaram problemas para a unificação: a Áustria ainda dominava Veneza, e Roma era propriedade do Papa. Negociações fracassavam. Giuseppe Garibaldi Em 1866, a Itália, unindo-se à Prússia, venceu a Áustria, anexando Veneza ao bloco italiano. Faltava Roma para consolidar a unificação da Itália. O governo italiano não conseguiu o desejado acordo com a Igreja, impedido pela má vontade do cardeal Antonelli. Com a retirada das tropas de Napoleão III de Roma, que impediam sua unificação ao Reino Italiano, o exército chefiado por Raffaele Codorna entrou em Roma, em 20 de setembro de 1870, conquistando-a. A bandeira branca foi içada na cúpula de São Pedro. Conquistada, Roma foi transformada na nova capital do Reino da Itália.
Consolidou-se a vitória de Vittorio Emmanuele II sobre Pio IX.
Vittorio Emanuele III
Com a morte do rei Vittorio Emanuele II, em janeiro de 1878, assume o poder o Rei Umberto I, assassinado em 1900, sendo substituído pelo rei Vittorio Emanuele III. Em 1919, anexaram-se à Itália, já quase unificada, o Trentino, Trieste e Ístria e, em 1929, as Costas Dálmatas.
As pendências entre o reino italiano e a Igreja continuaram. A criação do Estado do Vaticano, em 1929, foi a solução para os inúmeros impasses. A outra força que expulsou os trabalhadores rurais foi o capitalismo, que invadiu o campo, com ricos proprietários, possuindo grandes extensões de terra, como aqueles criadores de carneiros interessados em vender a lã às iniciantes indústrias. Os camponeses não-assalariados, que viviam uma relação de trabalho semifeudal, cultivando a plantação de subsistência no seu pedaço de terra, com inexpressivo e quase inexistente comércio, foram expulsos do campo, superlotando as cidades, sem encontrar trabalho. Com o capitalismo, a partir da segunda metade do século 19, o mercado cresceu, com ferrovias, túneis, fábricas, novas técnicas. Multidões de italianos, principalmente os do sul da Itália, desempregados, conheceram o desamparo, a miséria e a fome, agravados, ainda mais, com o crescimento industrial do Norte, que levou à falência as pequenas indústrias e manufaturas sulistas.... Na Itália, quase não havia trabalho. No Brasil, com o café em expansão, e a escravidão em declínio, faltava mão-de-obra. A emigração foi a opção para resolver os dois problemas. A crise italiana só foi amenizada com o término da 2ª Guerra Mundial, a partir de 1945. A letra de uma canção popular retratou aquela situação : "L’Italia è piccolina c’`e gente in quantità e questa è la rovina che non si può campà e tutti vogliano andare in America per guadagnare il pane per il babbo e per mammà.", cuja tradução, sem rima e sem ritmo, é esta: "A Itália é pequenina e tem gente em quantidade e esta é a ruína, pois não se pode viver; e todos querem ir à América para ganhar o pão para papai e mamãe." Um acordo, "Imigração Gratuita", firmado entre os governos italiano e brasileiro, distribuía obrigações: o italiano selecionava a mão-de-obra e o brasileiro custeava a viagem e a distribuição dos imigrantes em seus empregos. "Os camponeses arruinados formavam o maior contingente da emigração, embora houvesse muitos operários, artesãos, pequenos comerciantes e até mesmo um industrial ou homem de negócios". Quando partia um contingente de trabalhadores para o Brasil, ouvia-se este canto: "Noi, italiani lavoratori, Allegri andiamo nel Brasile, E voi altri, d’Italia signori Lavoratelo il vostro badile Se volete mangiare". ("Nós, italianos trabalhadores, / Alegres partimos para o Brasil, / E vós que ficais, da Itália senhores / Trabalhai empunhando a enxada / Se quereis comer"). Ouvia-se, também, este trecho de uma canção de despedida: "Andiamo in’ Merica. Andiamo a raccogliere caffè. Andiamo in’Merica" (...). Mas nem todos partiam. A rigorosa inspeção, feita por um médico, na Agência de Emigração, barrava os fracos e os doentes. Ao chegar a Santos, todos eram recolhidos à Inspetoria da Imigração e encaminhados para a Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo. A Hospedaria era o mercado de mão-de-obra. Muitos fazendeiros visitavam pessoalmente os recém-chegados, procurando trabalhadores, ou enviavam seus emissários, que falavam a língua dos estrangeiros. Para amenizar a situação dos imigrantes recém-chegados, surgiram instituições de ajuda, como a "Sociedade de Mútuo Socorro Galileu Galilei". Para auxiliar o imigrante e encaminhar suas queixas ao Comissariado da Emigração, órgão do governo italiano, criou-se o "Instituto do Patronato". Quando em 1902, muitas queixas denunciavam fazendeiros de São Paulo, que submetiam seus colonos à violência e ao regime escravista, foi proibida a emigração italiana durante alguns anos. Em 1904, o Comissariado da Emigração, através de um artigo "Gli Orrori del Brasile", na "La Gazetta Coloniale", de Nápoles, fazia um alerta à população italiana quanto ao desumano tratamento nas fazendas de café do Brasil. Na realidade, as relações de trabalho entre patrões e empregados estavam marcadas pela violência do escravismo, levando fazendeiros a proclamarem serem seus colonos "seus escravos brancos". Essa violenta relação de produção provocou a volta de, aproximadamente, 40% dos imigrantes aos seus países de origem, depois de alguns anos de trabalho no Brasil. (Leia "O italiano aliciador", no capítulo "Crônicas do autor").
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