Compartilhando Preocupações

 
O córrego São José.

 

Impressionaram-me  todos os  fatos ocorridos em torno  da pouco madura decisão tomada pelo Governo paulista na grave questão de redistribuição de estudantes de acordo com faixas etárias. O que ficou evidenciado foi a falta de prévio diálogo e a falta de jogo de cintura nas negociações.

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Se não há quem desconheça a triste decadência  de um ensino público que já foi modelar, não há também quem não saiba que cursos universitários de licenciatura têm  duplo objetivo: preparar docentes para o ensino fundamental  e  médio, além  de oferecer possibilidades de dedicação à pesquisa, como atividade de pós-graduação. Hoje, o desequilíbrio se agravou perigosamente, porque alunos licenciados pelas nossas boas universidades públicas (USP, UNICAMP e UNESP) apenas por rigorosa exceção pensam em dedicar-se ao magistério antigamente chamado secundário, ou mais especificamente às classes do colegial. Partem desde logo para o mestrado, doutorado, pós-doutorado, sem nenhum sentimento de que devem algo à sociedade que lhes proporcionou gratuitamente tantas condições de êxito pessoal. Ainda outro dia conversei com uma pós-doutorada em Química, com brilhante currículo, que se queixava da dificuldade em obter emprego, malgrado o seu alto nível de qualificação. Perguntei-lhe se não havia cogitado lecionar o que tanto sabia. Sua resposta foi taxativa: “Lecionar? Nunca me sujeitarei a isso!” E olhe que eu nem estava pensando em ensino médio, muito menos na ridícula remuneração que São Paulo paga a seus docentes.

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Houve remoto  tempo em que o governo estadual se empenhou seriamente em suprir  a carência de professores capazes e dispostos a enfrentar as durezas da sala de aula. Criada a Universidade de São Paulo, em 1934, muitos   professores normalistas, como Hersílio Ângelo, foram comissionados, durante todo o tempo necessário,  para frequentarem  o curso universitário  relacionado com as disciplinas ginasiais que pretenderiam lecionar. Quatro anos de boas aulas, dadas por mestres consagrados, muitos deles contratados em Portugal, Espanha, França, Itália; ampla pesquisa, leitura adequada, enfim, quatro anos de criação de verdadeiros educadores com sólidos conhecimentos teórico-práticos do que iriam transmitir a seus jovens alunos.

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 Por essa razão tão singela e tão racional foi que Hersílio veio para São José, como professor interino,  lecionar Português  no recém-criado Ginásio do Estado “Euclides da Cunha”. Isso em 1938. Submeteu-se ao primeiro grande concurso de efetivação no magistério, em 1943, tornou-se catedrático e aqui permaneceu pela vida toda.

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Durante muito tempo,  foi  possível perceber o efeito salutar da vinda de Hersílio. para São José do Rio Pardo, não apenas como docente de ótima formação, mas ainda como estimulador do nosso incipiente euclidianismo (tarefa em que teve Oswaldo Galotti por incomparável companheiro) e como um dos fundadores de nossa Faculdade de Filosofia.

Se eu tivesse de resumir numa só palavra a razão do sucesso de Hersílio como educador em nossa cidade, diria, sem a mínima dúvida, que foi probidade profissional. Ele foi probo e ensinou probidade a dezenas de seus alunos que lhe seguiram os passos no magistério público, com isso criando um peculiar padrão de resultados mais que positivos,  e muito duradouros.

Ele,  figura tão respeitável de mestre do vernáculo, cultor da boa leitura, exemplo admirável de modéstia e de caráter. Não se pode esquecer que naqueles tempos heroicos o mais comum era que lecionassem Português, nas pequenas cidades,  advogados tidos como cultos, por causa de seu vocabulário pedante, ou poetas, por causa das rimas ricas que procuravam e às vezes encontravam. Conhecimentos  sedimentados, leituras aprofundadas, domínio verdadeiro do idioma – poucos os tinham. Antes da vinda de Hersílio Ângelo, o então Ginásio do Estado Euclides da Cunha teve como lentes  de Português  tanto advogados como poetas...

