Os Bertolotti, conhecidos por "Polentina" A família Bertolotti chegou ao Brasil nos anos 80 de século passado: Constante, Páscoa e os filhos Albina e Atílio. Na Itália, Constante, pedreiro e construtor, levantava-se às duas da madrugada nas segundas-feiras para ir trabalhar na Áustria, só voltando à casa, aos sábados. No Brasil, na fazenda Santo Antônio, continuou seu mister de pedreiro. Sua mulher, Páscoa Dionysio, com resquícios de nobreza, era parteira prática. Mudaram-se para a cidade, morando à Rua Benjamin Constant, hoje, as casas de números 239 e 241. Constante e o filho Atílio construíam casas. Páscoa, mulher arrojada, com a filha menina, desocupou metade da sua residência, instalando ali um restaurante, que ficou famoso na região. O prato de destaque era a polenta, com frango em molho e salada, servidos com vinho tinto italiano, que saía da quartola para os copos. Os fregueses começaram a identificar o estabelecimento como o "Restaurante dos Polentina", referindo-se à polenta. E "Polentina" passou a ser o popular sobrenome da família Bertolotti: Páscoa Polentina, Constante Polentina... Famoso, o movimento do restaurante era intenso, atraindo italianos de toda a região. A família queixava-se do lucro pequeno. Em 1903, a epidemia de febre amarela assustava os moradores de São José do Rio Pardo. Páscoa percebeu que Constante, seu marido, contraíra a doença. A carroça que recolhia os doentes para isolá-los, levando-os ao distante Lazareto, nos altos da cidade, não tardaria a passar. Era preciso escondê-lo. Páscoa e os filhos enrolaram-no num colchão velho, quase vazio, e colocaram-no no canto da cama, como se fosse um objeto em desuso. Quando ouviram o chiado das rodas da carroça, Páscoa sentou-se na beirada da cama com os dois filhos, simulando tranqüilidade, fazendo crochê. O carro parou. Entraram os funcionários do serviço sanitário. Perguntaram por doentes e se foram. À noite, Constante piorara. A mulher resolveu levá-lo a São Paulo. Atílio foi chamar o Pelintra, que chegou em seguida com seu trole. Embarcaram no trem noturno. O doente resistiu a viagem. Dias depois, ele morreu em São Paulo, na terceira casa da Rua São Caetano. Meses depois, quando a cidade foi considerada limpa e os apavorados fujões voltavam para suas casas, São José retomou suas características de normalidade. Páscoa não mais quis reabrir o famoso restaurante dos Polentinas. Albina casou-se com Jacó, em 1912. Atílio, solteiro, agnóstico e ateu, continuava a construir casas. Foi o protagonista de uma das histórias mais comentadas da cidade. O fato ocorreu nos anos 10, depois do casamento de Albina. A festa de São Roque atraía uma multidão. Páscoa deixou no fogão um tacho com toucinho e o fogo aceso com dois paus de lenha compridos, que queimariam aos poucos. A cozinha sobre o alto porão tinha piso de madeira e o fogão construído sobre ele. A família foi à festa. Numa grande mesa, os italianos reunidos cantavam e bebiam vinho importado. A alegria aumentava com o passar do tempo. Arrematavam tudo: assados, cartuchos de doces, salgados... Naquele momento, o que se rifava eram imagens litografadas de São Roque, Nossa Senhora e de outros santos. A grande parte dos italianos ali sentados, socialistas e ateus, resolveu arrematar alguns quadros e doá-los ao Atílio Polentina, que vociferava, não os querendo. A vontade da maioria prevaleceu. Com chacotas, os amigos entregaram os presentes ao pedreiro que, segundo consta, queimou as imagens. No mesmo momento, coincidentemente, os paus de lenha do fogão na sua cozinha, já bastante queimados e sem equilíbrio, caíram sobre o assoalho seco, iniciando um grande incêndio, que destruiu a casa. Os comentários com diferentes histórias de castigo correram, em minutos, toda a cidade. Atílio ficou conhecido como o ateu que recebeu o castigo em vida, no momento em que desprezou os santos. Ele sempre afirmou nunca ter queimado as imagens, mas ninguém nele acreditava. Tempos depois, Yolando João, sobrinho de Atílio, quando aluno do grupo escolar, ficava aborrecido com os comentários dos colegas sobre os castigos do tio... Um dia, queixou-se à mãe Albina, muito católica, que, carinhosamente, o pegou pela mão e o levou ao seu quarto. Cuidadosamente, abriu a gaveta do guarda-roupa, retirando dela duas imagens amassadas. Mostrou-as a Yolando, dizendo-lhe que não mais se envergonhasse do tio, pois aquelas eram as imagens arrematadas na festa de São Roque...
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