Você merece o nome que tem?

 
A torre da Abadia

 

Você, Cláudio, sabe por que se chama Cláudio?  E você, Denise, está satisfeita com seu nome ou preferiria atender por Glória? Por Augusta?

Uma boa parte das pessoas tem o nome que tem porque sim. Em algum caso, a futura mãe o recebeu num sonho; em outros, o nome do filho é homenagem do pai a um amigo de infância. Existem tradicionais nomes de famílias que se repetem em todas as gerações. Pouco importa o significado do termo ou se é moderno ou não.

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 Há escolhas  pelas razões menos plausíveis, como gostar do nome de ator famoso, de jogador inesquecível, do político de marcante presença. Ou então, alguém inventa, ou copia, ou deturpa. Por essas e outras é que o Brasil está cheio de  Uésleis, Uóxintons, Cleidirces e sei lá que mais. Cito alguns exemplos de indigência cultural e de desrespeito às pessoas que terão de carregar pela vida toda nomes ridículos, de difícil conserto  perante a lei: Maicon Jakisson, Marili Monrói, Sherlock Holmes da Silva. E o insuperável prenome feminino Madeinusa, que um infeliz foi buscar na frase Made in USA, ou seja, fabricado nos Estados Unidos... Vai-se saber.

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Como os nossos cinco filhos nasceram em épocas de pouco ou nenhum acesso a modernidades médicas, Marina e eu nunca soubemos por antecipação se viria um menino ou uma menina. Talvez por isso e por deixar para resolver a escolha do nome depois de nascido o filho, é que os registramos e batizamos ainda surpreendidos pela própria escolha.

Não sei quem decidiu por  Ana Lúcia para a primogênita. Ana é de origem hebraica e quer dizer “graça, clemência, mercê”. Lúcia, do latim lux, “que nasceu com a manhã, iluminada”. Foi grande a aceitação, tanto que hoje a presença das Anas na família é notável: Ana Helena (minha neta), Ana Beatriz (bisneta). Juro que não tive nenhuma influência quando o segundo recebeu meu próprio nome, com o aditamento de Filho. Hoje, eu não deixaria de colocar-lhe também o sobrenome materno (Parisi), como os demais têm. E assim, no mais puro repente é que os outros se chamam  Marco Antônio, Maria Paula e João Carlos.   A característica de todos esses bonitos nomes  é que são compostos, ao passo que a tendência de anos depois foi  simplificar. Daí os netos Fernando, Paulo, Eduardo, Tomás, Gabriel. Ainda hoje é essa a preferência. Os netos adotivos de meu filho  Marco Antônio (e portanto meus bisnetos honorários) são apenas Leonardo e Pedro.

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Mas é outro o enfoque  do assunto pretendido por mim neste artigo. Quero ressaltar que  cada onomástico  tem um sentido próprio, de acordo com sua origem, com sua formação, com a sua etimologia. Quase nunca esse sentido bate com o jeito do dono.

 Meu nome, por exemplo, está ligado a Marte, deus da guerra. Márcio, portanto, é o guerreiro – o que apenas num sentido simbólico cabe na minha personalidade e na minha própria vida. Combati um bom combate, aquele que São Paulo reivindica para si mesmo, mas jamais fui de contendas físicas, de conquistas sangrentas. Nada tenho de marcial, nem no porte.

Meu outro nome – José é de origem hebraica e significa o Senhor acrescente,  o que é um voto dos mais lisonjeiros.

Lauria, nome de família, deve ter tido origem na cidade do mesmo nome, situada na região da Basilicata, sul da Itália, hoje com uns quinze mil habitantes e uma  história mais que milenar.

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Logo no começo deste artigo, converso com Cláudio, um hipotético leitor. Será que os Cláudios sabem que o termo em si quer dizer manco, o que claudica? Creio que não.

 E a outra hipotética leitora, Denise? Simplesmente a grafia afrancesada de Dionísia, a consagrada a Dionísio, deus do vinho, mais conhecido por Baco. O adjetivo correspondente é dionisíaco, com o sentido de agitado, arrebatado. Não conheço nenhuma Denise com tão perigosos atributos.

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O apóstolo Pedro chamava-se Simão. Muito provavelmente em momento de bom humor, Cristo  apelidou-o de Kephas, o turrão, o cabeça-dura, a pedra. “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja”... Daí petrificar, pétreo. Na Constituição brasileira existem cláusulas pétreas, as que não podem ser mexidas sem  ofensas ao próprio estado de direito vigente. A impossibilidade de instituição da pena de morte no Brasil  é exemplo de cláusula pétrea.

E Paulo? Garante o Dicionário Etimológico de Antenor Nascentes que a forma latina Paulus  se liga a paucus (pouco) e se aplica a pessoas de pequena estatura. Ora veja, Paulo quer dizer baixinho...

Se Marco lembra um martelinho, se Carlos, de origem alemã, quer dizer varonil, vigoroso, pouco se sabe a respeito do significado de Antônio, que os dicionários dão como de “étimo obscuro”, ou seja, ninguém garante de onde veio. Etimologia está longe de ser uma ciência exata.

Vejam o que diferentes dicionários etimológicos dizem a respeito de João.  Não há dúvida de que o termo é hebraico, na forma Iohanan, mas o sentido varia de autor para autor. Cito alguns: agraciado por Deus; Deus favorece; o Senhor graciosamente deu; a quem Jeová mostra graça...  No fundo, como diz Vieira, João quer dizer graças...

Filipe ou Felipe? Sem dúvida Filipe, em grego philos hippos, simplesmente “o amigo do cavalo”. E tanto Filipe há por aí que nunca viu um cavalo de perto, quanto mais se tornar amigo de um deles!  Hippos está presente em hipismo, hípica, hipódromo. o elemento philos está em Teófilo (amigo de Deus), Filadélfia (cidade do amor fraternal).

Luís ou Luiz? Sem dúvida Luís. Termo de origem germânica, Ludwig, como Beethoven, significa  ilustre, afamado na batalha. Ganhou a forma alatinada Ludovicus. Daí porque os maranhenses fazem questão de dizer que quem nasce na capital São Luís é ludovicense. Os baianos não podiam ficar atrás e fazem questão de proclamar ao mundo que quem nasce em Salvador é soteropolitano. Em grego, Salvador é Sóter.

Maria, do hebraico Miriam, é daquelas palavras sobre as quais se dá muita opinião e pouca certeza quanto ao significado. O padre Vieira diz que apenas Deus poderia criar um nome como Maria, mas não garante o significado dela. Alguns sentidos de acordo com dicionaristas e etimologistas: estrela do mar, senhora do mar,  a que ilumina todos os homens... Na antiquíssima ladainha em  louvor a Maria,  ela é chamada de mil nomes, como  turris eburnea, consolatrix afflictorum, regina angelorum  — torre de marfim, consoladora dos aflitos, rainha dos anjos... 

 

24/10/2015
emelauria@uol.com.br

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