De perto e de longe

 
Os fundos do Rarib’s

 

Ministro no vespeiro

Posso contar nos dedos de uma das mãos  os figurões da República que conheço pessoalmente.

Nesta era lulo-dilmista, acho que só o secretário de Direitos Humanos Paulo Vannuchi , por razões euclidianas, e Aldo Rebelo, herdeiro de todas as trapalhadas de  Orlando Silva no ministério do Esporte.  Um Orlando Silva que talvez nem saiba cantar Lábios que beijei, mãos que afaguei, numa noite de luar assim...

Apenas  nesta nossa terra originalíssima, que até rejeitou o honroso nome de Cidade Livre, é que um professor aposentado tanto recepcionaria um ex-maratonista bem-sucedido, quanto  seria solicitado a prestar informações sobre famoso escritor a um deputado comunista, que proferiria palestra a convite  de um grupo de fazendeiros.

Paulinho Vannuchi aqui esteve, na abertura da extemporânea  Semana Euclidiana de 2009, centenário da morte de Euclides.

E  há relativamente pouco tempo fui convidado por um ex-aluno, agora dirigente de entidade de ruralistas (eles não gostam de ser chamados de fazendeiros, o termo soa politicamente incorreto), a ir até o Recanto Euclidiano para dar algumas informações ao deputado federal Aldo Rebelo, relator do projeto de Código Florestal, muito combatido por ambientalistas, mas elogiadíssimo por ruralistas e pecuaristas .

Como pertenço àquele rarefeito grupo de pessoas sempre dispostas a servir uma causa meio abstrata, como é o euclidianismo, lá fui eu à falsa herma de Euclides da Cunha, para fornecer ao deputado comunista, eventualmente aliado a lideranças conservadoras, alguns informes  rememorativos do escritor e sua obra.

Gostei do interesse de Aldo Rebelo por assuntos euclidianos. Modesto, ele deixava, contudo, transparecer que lera ao menos Os sertões e que estava a par da posição incomum de Euclides da Cunha na literatura brasileira.

Mas o momento mais significativo daquele rápido encontro ao pé do medalhão de Euclides foi quando ele me pediu licença para dar breve telefonema local. Adivinham para quem? Para o prefeito? Não. Para o presidente da Câmara? Não. Para algum comunista histórico perdido aqui por estas bandas? Não. O telefonema, respeitoso, próprio de tiete para ídolo, foi para meu antigo colega de escola e ainda hoje  amigo Richard Petrocelli. Sim,  para  Ríchard (com acento no i), grande jogador do Rio Pardo Futebol Clube e depois do Palmeiras, no começo dos anos cinqüenta, com carreira internacional garantida, se tivesse querido.

Quer dizer, esse Aldo Rebelo extrapolava mais uma vez: alagoano de nascimento, ex-dirigente da União Nacional dos Estudantes, comunista de carteirinha, devoto de Nossa Senhora Aparecida, São Sebastião e São Francisco de Assis,  por seis vezes eleito deputado federal por São   Paulo e... palestrino doente! Pode?

Pelo que tenho acompanhado, apesar de alguns projetos meio quixotescos – como o de  proibir o uso de palavras estrangeiras em textos de propaganda, quando houver a nacional correspondente –,  Rebelo goza da geral estima, até entre os tucanos, porque participou com muita garra da famosa CPI que envolveu marcas de tênis, dirigentes esportivos, maracutaias das grossas. O caso, ao que parece, não deu no que se esperaria dar, como costuma acontecer neste nosso Brasil varonil.

Ah, outra idéia mirabolante de Rebelo é a de substituir as bobagens do halloween  pela figura folclórica do saci-pererê. Tarefa difícil, a bem dizer impossível, dado o grau de macaqueamento que se apoderou de certas camadas culturais brasileiras. Alguém chegou mesmo a dizer que esse projeto do Rebelo só passará quando o saci conseguir cruzar as pernas...

