Misturando assuntos

             Bem interessante estudar o tipo de reação que nossos escritos podem causar a alguém. Às vezes, você põe muita fé numa crônica, relê-a um bom número de vezes e chega à pretensiosa conclusão de que ela tem elementos  para agradar. Passa o sábado, o domingo, a segunda, e ninguém lhe faz o mínimo comentário na rua, o telefone fica mudo e os e-mails tratam de tudo, menos daquela assunto em que você se esmerou tanto. Aí então, de repente, não mais que de repente, como inventou o poetinha Vinícius de Morais, passadas semanas e semanas, três ou quatro pessoas vêm e lhe garantem que gostaram da tal matéria. Ou que detestaram.

            Não raro, você escreve não forçado, não de má vontade, mas premido por um fato ou outro menos agradável, e não dá nada pelo artigo que lhe saiu muito mais da ponta dos dedos do que do coração.  E também, de repente, alguém lhe fala ou lhe escreve com entusiasmo a respeito dele. Alguns amigos vão além no demonstrar que de fato gostaram de nosso escrito. Gostaram tanto, que providenciaram a transcrição dele num jornal lá da terra deles ou o enviam para os quatro cantos pela internet.

            Não estou exagerando. Um conterrâneo nosso, há muito residente em Piracicaba e bastante modesto para eu não  lhe declinar o nome, já me enviou páginas de diferentes jornais que reproduziram tal ou qual artigo meu. O último deles foi sobre o nepotismo. Pois não é que minha opinião sobre  esse terrível expediente nacional de empregar parentes e agregados acabou engrossando a justificativa de um projeto de lei municipal que tenta coibir esses favoritismos com dinheiro do erário?

 Outra leitora, paulistana que por mais de dez anos residiu aqui em São José com sua família, espalhou entre pessoas de suas relações aquela matéria em que dou minha irritada opinião sobre como é difícil entender o caráter nacional brasileiro. Chegou até a mandar-me substanciosa análise que dela tinha feito  uma religiosa especialista em questões sociais.

Um ex-aluno, casa-branquense hoje residente em Boston,  sempre me dá notícia do recebimento deste ou daquele artigo meu e como ele foi espalhado entre seus amigos leitores de língua portuguesa dos Estados Unidos e da Europa. Num de seus e-mails mais recentes, ele relata  as boas risadas que deu não do que escrevi, mas do que lhe mandei – no caso um estudo pseudocientífico sobre movimentações gasosas intestinais, à maneira didática do Dr. Draúsio Varela...

Comentários não só sobre assuntos específicos, mas sobre livros que escrevi, chegam-me com abundância e certa regularidade. O que há de gente saudosista por aí, nem é bom falar.

Recebi, por exemplo de um saudosista da União Democrática Nacional, a UDN, residente em Americana ou Santa Bárbara d’Oeste,  irado e-mail me acusando de nada saber de História e de ter denegrido num artigo a figura simbólica do Brigadeiro Eduardo Gomes. Contra rispidez, rispidez e meia: foi assim que lhe respondi, dizendo quando menos que ele não entendia o que lia... Uma hora depois, lá vinha amena resposta dele, o que me levou a lhe enviar outra quase lamuriosa, dois velhinhos chorando sobre o leite derramado das oportunidades históricas desperdiçadas pelo povo brasileiro na escolha de seus dirigentes...

Se eu fosse atender ao gosto de apreciável número de leitores que expressam suas predileções sobre temas que desejariam ver desenvolvidos, teria de transformar este meu espaço no DEMOCRATA numa espécie de consultório gramatical, tais e tantas são as dúvidas sobre ortografia, crase, concordância... Claro que a maioria delas se resolveria mediante simples consulta a um dicionário ou gramática, mas não é isso que as pessoas querem. Acham que uma explicação de caráter pessoal tem responsabilidade e dá muito menos trabalho...

E o euclidianismo, então? Por causa dos artigos e principalmente por causa da facilidade da correspondência eletrônica, muitos conhecimentos interessantes foram iniciados e outros, antes interrompidos pela distância e por um pouco de preguiça de escrever e mandar pelo correio, reiniciados com regularidade e proveito.

Lamento que meu amigo Lázaro Curvelo Chaves tenha deixado de inserir no seu belo site Cultura Brasil o que escrevo semanalmente. A penetração dele é bem maior do que Democrata on line ou São José on line, porque a matéria publicada nesses dois bons veículos locais parece que não dá possibilidade de acesso através de pesquisa no Google. Se eu estiver errado, que me corrijam e orientem, porque ainda chamo o computador de “Excelência”.

Enquanto redijo esta matéria, na manhã de quarta, 22, recebo atencioso e-mail de mais um rio-pardense ausente há muito  e bem saudoso da terrinha. Ele remete a uma crônica de cinco ou  seis anos passados, em que relato como fui explicando à minha mãe, quase cega, por onde estávamos passando na Rua 13 de Maio, usando do artifício de nomear as pessoas e as lojas de muito antigamente. O assunto fez sucesso, tanto que recebi aditamentos, correções e até puxões de orelha porque havia omitido isso ou aquilo e não me referir a locais que nem figuravam no roteiro de meu rápido passeio... Meu correspondente quer saber mais sobre o primeiro prédio da rua, onde hoje funciona uma lanchonete e sorveteria. A melhor lembrança que tenho dele é de quando ali estava instalada a Marcenaria Artística de Salvador Artese, um espigado, elegante e sempre bem-vestido irmão do jornalista Paschoal Artese. Mais não sei, a não ser que me ficou na memória olfativa aquele inconfundível odor de madeira serrada.

Esta agradável simbiose de escrever em jornal e manter ativa correspondência eletrônica  com leitores faz muito bem à mente e nos proporciona a cada dia novas descobertas e novos relacionamentos. Quem atinge certa idade e dispõe de mais tempo de lazer e de condições de acessar a internet, nem pode imaginar a amplitude do universo que se abre.

 Lembro-me de vários depoimentos de pessoas idosas e solitárias que davam muitas graças por existir a televisão e, nela, Sílvio Santos, considerado grande amigo dos velhos.  Se a televisão cumpre esse belo papel de tornar a vida mais amena, que se dizer então da internet, que faz das pessoas não meras espectadoras do trabalho alheio? Os internautas de todas as idades são participantes de tudo, interagindo na hora com dezenas, centenas de homens e mulheres interessantíssimos, sem nenhum tipo de preconceito, sem nenhuma censura possível.

E o computador tem uma tecla importantíssima que nos livra dos chatos de toda a espécie, dos inconvenientes, dos insistentes e dos aborrecidos. Se você recebe, como eu recebi hoje, mais de trinta mensagens, pode selecioná-las num instante e jogar fora o que não presta, sem sequer abri-las. É o DELETE, forma imperativa do verbo latino delere, que na prática significa “apague, destrua”... Quem diria haver direta correlação entre deletar (verbo criado pela informática) e delir,  antiqüíssimo verbo português?

Para encerrar eruditamente esta página, lá vai o frase com que Catão, o censor, séculos antes de Cristo, dizia ser necessário destruir Cartago, inimiga potencial de Roma, antes que Cartago a   destruísse:  Delenda Carthago – usando o mesmo verbo que nós hoje usamos quando bem entendemos.

 

25/11/2006
(emelauria@uol.com.br)

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