O iniciador da Raça Mangalarga foi o Barão de Alfenas (Gabriel Francisco Junqueira), o qual deu o nome de "Mangalarga" ao seu primeiro reprodutor, em virtude de seu andar alçado e amplo. A família Junqueira e seus parentes prosseguiram na seleção deste tipo, visando a obtenção de um cavalo próprio para as grandes caminhadas, resistente, de andar macio e capaz de se movimentar com agilidade e segurança em campos sujos e cheios de acidente.
Tudo começou em 1912, com o nascimento do responsável por cerca de 90% do plantel moderno da raça: Colorado.
Resultado de um árduo trabalho de seleção desenvolvido pela família Junqueira, desde o Sul de Minas Gerais, no século XVIII, até Orlândia, no Norte de São Paulo, Colorado é considerado um divisor de águas na história do Mangalarga. Um pequeno exemplo de sua importância foi o título de Campeão das Raças Nacionais, conquistado quando ainda nem havia o conceito específico de raça, ou seja, quando ainda não tinha sido definido qualquer padrão racial que estabelecesse o registro de equinos genuinamente brasileiros.
Nas mãos de João Francisco Diniz Junqueira, emérito criador e reconhecido especialista da equinocultura nacional no primeiro terço deste século, Colorado tornou-se o veículo da filosofia de criação e seleção de seu proprietário.
Uma dessas experiências seguidas, e que se transformaria num dos pilares da raça, foi o produto entre Colorado e Fantasia (neta do próprio Colorado pela linha baixa): Pensamento, nascido em 1932 e comprado de João Francisco Diniz Junqueira quando ainda estava na barriga de Fantasia.
Ele levou esse nome por, antes mesmo de nascer, já fazer parte dos sonhos de José Oswaldo conseguir um reprodutor de exceção. Consagrado Campeão Cavalo na 6ª Exposição de Animais de São Paulo, em 1937, Pensamento foi também um grande produtor de campeões, como Baluarte, Maxixe e Samba, responsáveis pela posse definitiva da Taça Capitão Chico, por José Oswaldo, que era transitória e disputada por todas as raças de equinos (ela somente era destinada em caráter definitivo ao criador que obtivesse dois campeonatos seguidos ou três alternados).
Mas foi outro filho de Pensamento, em Friza SM, que proporcionaria a continuidade dessa linhagem determinante: Abaré J.0.. Embora fosse premiado somente como Campeão Cavalo em Exposição de Caxambu, Mg, Abaré J.0. cruzado com Índia J.0. (Rubro J.0. X Bugrinha), produziu Gigante J.0., outros desses animais expoentes que marcam a história do Mangalarga.
Levando ao pé da letra o seu próprio nome, Gigante J.0., nascido em 1958, fez uma carreira exemplar nas pistas de exposições, chegando ao ponto de ser consagrado Campeão dos Campeões de Todas as Raças presentes à Exposição Nacional de Equideos, em Porto Alegre, RS, em 1966.
Gigante J.0.
Mas, sem dúvida, o maior de seus méritos foi produzir outros campeões como Urucum J.0., Estádio J.0., Cocar J.0. e principalmente, Turbante J.0., este último merecedor de uma história à parte. "Estes cavalos que você cria podem até ser de sua propriedade, mas, antes disso, eles são um patrimônio nacional. Você é o responsável pela sua criação e manutenção. Mas não se esqueça, eles são um patrimônio nacional." (João Francisco Diniz Junqueira) Este ensinamento foi um dos princípios que nortearam o desenvolvimento do criatório de José Oswaldo Junqueira. Sempre preocupado com o melhoramento genético e a evolução seletiva da raça - e acreditando na veracidade desta afirmação -, o titular da Fazenda Santa Amélia nunca descartou a hipótese de estender os benefícios proporcionados pelo seu método de criação aos demais criadores.
Talves seja por isso que o nascimento de Turbante J.O. , também represente uma espécie de divisor de águas no desenvolvimento da raça Mangalarga contemporânea, consagrando-o como um verdadeiro patrimônio nacional.
Turbante J.O. nasceu em 23 de dezembro 1969, em São José do Rio Pardo, na fazenda Santa Amélia; pertence à terceira geração dos animais da linhagem J.O. reg. nº 1849, alazão, 1,61 m de altura de cernelha, 1,88 m de perímetro toráxico, 0,23 me de perímetro de canela, classificação ótima com 96 pontos de registro, tendo sido campeão Potro em São Paulo (1972) e Reservado de Grande Campeão na mesma Exposição e Campeão Cavalo em São Paulo (1973) e, desde que foi instituído o prêmio de Melhor Reprodutor do Ano pela ABCCR Mangalarga, Turbante J.O. tem ganho o prêmio, o que já ocorreu desde 1982.