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O que se observa nos dias de hoje? Exatamente essa falta de compromisso de nossas universidades públicas com a vida prática, com as escolas públicas de ensino médio – por definição as escolas preparadoras de bons cidadãos, de bons profissionais, de bons transmissores da cultura.

Ora, dirão que isso é apenas uma faceta de um grande e complexo problema que envolve não apenas a defasagem cultural, mas também desvalorização funcional, perda de prestígio da escola, desinteresse da maioria dos pais, falta de terminalidade no curso.  Causas ponderáveis, sem dúvida, que precisam ser quando menos enfrentadas com mais coragem pelos poderes públicos. Mas se pode raciocinar em sentido contrário: muito pouco se resolverá da crise atualmente grassando na escola paulista se não se der especial ênfase à capacitação  e estimulação pessoal do docente.

É do mesmo Hersílio  Ângelo esta observação feita a propósito do nível de rigor e cobrança que se quis e se pôde dar, durante muitos anos,  ao curso de Letras de nossa Faculdade de Filosofia:

- Entre um professor sem muitos recursos  didáticos, mas senhor dos conteúdos de sua disciplina, e outro professor muito comunicativo mas pouco afeito aos assuntos que precise lecionar, eu fico com o primeiro. É muito mais fácil corrigir erros de transmissão de conhecimentos do que erros de doutrina.  Meias verdades são perigosas meias mentiras.

E assim, aquilo que deveria ser um círculo virtuoso de bons professores que ensinassem bons alunos, que se tornassem bons professores que ensinassem outros bons alunos, vem-se transformando nesse drama que assola grande parte de nossas escolas:  falta de pessoal capacitado em tantas e tantas disciplinas de extrema importância na formação plena do jovem adolescente, capaz ainda de propiciar condições ao prosseguimento no estudo a quem tiver vontade e meios.

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Leio por aí que, grosso modo,  existem apenas dois tipos de conduta, ao se disciplinar filho no caminho do êxito pessoal, profissional  e competitivo: o oriental (com as variantes chinesa, japonesa, coreana, vietnamita) e o judaico (com base na chantagem emocional geralmente exercida por chorosas e derramadas mães). Ambos são eficientes, quase infalíveis, garantem os especialistas.

Pelo método oriental, não se brinca em serviço, não se perde tempo, não se dispersa por nada a atenção. Cada estudante sabe que é seu dever  dar o melhor de si, sem discussões nem  promessas de recompensas.  É por isso que se vê tanta gente de olhos apertadinhos saindo-se vitoriosa  nas mais diferentes atividades humanas.  Um cursinho de São Paulo chegou mesmo  a cutucar seus alunos nem sempre muito esforçados  e de olhos redondos com a frase: “ Trate de estudar, porque se você não fizer isso, sempre haverá um coreano que lhe tirará a vaga na faculdade”.

Pelo número de judeus presumidos no mundo, não há nenhuma outra etnia com tantos vencedores de prêmios Nobel e outras honrarias de igual significado intelectual. Dizem que isso se deve muito à lamuriosa e constante presença da mãe judia, sempre implorando ao filho que não a envergonhe NÃO sendo o primeiro em tudo... Wood Allen, o noivo neurótico, sempre explora nos seus filmes essas criaturas tão carinhosas e tão cobradoras.

Se houver, mesmo, apenas esses dois tipos de conduta, o estudante brasileiro continuará a ser o de ruins resultados na sua vida escolar, porque ninguém lhe vem passando um rígido senso do dever a ser cumprido e muito menos pais e mães têm maior capacidade de persuasão ou estímulo. Pelo que se vê por aí, a maioria deles está sem moral até para pedir que o filho desligue a televisão, ou o celular, ou o computador, para cumprir minimamente seus deveres estudantis...

 

12/12/2015
emelauria@uol.com.br

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