Dia Triste Dia 2 de janeiro de 1903. As poucas marcenarias em funcionamento em São José se transformaram em funerárias, a pedido da administração municipal. Rodolfo, marceneiro italiano, inteligente, sempre secretário das instituições que freqüentava, vivia pela família: mulher e quatro filhos, dando-lhes razoável conforto, sem excessos, consumindo as suas economias, sem nada poupar. Responsável, esmerava-se no trabalho a ele confiado, imprimindo sua arte até nas duas últimas urnas, feitas caprichosamente. Na tarde do dia 4, chegara em casa com dores de cabeça. Massimina, a esposa, fez-lhe o chá costumeiro. Acariciou-o, segurando-lhe a mão. A dor e o mal-estar fecharam-lhe os olhos. — Massimina, amore, io sono il prossimo... La febre... — Quieto!... Taci, amore. Non pensare al male... Você é forte! — Io me sento morire... Uma golfada de vômito negro maculou brancos lençóis. — Atílio! Corre! Chama il dottore Aquino! È il flagello! Atílio, o filho mais velho, onze anos, correu dentro da noite triste. O gotejar da chuva confundia-se com o seu pranto soluçante. A febre aumentara. Rodolpho delirava, balbuciando coisas quase inaudíveis. Falava da família, dos filhos, do trabalho, da "Società di Mutuo Soccorso", da Maçonaria... Chamava Massimina que, em prantos, trocava a roupa da cama, abraçando-o, embalando-o. O vômito negro, em golfadas, parecia arrancar-lhe as vísceras. Não mais balbuciava. Dr. Aquino, à cabeceira do moribundo, meneou a cabeça negativamente. Era mais um caso perdido. Precisaria avisar o serviço sanitário. Parara a chuva. Amanhecia um dia quente, com sol se debruçando no morro, olhando desolação. O amado marido e pai se debatia com a morte, golfando a negra gosma que o sufocava. Morreu. Os prantos, na manhã de sol, não foram ouvidos fora da casa: os vizinhos fugiram. Ninguém... Os pequenos, soluçantes, foram buscar o caixão que o pai terminara na véspera. A roupa de festa estava na cadeira para a última troca. Os quatro filhos chegaram com o Dr. Faria, sua equipe e um carroceiro da Prefeitura. Colocaram o morto no caixão, ainda quente, sem a roupa domingueira. A equipe do serviço sanitário conversava com Massimina, alertando-a do perigo da epidemia. Rodolfo seria enterrado imediatamente. Ele era a quarta vítima do mal, em São José, o terceiro a morrer na cidade. Os médicos de fora queixavam-se de não ter chegado, ainda, o equipamento para o Lazareto, que poderia salvar muitas vidas e desinfetar as casas atingidas pela peste. Massimina nada ouvia. Chamava o marido pelo nome, falando num italiano cheio de dor, que os médicos não entendiam. O carroceiro, também italiano, tentava consolá-la. Ela não ouviu quando os doutores lhe disseram que tudo da casa precisaria ser queimado, pela falta do equipamento para desinfecção, que atrasara. Ela e os quatro filhos, entrelaçados, dando-se forças, em prantos, viram a carroça se afastar, levando o ente querido, que não teve velório, nem visitas, nem orações, nem amigos, nem encomendação, nem dobres de sinos... Foi um dia triste. Massimina não teve forças, nem coragem para ferver as roupas da cama. E outra tarde caía...
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