Turbante J.O. - Potro
Carregando a herança de seus antecedentes, Turbante J.O. nasceu trazendo para seu criador a esperança de que seria um grande garanhão. "Ele nasceu com a cernelha bem atrasada, pescoço comprido e bem lançado, garupa longa e levemente inclinada, além de bem desenhada, e cabeça delicada com traços bem definidos. A esperança de que continuasse a se desenvolver para o futuro da raça era grande", documenta José Oswaldo Junqueira. Segundo ele, esta esperança se confirmou com as primeiras participações de Turbante J.O. nas pistas de julgamento das exposições. Em 1972, ele já conquistava o Campeonato Júnior da XVI Exposição Nacional, julgada por José Figueiredo Monteiro, e no ano seguinte, durante a XVII Nacional, já era premiado como Campeão Senior. No entanto, esta foi a sua despedida das pistas. "Ele sofrera um acidente na cocheira do Parque da Água Branca, em São Paulo, SP, onde se realizava a exposição. Diante disso, resolvemos abandonar as demais exposições como uma maneira de prevenir que isto se repetisse e pudesse trazer piores consequências", explica José Oswaldo. Ele conta que Turbante J.0. já havia provado suas virtudes, inclusive, antes de isso ocorrer. "As suas qualidades como cavalo de sela já haviam sido comprovadas na prática, por mim mesmo, na fazenda. Ele tinha três anos de idade e eu, recuperando-me de uma cirurgia malsucedida, resolvi montá-lo assim mesmo. E nesta primeira oportunidade ele já se comportou com um cavalo bem educado", conta. As expectativas estavam corretas e o Turbante J.0. conquistou 96 pontos de registro definitivo, a marca do Mangalarga.
No entanto, o potencial genético e reprodutor de Turbante J.0. ainda demoraria a ser reconhecido, embora fosse quase uma certeza. Em 1974, a Fazenda Santa Amélia manteve o primeiro contato com a Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, onde conseguiu uma vagina artificial para a utilização do método de inseminação artificial em seu criatório. Este processo somente foi introduzido - de maneira praticamente inédita em equinos no Brasil - quatro anos depois, quando o mais novo reprodutor da marca J.0. já havia mostrado a que veio. "A nossa intenção era cobrir um maior número de éguas com um garanhão que tinha todos os requisitos para ser um grande reprodutor, desde pedigree, morfologia, funcionalidade e, principalmente, capacidade para imprimir as suas qualidades fundamentais para um cavalo de sela", explica José Oswaldo. Na sua opinião, a inseminação artificial era a alternativa que proporcionaria a democratização das qualidades de Turbante J.0. a um maior número de criadores, colocando em prática a premissa de João Francisco Diniz Junqueira. "Não se pode pensar somente na sua tropa. Nós temos que colocar nosso plantel à disposição dos outros, oferecendo a oportunidade de todos obterem qualidade. Não adianta você ter excelentes cavalos se os seus amigos não tiverem", defende. A introdução da inseminação artificial, então, proporcionou a mair utilização de Turbante J.0., que teve suas coberturas vendidas e passou a receber matrizes de vários criatórios. Mas José Oswaldo Junqueira ainda estava preocupado em preservar este potencial genético e reprodutor para o futuro. "Em 1981 realizamos o primeiro congelamento de sêmen. A nossa preocupação era que poderíamos perder o Turbante e, como tínhamos certeza de que ele era um grande patrimônio da raça, fizemos uma reserva genética congelada que funciona como um seguro biológico", conta.
A constatação definitiva de que Turbante J.0. era, realmente, um patrimônio da raça veio no ano seguinte com a instituição do Ranking Geral das Exposições pela ABCCRM. Pontuando anualmente os melhores criadores, expositores, reprodutores e matrizes de acordo com as premiações conquistadas pelos seus produtos nas exposições da raça, o resultado do primeiro ranking já trouxe, na liderança entre os reprodutores, o nome de Turbante J.0.. E ele continua até hoje em primeiro lugar - 14 anos depois - , com pontuações, inclusive, até seis vezes maior que o garanhão segundo colocado - este, muitas vezes, filho do próprio Turbante J.0.. Este resultado refletiu significativamente na maior utilização do reprodutor. A própria Fazenda Santa Amélia, até então defensora do refrescamento de sangue em seu criatório, também partiu para a consanguinidade controlada para o melhor aproveitamento de Turbante J.0.. "A partir do momento em que começaram a surgir filhos/netos e Turbante com grandes qualidades, também iniciamos estes cruzamentos", conta José Oswaldo. Segundo ele, o total aproveitamento do garanhão, no entanto, só foi possível com a introdução do método de transferência de embriões (TE), em 1986. "Nossa intenção era dar maiores chances para as éguas que, normalmente, tinham apenas um filho ao ano e que acabavam influenciando pouco no melhoramento genético da raça de maneira quantitativa, embora tivessem grandes qualidades. Lembráva-mos dos criadores antigos que sempre diziam que um bom garanhão era filho de uma égua de destaque, barriga de ouro, mãe de garanhões", explica José Oswaldo. Na opinião dele, a TE veio também proporcionar a maior utilização de Turbante J.0. nas mesmas éguas, cujos cruzamentos proporcionaram bons resultados. Essa permanente preocupação de José Oswaldo com o futuro da raça e com a socialização das qualidades do reprodutor para um maior número de criadores fez de Turbante J.0. o maior reprodutor Mangalarga. No serviço de Registro Genealógico da ABCCRM, por exemplo, Turbante J.0. tem, simplesmente, 1.678 filhos registrados. Este número, é evidente, somente foi possível com os métodos de reprodução artificiais adotados pela Fazenda Santa Amélia e, hoje, muitos criadores possuem descendentes de Turbante J.0.. Descendentes que, inclusive, têm conquistado a maioria das premiações nas pistas de julgamento das exposições da raça.
