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Do outro lado de lá Das cartas que escrevíamos aos e-mails que enviamos. As relações humanas mudam, acompanhando a tecnologia, a modernidade e o progresso, porém preservando no homem a naturalidade de um bom bate-papo.
Houve um tempo em que as pessoas escreviam cartas. Bons tempos aqueles em que, diante de uma mesa, todos se colocavam a relatar reminiscências, memórias de um tempo já vivido, dessas que merecem ser lembradas de bom grado, ora pelas alegrias que trazem, ora pela saudade que suscitam. Ou pela duas coisas ao mesmo tempo. É certo, também, que os mais atentos leitores de DEMOCRATA haverão de lembrar que já foi escrito, por mim mesmo, e nesta mesma página, sobre os bons e velhos tempos em que as pessoas escreviam cartas. Na época, comentando o surgimento da Colméia BBS, bbs criada em nossa cidade, também se falava nas epístolas redigidas, prática tão incomum nos dias que correm. E novamente voltamos à carga. Dessa vez com um tema semelhante, principalmente porque certos fatos têm mesmo esta estranha propriedade de se repetirem continuadas vezes, ora para o bem, ora para o mal. E desta vez é para o bem. Como eu ia dizendo, houve um tempo em que as pessoas escreviam cartas. E eram muitas as horas em que, sós, lembravam-se dos momentos vividos. Das coisas vividas. E as compartilhavam com alguém distante a quem, via de regra, se nutria elevada afeição. Hoje em dia, para o deleite da ineficiente Empresa de Correios e Telégrafos, são poucas as pessoas que escrevem cartas. Os carteiros, quando não estão fugindo de cachorro deixado à solta por dono irresponsável, estão entregando contas de água, luz, telefone ou adjacências. Exceto, é claro, quando não estão entregando aquelas sofríveis cartas que alguns políticos teimam em nos enviar no dia de nossos aniversários. Por curiosidade: como é que eles conseguem nossos endereços? Mas não é sobre essas cartas que escrevo. Falo das outras. Aquelas das quais passamos dias esperando. Enviadas pelo amigo ausente. Pelo pai saudoso. Pela mãe preocupada. Pelo amor distante dos olhos. Definitivamente, as relações humanas estão mudando. Faça-se uma breve pesquisa, mesmo que informal, em qualquer agência dos Correios e veja-se do que estou falando. A modernidade, mais comumente chamada de tecnologia isto, é claro, quando não é chamada de globalização... , tem esta estranha capacidade de alterar as relações do bicho-homem. Mas é claro que não podemos ficar alheios a estas mudanças. É preciso redefinir o papel dessa modernidade de fios e conexões e teclas para serem apertadas. Dimensioná-las verdadeiramente para o bem do homem. Enfim, fazer com que a criatura sirva ao criador. Desde que esta modernidade, esta tecnologia, esteja aliada ao progresso do homem, sendo utilizada em função deste, ela cumpre seu papel, sua razão de ser. É para isto que se inventam computadores, que se criam vacinas, que se mandam homens para Marte e que se inventam planos econômicos para o bem da coletividade e não de um só homem. Bom, pelo menos quanto aos planos econômicos, ainda poderíamos discutir isto melhor, em outra oportunidade... É sob esta perspectiva que a novidade, ocorrida bem recentemente em nossa cidade, do fato de que uma família que não se comunicava há muito tempo pôde voltar a se falar, pode ser analisado. Tudo aconteceu na Home Page - página pessoal, em tradução literal, expressão que designa um espaço com endereço próprio, pertencente a uma pessoa ou instituição, no sistema da Internet. Permitam-me abster-me dessas definições de "informatiquês". Confesso que não me dou muito bem com essas coisas de João Guilherme Victório Fontão (jgfontao@geocities.com), sobre a qual já falamos em oportunidade anterior. A dita cuja traz preciosas informações sobre São José do Rio Pardo, nos seus aspectos turístico e cultural, que estão viajando mundo afora. Pois bem, não é que um belo dia, desses bem ensolarados que têm feito em São José, o menino 11 anos, seguramente o menor agente de turismo da cidade recebe um e-mail mensagem enviada através da Internet. Meu Deus!!! como eu odeio estes termos vindo do Japão? Do outro lado da linha, digo, do teclado, estava Alexandre Adriano Ramos Nakazawa (urx17218@sun-inet.or.jp), de 26 anos, que mora lá na Terra do Sol Nascente, na cidade de Okazaki-Shi, na região central de Aichi, parte central do Japão. Era um sábado, 23 de agosto, quando foi feito o primeiro contato. Lê-se, ainda no cabeçalho da mensagem recebida, um inusitado "Preciso de sua ajuda!!!", que já nos revela a razão da carta. Ou seja lá o nome que se dá às mensagens transmitidas pela Internet.
