Socialistas e não-socialistas italianos,
em São José do Rio Pardo

Muitos imigrantes italianos, anarquistas e socialistas, escolheram São José do Rio Pardo como sua segunda terra-mãe. Contestadores, por princípios ideológicos, não participavam da Società di Mutuo Soccorso 20 Settembre. Pregavam a favor da democracia, da liberdade, da fraternidade, da igualdade social e contra as forças

monárquicas e reacionárias. Criaram problemas a fazendeiros e autoridades. Criticaram e foram duramente criticados. Suas instituições tiveram vida efêmera..

Depois de onze anos do II Congresso Internacional Socialista de Paris, em 1889, instituindo o 1º de maio como o "Dia do Trabalho", o Socialismo encontrou, na pequena S. José, discípulos, que resolveram fundar clubes socialistas em 1900.

O primeiro foi o "Clube Socialista dos Operários", também conhecido como "Clube Socialista Riopardense", fundado em 19 de abril de 1900, à Rua Benjamin Constant, 2 e, mais tarde, à Rua Francisco Glicério, 3. "A Comissão iniciadora desse clube era composta dos italianos Vicente Giuliano, Antonio Migliaccio, Pasquale Artese e Roque Ventura".

 

Convocou uma reunião com os operários em 23 de abril, quando foi deliberado festejar o 1º de Maio. Como o objetivo do Club não era a doutrinação ideológica, mas beneficente, a sociedade foi dissolvida, reaparecendo dias depois, em 1º de maio, com o nome de "Club 1º de Maio – Honra e Trabalho".

 

Paschoal Artese

 

O jornal O Rio Pardo (3 /5 /1900) assim comentou a festa: "As colônias estrangeiras reunidas em um dos últimos dias da semana passada resolveram fundar o partido socialista e festejar o 1º de Maio (...). A festa correu perfeitamente bem, havendo a união das duas bandas de música da cidade (...). Constituiu ela de alvorada e salva de 21 tiros às 5 horas da manhã, passeata e discursos no salão de honra da Sociedade Italiana. Falaram o Dr. Ignacio de Loyola (...), o Ten. Cel. João Moreira (...), o professor Nicolau Carnaval Rondinelli, Miguel Santoro e outros.(...)."

Muitos italianos socialistas se desligaram do Club. Paschoal Artese, num artigo publicado mais tarde, declarava: "(...) Eu fazia parte com eles. Uma vez que quiseram seguir um caminho tortuoso, isto é, da falsidade ideológica, eu me julgo no dever de me insurgir e protestar com todas as minhas forças contra tal conduta (...). Também não é lícito a vós, operários, que viveis do vosso penoso trabalho, propagar um sistema para sempre condenado (...). Como conservar-me indiferente quando vejo ultrajado o grandioso partido? (...)".

Quatro meses depois, em 25 de setembro de 1900, nasceu outra sociedade socialista: o "Club Democrático Internacional Filhos do Trabalho", com sede à Rua Marechal Deodoro, 21.

 

O prédio onde se instalou a sede do "Club Democrático Internacional Filhos do Trabalho", em 25/ 9/1900, à rua Marechal Deodoro, 21.

 

 

Dos quinze presentes na primeira assembléia, só o promotor Dr. Ignacio Loyola Gomes da Silva não era italiano e presidiu a sessão. Além dele, assinaram esta ata: Ambrosio Mascaro, Cezare V..., Domenico Ramondino, Felice Antonio Franzé, Francesco Ceravolo, Gaspar Mascaro, Horacio Simonetti, Miguel Passari, Nicola Rimola, Paschoal Artese, Paschoal Ceravolo, Raimondo Piovesan, Rodrigo Andreotti. Na Segunda ata, novos nomes: Lando Argentieri, Pietro Marchi e Silvio Parladori...

 


1917. Família Paschoal Artese. Na frente, as três crianças sentadas são: Ênio, Ada e Álfio. Atrás, da esquerda para a direita: José Germinal e Filomena, filhos do primeiro casamento. Adele, Darwin, Paschoal Artese e Noêmia (os pais), Dante e Vitor Hugo.

 


Anos 20. Família Cerávolo. 1ª fila: Aurora, Assunta, Paschoal e Virgínia Cerávolo (os genitores), Rosa e Ana. 2ª fila: Mário, Salvador, Guido, Mafalda, José e Francisco. 3ª fila: Vicente e Domingos.

O 1º de Maio de 1901 foi brilhantemente comemorado pelos dois clubes. O jornal comentou o êxito da festa, com a população acordando às quatro da manhã "por grande salva de bateria e pelo som agradável das duas bandas da cidade".

Os sócios do Clube dos Operários, ou Honra e Trabalho, foram à nova ponte quase pronta, receber os operários, quase todos italianos, que tomariam parte nos festejos. Às cinco da tarde, o clube promoveu uma grande passeata, que percorreu as ruas, recolhendo-se no salão da Sociedade Italiana, onde se realizou a sessão literária.

 

O "Filhos do Trabalho" retomou as atividades às 7 da noite, com a "marche aux flambeaux" (com tochas), percorrendo a cidade. "Na sede, foi inaugurado o retrato do emérito socialista Karl Marx (foto), falando o Sr. José Honório de Sylos sobre a Evolução do Socialismo".