Nunca se viu garanhão como esse. Cobriu éguas dos 3 aos 26 anos, ou seja, 23 anos de dedicação à reprodução. O mangalarga Turbante teve 1.678 filhos, recorde nacional. Hoje registrados na associação do Mangalarga estão mais de 200 filhos premiados. Entre eles destacamos: Galan NH, 14 vezes primeiro prêmio, 9 vezes Campeão, 4 vezes Reservado Campeão, 9 vezes primeiro lugar em provas de andadura, fora outras colocações nas respectivas categorias. Ainda destacamos a égua Suite JO, 6 vezes medalha de ouro de andamento, 7 títulos TOP, 4 vezes Campeã, 3 vezes Reservada Campeã, 3 vezes Campeã de Dinâmica. Podemos dizer que é o Garanhão do Século pois esta marca não será superada neste século. Reproduziu como nenhum outro suas qualidades, o que lhe dá o título de Reprodutor do Ano desde 1982.
Perto do final da vida, continuava na ativa: dia sim, dia não, seu sêmen era recolhido para gerar campeões. Foi avaliado em US$ 1 milhão, mas nunca esteve à venda: "Você venderia seu filho?", pergunta o seu criador."
Turbante levantava cedo. Mal o sol aparecia ele já estava acordado, pastando. Às 7h30, um peão servia a primeira refeição de ração concentrada - 1,5 kg com aveia, milho, soja, trigo, vitaminas e sais minerais. "Capim não era suficiente, e assim nós melhoramos muito a genética dos nossos cavalos", explica o neto João Junqueira Fleury. Após o café da manhã, o garanhão voltava para o pasto. Por volta das 8h30, era feita uma pequena toalete, de 30 minutos, com ducha. As quatro canelas de pêlo branco eram lavadas, os cascos vistoriados e limpos, e todo o corpo era escovado - primeiro com raspadeira de ferro, depois com uma escova de raiz. Em seguida, uma flanela dava o brilho. O resto do dia, Turbante passava em outro piquete, bem mais amplo, de 1 hectare (10 mil m2), com abrigo, água e pasto da melhor qualidade. Nova ração - também 1,5 kg - era dada antes do anoitecer.
"Nos bons tempos", lembra José Oswaldo, a vida do garanhão não era essa moleza. Em sua fase "teen", após a toalete matinal Turbante trabalhava, e muito, até o meio-dia. Tocava o gado, corria a lavoura, o cafezal. Nessa época, além do capim, recebia 2 kg de ração três vezes ao dia. Era um cavalo "de lida" , do batente, fundamental na vida da fazenda - a família Junqueira, desde os primeiros que chegaram de Portugal via Minas Gerais, sempre trabalhou na terra. Vinte anos atrás a fazenda vivia do "café com leite", embora criasse gado e cavalo. Hoje com os netos de J.O. ali, foram introduzidas a suinocultura e a avicultura. Turbante e José Oswaldo
João Junqueira Fleury é o neto que acompanhava passo a passo a vida de Turbante, desde 1982 eleito sucessivamente o Reprodutor do Ano pela Associação dos Criadores de Mangalarga. Diz a lenda que um cavalo como Turbante aparece a cada 50 anos. Ele seria o único descendente à altura de Colorado, um colosso da raça, nascido em 1912. Prestes ao completar 26 anos de idade, Turbante J.0. teve coletado seu sêmen pela última vez no final da temporada de monta de 1995.
Pela missão mais que cumprida, e por ter atendido a todas as expectativas de José Oswaldo que, por seu lado, proporcionou a toda a raça a evolução seletiva de sua plantel, cabe-lhe, no mínimo, uma homenagem.
José Oswaldo e Turbante
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