Êxito ao corajoso alagoano-paulista em sua luta contra a dilapidação do dinheiro público no setor esportivo, ainda mais nestes tempos de vacas gordas, com preparação da Copa do Mundo de 2014  e da  Olimpíada de 2016...

Por suas primeiras declarações, ele não alimentará nenhuma ONG, quer dizer: organização não governamental, que neste nosso país vive às custas do dinheiro público. Já é um bom começo, se nenhum fato novo ou nenhum parente velho não atrapalhar desde logo os seus bons propósitos. O grande perigo é ser atingido pelo fogo amigo...

 

A Câmara e eu

Iniciei tardiamente minhas atividades políticas, candidatando-me em 1972 a vereador à Câmara de São José do Rio Pardo. Tinha já 40 anos de idade.

Fiz campanha modestíssima, baseada em contatos pessoais e no envio de um bom número de aerogramas personalizados, isto é, manuscritos por mim.

O resultado foi muito favorável e me elegi com expressiva votação. Exerci dois mandatos consecutivos, com breves intervalos, entre 1 de fevereiro de 1973 e  31 de janeiro de 1982.

Candidatei-me de novo nas eleições de 1981, mas tive baixa votação, que atribuo, principalmente, ao chamado voto vinculado, ditatorial invenção que obrigava os eleitores a votar nos candidatos de um mesmo partido, tanto nas eleições majoritárias quanto nas proporcionais. Isso garantiu fácil vitória a governistas no Norte e Nordeste e também a eleição de oposicionistas no Sudeste. Em São Paulo, Franco Montoro, candidato pelo MDB ao governo estadual, assegurou a vitória de muitos deputados, prefeitos e vereadores de sua legenda.

Tenho gratas recordações de minha passagem pela Câmara: de início, as sessões eram realizadas no prédio da Prefeitura, enquanto não ficava pronto o edifício próprio, na Praça dos Três Poderes, inaugurado logo depois. Trabalhava-se intensamente, ninguém faltava às sessões ou se furtava de assumir atitudes corajosas.

Não me lembro de ter feito nenhum inimigo entre os colegas vereadores, apesar de alguns deles terem posições bem distintas das minhas. Eu conseguia ver nas manifestações e nos votos de cada um deles seus modos particulares de trabalhar pelo bem coletivo.

Durante grande parte de meus mandatos, os vereadores nada ganhavam – o que considero importantíssimo na melhor definição dos representantes populares.

Dentre projetos por mim apresentados que se tornaram leis, lembro-me com especial carinho do que reuniu as comemorações do aniversário da cidade em torno do dia 19 de março, embora a data oficial de fundação de São José do Rio Pardo seja 4 de abril de 1865; do que instituiu o Dia do Rio-Pardense Ausente; do que preservou o velho prédio da Prefeitura e Câmara; do que declarou área de preservação ambiental a Mata do Carneirinho ou Mata do Paixão.

Exerci com satisfação e empenho a presidência da Câmara num biênio, entre1977 e 1979. Neste honroso exercício, procurei respeitar e fazer respeitar o regimento interno, no decorrer das sessões, além de sempre ressaltar, em todas as oportunidades, a autonomia e a autoridade moral do Legislativo.

Sempre achei que o Legislativo municipal precisa ter representantes de todo o espectro populacional, opondo-me, por isso, à elitista concepção de que todos os vereadores devem ter alta escolaridade. Longe disso: tive provas definitivas de que também os menos letrados exerceram seus mandatos com dignidade e acerto, graças à grande experiência pessoal que tinham e à alta moralidade com que desempenharam suas funções públicas.

 

 (Meu depoimento no livrete: Câmara Municipal de  São José do Rio Pardo –  125 anos – 2011, organizado por Antônio Fernando Torres, assessor de comunicação)

 

05/11/2011
emelauria@uol.com.br)

 

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