O Natal de um menino imigrante

Paulo voltou para casa chutando os pedriscos da rua. Teve medo da solidão. Mas, doravante, ele precisava aprender a ser só. O menino de doze anos jogou o boné na cadeira, limpando as lágrimas com a manga da camisa de riscado. Os soluços abafados doíam.

— Mamma!... Mamma!...

Os sinos da pequena Matriz tocavam alegres na noite chuvosa. Era o último Natal do século dezenove, 1900. Aquela criança estava só. Só na casa que seu pai alugara. Os compromissos, agora, seriam seus. Sua mãe, do outro lado do oceano, que o destino a separara do filho, estava em seus pensamentos.

 

Paulo, com sete anos, tinha sido o escolhido do pai, Luciano, para acompanhá-lo na longa viagem ao promissor novo mundo: ao Brasil. Os papéis dos emigrantes ficaram prontos e a viagem marcada.

Na despedida ficou-lhe a imagem desesperada da mãe, abraçando-o, em prantos, como se daquela casa do sul da Itália saísse o enterro de dois entes queridos: o marido e o filho.

— Dio te benedica, figlio mio!... Ritorna, sai!... Io t’aspetto un giorno!... Ritorna!... Ritorna! ("Deus te abençoa, meu filho!...Volte!... Eu te espero um dia!... Volta!... Volta!).

Luciano pegou a mão do filho e o separou da mãe. O menino, chorando, voltava-se tropeçando nas pedras do calçamento, vendo a embaçada figura da mãe acenando. Ouvia, ainda, seus prolongados e doídos prantos. A curva da estrada apagou aquela triste cena, que ficou retida na memória do menino de sete anos.

Vinte e seis dias depois, o navio ancorava no porto de Santos.

Santos. O trem subindo a montanha. São Paulo. A hospedaria da Imigração.

O trem, apinhado, levava muitos imigrantes para as fazendas de café da Mojiana. São José do Rio Pardo era o destino de muitos, inclusive de Luciano e Paulo.

— Nós estamos indo para a fazenda Floresta, filho... A gente vai aprender a capinar, a plantar, a colher...

— Mas o senhor só sabe fazer foguete, pai!

— A gente aprende a dançar conforme a música, meu filho... Um dia, Paulo, nós vamos morar na cidade, em São José, e vamos fazer foguetes, como na Itália.

Os cafezais da fazenda, cercados de matas virgens, perdiam-se de vista.

— Mas aqui é mato, pai!... "Fa paura!"

— O trabalho de carpina era árduo para um artesão urbano. Pai e filho venciam dificuldades. A nostalgia do exílio era amenizada pelas reuniões noturnas dos colonos, com seus contos e cantos. As caçadas, também, desanuviavam tristezas... Em muitas noites, o filho ouvia os soluços abafados do pai, que não conseguia se adaptar ao novo mundo.

Um ano depois da sua chegada, pai e filho já estavam morando na cidade, numa casa alugada no Buracão, longe do centro, longe do largo da Matriz. Seus foguetes eram requisitados para as festas. Ganhavam bom dinheiro. As reuniões dos compatriotas daquela baixada aconteciam com vinho e alarido, no armazém do Cesare Bertocco. Eram horas de descontração e esquecimento da nostalgia.

Luciano, o pai, não se adaptou ao Brasil. Resolveu voltar, depois de cinco anos de indisfarçável angústia.

Numa tarde de verão de 1900, o pai sentou-se em frente ao filho e, acariciando-o, relatou-lhe sua decisão:

— Eu decidi voltar para a Itália, Paulo... Embora o Brasil seja um país bom, que dá oportunidades para todos, eu não consegui me adaptar... Se eu insistir em ficar, eu vou morrer de paixão... Você quer ir comigo ou ficar?... Aqui é a terra do futuro, meu filho, e se ficar, você poderá ganhar muito dinheiro... Como você se adaptou muito bem em São José e tem uma vida a viver, eu o aconselho a ficar... Valerá o sofrimento.

O menino, indeciso, nada respondeu. Tinha medo. Tinha saudade da mãe.

— Você já é um homenzinho, meu filho... Tem doze anos!... Eu tenho certeza que você tem energia e capacidade para sobreviver sozinho... Você já é um pirotécnico e sabe tudo o que eu sei... Você quer ficar?... A decisão é sua.

Depois de minutos longos de perplexidade, Paulo acenou afirmativamente com a cabeça. Luciano continuou:

— Dona Delfina, que sempre cuidou de nossa comida e de nossa roupa, continuará a protegê-lo. Você não terá medo de ficar morando sozinho nesta casa e assumir os meus compromissos?... Eu lhe deixarei três contos de réis. É um bom começo.

— Pode ir em paz, meu pai... Eu sei me cuidar... Um dia eu irei visitá-los.

O menino sentiu-se um desamparado, um órfão, ao se despedir do pai, na estação da Mojiana. Abraçou-o fortemente, sentindo pela última vez a força paterna protetora. Chorou copiosamente ao vê-lo partir, acenando e limpando as lágrimas.

Voltou para casa, chutando os pedriscos da rua.

Os sinos da igrejinha chamavam os fiéis para a última Missa do Galo do século que se findava.

Paulo, aquele homem de doze anos, sentiu um nó apertar-lhe a garganta. Abandonou a alegria do armazém do Bertocco e, na chuva, correu para casa. Jogou o boné na cadeira, limpando as lágrimas com a manga da camisa de riscado... Envergonhado, jogou-se na cama, abafando os incontroláveis soluços no travesseiro, chamando pela mãe distante e querida, ouvindo suas tristes e últimas palavras:

 

"Dio te benedica, figlio mio!... Ritorna, sai!... Io t’aspetto un giorno!... Ritorna!... Ritorna!"

O trabalho absorveu as horas daquele menino adulto, responsável, com doze anos, que sentia, amargamente, a falta do afago da mãe e o calor da família.

Nunca mais se encontraram. A mãe morreu, muitos anos depois, pedindo, insisten-temente, que lhe devol-vessem seu pequeno Paulo.

 

 

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