Vidas truncadas (...) O jovem italiano Bruno sentiu-se mal à noite. Era a febre. De manhã, agonizava. No seu devaneio, Açucena era presença constante, insistentemente chamada. A mãe, que havia muito soubera do seu amor pela rapariga do bordel de Naná, e sempre o condenara, desesperada diante da morte que se aproximava, pediu que chamassem Açucena. Minutos depois, ela estava ao lado do amante, seu único amor. Segurava-lhe a mão, beijava-o, sussurrando-lhe palavras inaudíveis. Os olhos negros e grandes do rapaz se abriam, dolorosamente, como que procurando a amada que o acariciava e lhe sussurrava: "Não me deixe, Bruno... Você é minha força e minha segurança... Leve-me para onde você for... Eu te amo!... Te amo! Com sucessivas carícias, ela repetia, limpando-lhe o negro vômito: "Leve-me, Bruno querido! Passe-me a sua dor e a sua febre!... Com olhos arregalados, Bruno morreu, nos braços da mãe e de Açucena, sem tempo de ser levado ao Lazareto. A carroça chegou em seguida. O corpo do belo rapaz foi envolto num lençol-mortalha. Açucena entregou à mãe de Bruno sua cruz de esmeraldas e os anéis de brilhante que ganhara do coronel Jesuel. — São seus... Eu só tinha Bruno... Dará para recomeçar a vida, quando tudo passar... Só, atrás da carroça, cabelos em desalinho, a jovem seguia. Dizia coisas como se com ele conversasse, recordando o passado, imaginando o futuro sonhado. — A senhora não deve entrar. É perigoso! – disse-lhe o condutor da carroça, diante do cemitério. — Não se preocupe. Eu o acompanharei. Eu nada temo... Nada! Chovia chuva fria e fina. Ela ajudou a carregar o corpo ainda quente do amado. E desceu ribanceiras, chegando às valas abertas, muito além dos jazigos e covas, perto das linhas do trem. Os eucaliptos e chorões gemiam e se contorciam batidos pelo vento. Ela perdera os sapatos no lamaçal e a barra do longo vestido se debruara de barro. Ela abriu o lençol, beijou o rosto de Bruno, ainda quente, deixando-lhe o calor de discretas lágrimas, diante dos assustados coveiro e carroceiro. — Maldita febre!... Maldita!... O trem passou temeroso da peste, gritando na curva do rio. A terra cobriu o belo corpo que, na véspera, lhe dera alegria e prazer. — Tchau, Bruno!... Será breve o nosso reencontro... Tchau!... Coberta de lama, na chuva, irreconhecível, a bela Açucena atravessou a cidade fantasma. Naná espantou-se. Mais tarde tentou dissuadi-la do seu intento. No trem da tarde, pálida, sem pintura e ornamentos, com mínima bagagem, Açucena partiu, deixando, na terra que se distanciava, um pedaço de vida feliz, que se truncara tão cedo. (...)
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