Alexandre Adriano Ramos Nakazawa: do Japão para São José via Internet.
É evidente que o conteúdo integral do que Alexandre enviou para o garoto eu não colocaria neste espaço. Creio que seria falta de ética jornalística de minha parte, principalmente por se tratar de uma conversa privada. Mas, resumindo o conteúdo, pode-se dizer que Alexandre estava navegando pela Internet, procurando informações sobre São José do Rio Pardo, quando encontrou a Home Page do João Guilherme. O jovem prossegue o seu recado pedindo uma ajuda ao menino: como a família de Alexandre também mora aqui, em São José, e ele já está há 7 anos sem qualquer contato com ela, Alexandre pediu que o garoto procurasse, de alguma forma, restabelecer este contato, desfeito já algum tempo, desde que Alexandre foi trabalhar no Japão, numa gráfica, tendo anteriormente morado entre nós. E com isto começou o contato. Primeiro, foi descoberta uma tia de Alexandre. Como referência, apenas a indicação de Alexandre, ainda em seu primeiro e-mail: "Tenho um tio com o nome de Lázaro 'Ramos' e ele mora de frente ao Cristo Redentor, então fica fácil encontrá-lo". Descoberta a parente, foi só colocá-la diante do computador e, com o custo de uma ligação local, fazer o reencontro entre tia e sobrinho. Com direito a conversa ao vivo, no sistema viva-voz e tudo. Depois disso, foram muitos os contatos. Mais do que a ajuda para o reencontro familiar, surgiu um relacionamento de amizade fraterna, movido a bytes e chips e qualquer outra coisa desse tipo. E não foi somente este o contato de São José com o mundo. Foram muitos outros. Graças à Internet, uma tal de Jenniffer, dos Estados Unidos, já conheceu um pouco de São José. Pelo mesmo caminho passaram Rafael Gonçalves Mazzetto, filho de Julio César Mazzetto Jr, que antes estava nos EUA. No começo do seu recado, outra frase digna de registro: "Por favor corresponda, um brasileiro nos Estados Unidos que te encontrou!!!!!". Também dos EUA chegou e-mail de Rafael Astolpho, nascido em São José e hoje morando na Califórnia. Ficou sabendo da Home Page do João Guilherme através do DEMOCRATA, recebido pelo seu avô, Américo Astolpho. Já do Brasil, de Ribeirão Preto, Eduardo dos Santos, professor de Química e ex-coordenador dos Colégios Grafos e ex-primeiro secretário do Conselho da AAR também mandou seu recado. Que maravilha é esta capaz de dispensar formalidades, ignorar até mesmo o fato de que as pessoas que se correspondem não se conhecem, nunca se viram e possivelmente jamais se verão? Se é verdade que as relações humanas estão mudando, pois que seja para melhor. Pois que seja para restaurar no homem o gosto pela boa conversa, pelo bom bate-papo, que os dias corridos não nos permitem fazer. Pelo gosto de jogar conversa fora, mesmo.Se houve um tempo em que as pessoas escreviam cartas, é certo que precisamos restaurar este tempo. Mas se a modernidade nos força a não mais escrevermos cartas como nossas avós, pois que as escrevamos de qualquer outra forma. Mas que as escrevamos. Sob o risco de que percamos na memória o gosto por estas coisas cuja simplicidade com que as realizamos só é compatível com o prazer que sentimos ao fazê-las. Paulo Herculano (jornalista e professor)
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