 

O Clube recebia orientação doutrinária do Círculo Socialista "Avanti", de São Paulo, a quem ideologicamente estava ligado. Seu representante em São José era Paschoal Artese, que mandou publicar o programa do "Circolo", citando Marx, "a classe oprimida não conseguirá a sua emancipação a menos que os meios de produção – transporte, distribuição e troca –, dos quais como do ar depende a vida de todos, sejam de propriedade de todos ou coletiva".

O Clube "Filhos do Trabalho" idealizou um jornal: "O Proletário", que começou a circular em dezembro de 1901, sob a direção de Paschoal Artese e José de Campos, sendo que este se desligou em 11 de janeiro de 1902. Artese escreveu que era um jornal de programa socialista, "defensor dos oprimidos, da classe desfavorecida".

Observe esta nota d’ "O Proletário", número 22:

"Aos colonos.

A fim de evitar que sejam vítimas de abusos, brutalidade ou fraude, nós aconselhamos a não aceitar trabalho nas fazendas sem antes estipular regular contrato perante um tabelião à presença de testemunhas da vossa inteira confiança. O modelo de contrato vos será fornecido grátis nesta redação".

Nessa ocasião, o fazendeiro Oliveiros Fernandes Pinheiro estava processando Artese e Vianelo "pelo crime do artigo 184 do Código Penal, a respeito de uma carta ameaçadora enviada ao fazendeiro que, segundo alegavam, ficara com porcos do colono Marchioni, em pagamento de multa". Artese se defendeu dizendo ser diretor do recém-fundado "O Proletário", que tem "por fim defender os direitos dos proletários e dos que sofrem e são vítimas dos poderosos (...).".

Mas antes desse fato, outros aconteceram: os fazendeiros Cel. Francisco Soares de Camargo e Elisiário Luiz Dias receberam cartas ameaçadoras por maltratar os pobres colonos de suas fazendas, com a assinatura de Paschoal Artese.

A assinatura falsa do socialista Artese evidenciava o desatino do covarde, que enviou outras cartas... Artese e o Club Socialista protestaram através do jornal. Artese, na sua carta aberta, declarou que "(...) a infâmia praticada tem manifestamente por fim procurar tornar-me odiado e trazer, ao mesmo tempo, o descrédito do partido Socialista do qual pertenço. (...) É preciso que os leitores saibam: o partido socialista não é perturbador da ordem e nem procura a desarmonia entre patrões e trabalhadores (...)".

O Club "Filhos do Trabalho" também se comunicou com o público, através de O Rio Pardo:

"Ao público / A diretoria do clube socialista desta cidade previneaos senhores fazendeiros deste município que alguém obedecendo a intuitos infames, procura chamar o odioso não só sobre os socialistas, como sobre o nosso companheiro Paschoal Artese, dirigindo em nome deste e do Clube Socialista cartas ameaçadoras a cavalheiros estimados e conceituados nesta cidade. Infelizmente, não conhecemos o canalha (...)". ( Sobre o assunto, leia em "Crônicas do autor" o artigo "Italianos, coronéis e cartas anônimas", à pág. 147).

O "Club Democrático Internacional Filhos do Trabalho" ficou abalado e quase se desfez no final de 1901, quando denunciou o desaparecimento do colono italiano Vincenzo Padovino, conhecido por José Costelette que, segundo muitos do Club, fora espancado brutalmente e morto pelo administrador Caetano Scaffi, pelo diretor das fazendas, Júlio de Araújo Macedo e pelo seu próprio filho, André Padovino, na fazenda Santa Justa, do Cel. José Júlio de Araújo Macedo. Seu corpo estava desaparecido.

Muitos, inclusive membros da sociedade italiana "1º de Maio", contestavam essa hipótese. O imaginado morto foi descoberto, trabalhando em Muzambinho e chegou, triunfalmente, em São José, em 30 de novembro de 1901.

 

Em 14 de dezembro do mesmo ano, dois expoentes do Club Democrático, Dr. Loyola e Francisco de Escobar, desligaram-se da sociedade e publicaram sua decisão no jornal O Rio Pardo.

 

 

Francisco  de Escobar

A última reunião do "Filhos do Trabalho" foi registrada em ata de 4 de outubro de 1901.

Em 1902 foi a última comemoração do 1º de Maio pelos dois clubes, com bandas, passeata, discursos. Em 1903, a febre amarela não deu chance a manifestações. Em 1904, o jornal nada comentou e, em 1905, a festa cívica do 1º de maio foi organizada só pelos "Filhos do Trabalho".

Havia desunião da classe trabalhadora italiana, criticada pelo jornal O Rio Pardo ao relatar a festa do trabalho de 1906. Embora se desagregando por conflitos internos, o "Filhos do Trabalho" promoveu a festa com alvorada e piquenique no alto do Bom Sucesso. Também com alvorada e bandas foram comemoradas as festas do 1º de maio de 1908 e 1909, merecendo as festividades pouquíssimas linhas d’ O Rio Pardo.

Em junho de 1909, extinguiu-se a última agremiação socialista rio-pardense: o "Club Democrático Internacional Filhos do Trabalho".

 

 

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