Os candidatos italianos assustam os coronéis A notícia n’ O Rio Pardo, em julho de 1900, de que dois italianos, Leonardo Angerami e Lando Argentieri, seriam candidatos a vereadores nas próximas eleições municipais, preocupou o meio político oligárquico da cidade. Aproveitei a notícia e a incluí na série inacabada de "O Palácio de Naná": um prostíbulo fino, sustentado e freqüentado por coronéis. "(...) — Mas a gente precisa conhecer o manifesto em italiano que está na segunda página! – disse Jesuel – Quem conhece essa língua? Todos se entreolharam. Ninguém conhecia o idioma de Dante, largamente falado na próspera cidadezinha. Naná, pela janela do sobrado, viu Bruno descarregando bebidas. — Pronto! Encontrei um tradutor! Pediu a Jerônima, a empregada, que o conduzisse à sala. O coração de Açucena bateu forte: temia que seu secreto amado fosse indelicado aos coronéis, respondendo-lhes irado a algum comentário desairoso à colônia italiana. Bruno entrou na sala, rodando nervosamente o boné nas mãos. Não entendeu bem a sua missão. Entregaram-lhe o jornal para a tradução do artigo em italiano. Passou os olhos sobre o texto: "Connazionali! È tempo ormai di noi italiani, residenti in questa città, prendere parte all’amministrazione municipale. Forte come siamo..." Naná o interrompeu, dizendo-lhe que os coronéis queriam a tradução. Bruno desculpou-se e, pausadamente, gaguejando, foi traduzindo: "À Colônia Italiana de São José do Rio Pardo. "Concidadãos! Chegou o tempo de nós, italianos, residentes nesta cidade, tomarmos parte na administração municipal". "Forte pelo poderoso eleitorado, é justíssima nossa aspiração, tanto mais agora que os ilustres chefes políticos desta localidade, reunidos sob uma mesma bandeira de concórdia, militam pelo bem do município, objetivo principal da política que adotaram". "Importante como é a colônia italiana aqui estabelecida, é um dever a nossa intervenção na administração pública; portanto devemos correr às urnas na próxima eleição de 22 do corrente, para eleger dois dos nossos patrícios ao cargo de membros da câmara municipal de São José do Rio Pardo". "E desde já, indicamos, entre os muitos, os nomes dos ilustríssimos senhores Leonardo Angerami e Lando Argentieri como candidatos à municipalidade e representantes da nossa colônia". Silêncio. Os coronéis se entreolharam preocupados. As meninas continuaram indiferentes — E quem assina este manifesto, moço? — Não tem assinatura. Naná agradeceu a Bruno, que se retirou. Açucena o seguiu. Na cozinha, abraçou apaixonadamente o rapaz, sob os olhares preocupados da velha Jerônima, que dizia: — Cuidado, menina! Si arguém entra aqui, tá tudo perdido... Adeus segredo!... Bruno sussurrava ao ouvido da ruiva amante: — Que bom se tudo fosse verdade, Açucena! Ter alguém lutando pelos direitos de uma classe: a dos colonos... São duas pessoas inteligentes e dignas... Essa história parece fantasia... Se isso fosse verdade, meu pai já teria comentado em casa e a colônia estaria se movimentando... — De fato, deve ser fantasia – disse Açucena. Faltam apenas quatorze dias para as eleições. Acho que eles não podem representar os italianos se não forem eleitores!... Daqui a alguns anos, seus filhos e seus netos serão vereadores, Bruno! Nada os impedirá... Serão outros tempos! Mas mesmo sem resultados imediatos, o manifesto foi válido. Valorizou a sua colônia, Bruno, tirando o sono dos coronéis, que se revezam nos cargos públicos... Jerônima, ajeitando gravetos no fogão, ouvia o sussurro dos dois, falando sobre colonos, coronéis, trabalho, cultura italiana, a ponte reconstruída e quase terminada, encontros, amor, futuro... Na sala, o gordo coronel Teófilo quebrou o silêncio de velório: — Por que tanta preocupação, amigos? Para essa próxima eleição, a primeira republicana, só um italiano é eleitor!... Só um!... O senhor Ângelo Tardelli!... Para mim isso cheira a brincadeira! Vamos à fonte e perguntar ao Dr. Álvaro de Oliveira Ribeiro, o diretor do jornal, quem foi o redator do artigo. Quatro dias depois, 12 de julho, no Palácio da Naná, a alegria voltara, com risos, danças, champanha... Desde a manhã, a notícia do jornal corria a cidade: a candidatura dos italianos fora uma farsa: o manifesto viera de uma cidade vizinha. Na "Seção Livre", estavam as cartas dos dois candidatos sugeridos. Aureliano, lendo o jornal, chamava a atenção dos amigos: — Ouçam esse trecho da carta do Lando Argentieri: "(...) Todos sabem que eu não sou eleitor, nunca fui e jamais o serei; sabem todos que nunca, nesta hospitaleira terra, troquei o metro pelos aforismos da política e sempre, até com um inqualificável egoísmo, quis-me conservar exclusivamente italiano (...)". O coronel Tomás, enrolando as pontas do bigode, pediu a Aureliano que lesse a carta de Leonardo Angerami. Depois de uma leitura silenciosa, elevou a voz num dos trechos: "(...) Embora honrado pela iniciativa, censuro-o, pois como o público sabe, nunca me passou pela idéia assumir cargos públicos, quer pelos meus princípios, quer porque eu sou italiano, e mesmo porque a Constituição da República não me faculta esse direito (...)". A festa diária continuava com danças, champanha, licores, chás, com coronéis acariciando e acariciados... Naná incentivava as duas apaixonadas do Palácio: Camélia e Açucena a fazerem a corte aos coronéis Militão e Jesuel. Numa das pausas da agitação festiva, todos ouviram a sugestão de Teófilo: — Incontestavelmente, a italianada é uma força que surge... É como uma bomba que pode explodir e nos ferir... Precisamos pensar numa maneira de aproveitar algum elemento estrangeiro, naturalizado, para integrar a chapa de candidatos... Um sobrenome italiano acalmaria os ânimos... Pelas expressões, percebia-se a não aceitação da idéia. — Não mais se preocupe com os italianos, Teófilo! – acalmou-o Tobias. – Esse é um capítulo encerrado... E a festa continuou.
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