História de um amor distante

Não sei por que nunca escrevi esta história de amor que ouvi tantas vezes, entremeada de lacunas que o esquecimento provocou. Talvez, só agora, ao receber documentos da Itália e do Museu do Imigrante de São Paulo, que localizaram os personagens no tempo, eu consegui reunir aqueles pedaços de uma bela história de amor.

Com prazer e emoção, vivifico e lhes apresento os personagens que estão chegando, para reviver um grande amor: meu avô Rodolfo, que não conheci, falecido com 43 anos, durante a epidemia de febre amarela, aqui, em São José, e minha querida e inesquecível avó Massimina, morta aos 95 anos, que aguçou minha imaginação com suas histórias sem fim, de alegrias e sofrimentos.

Ela se vangloriava sempre, contando-nos que Rodolfo voltara do Brasil, depois de dois anos, para com ela se casar. Na realidade foram quase sete longos anos de espera, segundo documentos que consegui, em 1998.

Todos se conheciam na pequena Montemagno, comuna de Calci, Província de Pisa. As crianças se encontravam nas fontes e na igreja de Sancta Maria ad Nives.

Rodolfo ia à escola e trabalhava na marcenaria do pai Giuseppe, que era filho de Onesto Del Guerra e Eletta Del Rosso. Sua mãe, Filumena, filha de Agostino Martini e Amalia Del Corso, cuidava dos cinco filhos, com o equilíbrio, a paz e a serenidade estampados no seu belo rosto.

Massimina, seguindo a tradição, não estudava, como quase todas as meninas. Ficava em casa, tecendo no tear manual, aprendendo as lides domésticas, preparando-se para ser esposa e mãe, observada de perto pelos pais: Adele Federighi e Marco Giannelli.

Em 1873, Rodolfo, com 13 anos, e Massimina, com 10, sentiam-se ligados por um sentimento inexplicável. Procuravam-se, burlando a vigilância, nas aulas de catecismo e nas festas da igreja, para conversarem. Os pais percebiam a atração natural e olhavam com bons olhos o inocente e velado namoro, que uniria as famílias amigas Del Guerra e Giannelli.

O tempo foi passando e o amor os ligou com profundas raízes. Ambos esperavam ansiosos os reencontros, nos dias de namorar e noivar. Falavam em casamento, na constituição da sua família, numa casa pequena, com um "telaio" claro, no alto, onde estaria o tear...

A situação econômica na Europa, naquele final de século, era péssima: desemprego, falta de dinheiro, fome...

A América procurava mão-de-obra.

O Brasil, com o movimento abolicionista em curso, proibido de trafegar escravos, e o café em expansão, oferecia o paraíso aos imigrantes: despesas de viagem por conta do governo, um salário fixo oferecido pelos fazendeiros e um outro salário proveniente do volume da colheita...

No final de 1880, Rodolfo começou a falar em se mudar para a América: um novo Eldorado, cheio de riquezas, onde não existia desemprego, nem fome.

Massimina, chorando, o abraçou fortemente:

— Stai zitto, amore!... Non parla piu... Montemagno è la nostra casa, la patria di nostri genitori e dei nostri antenati, dove dobbiamo educare i nostri figli e morire... Per Dio, Rodolfo, dimentica le illusioni del mondo... La crise i la fame passeranno... Qui è il nostro luogo. (Quieto, amor!... Não fale mais... Montemagno é nossa casa... Aqui é a pátria de nossos pais e antepassados, onde devemos criar nossos filhos e morrer... Por Deus, Rodolfo, esqueça os eldorados do mundo... A crise e a fome passarão... Aqui é o nosso lugar.).

Em 1881, ele voltou a falar de felizes imigrantes no Brasil: uma terra de fartura...

Massimina não chorava mais. Pedia que ele não a abandonasse, porque ela morreria.

— Nossa marcenaria, como tudo na Itália, está parando, Massimina!... A crise será sempre um empecilho ao nosso casamento e eu quero me casar com você... Eu vou, trabalho e volto para ficar, ou para levá-la ao novo mundo...

— A dor que eu estou experimentando nesses dias, Rodolfo, é milhões de vezes maior do que essa promessa de alegria e felicidade... Eu sinto a dor antecipada da separação e estou perdendo as forças para convencê-lo a não partir... Ninguém das nossas famílias emigrou, ninguém de Montemagno... Por que você?

— Muitos patrícios já estão lá e outros irão depois de mim, Massimina, tenho certeza... O governo brasileiro está pagando as despesas da viagem...

No segundo semestre de 1881, aproximando-se dos 21 anos, sem que a noiva soubesse, ele providenciou papéis e o passaporte para a longa aventura.

Os pais, Giuseppe e Filumena, atarefados em preparar alguma coisa mais para a viagem do filho, sabiam que Rodolfo embarcaria dia 26 de dezembro. Mantiveram o segredo, para que as festas de Natal transcorressem sem tristezas para muitos...

A igrejinha de Sancta Maria ad Nives e as casas de Montemagno estavam iluminadas naquele cenário branco de neve, na noite da Missa do Galo. Bem agasalhados, tinha-se a impressão de que todos os moradores da cidadezinha estavam na igreja acolhedora. Rodolfo chegou e postou-se ao lado da noiva. Segurou-lhe a mão e a apertou, carinhosamente, sentindo-lhe a presença e o contato benfazejos, como que querendo gravar aquele momento de paz e felicidade, ouvindo a voz serena da amada repetindo as ladainhas em latim...

No Natal, sem esperar a Befana no Dia de Reis, ela lhe deu um presente que tecera: uma jaqueta de lã.

— Mas no Brasil não faz frio, Massimina.

Stai zitto, Rodolfo... Quando ouço falar na América, sinto-me mal...

Ele a abraçou.

— Eu vou partir, querida. Eu estou pronto para embarcar... Eu nada lhe falei para poupar antecipados sofrimentos...

Soluçando, ela encostou sua cabeça no peito do amado. Ambos choravam. Abraçaram-se. Um silêncio dolorido os envolveu.

— Eu preciso ir para que meus planos se realizem e para que possamos ser felizes, amore... Nós nos casaremos e teremos filhos... Eu juro que eu volto para ficar eternamente com você... Eu juro, amore... Eu juro... Meus pensamentos só serão seus em todos os segundos da minha vida... Só você foi e é meu único amor... Eu contarei os minutos, esperando nosso reencontro...

Massimina o olhou com olhos de lágrimas e semblante de angústia.

— Quando você parte para o Brasil?

— Amanhã... Dia 26 de dezembro... do porto de Gênova... pelo vapor Colombo.

amando-o, como sempre o amei... São coisas do destino... Na volta, você me encontrará aqui, fechada em minha casa, no meu telaio, tecendo, pensando só em você. Eu também lhe afirmo que você foi meu primeiro e único amor... Eu o espero, meu querido...

— Eu lhe escreverei sempre... Eu juro que eu voltarei para que se cumpra o que o destino nos reservou.

Soluçando, ela lhe fez algumas recomendações:

— Cuide-se, Rodolfo... Muitos têm me contado histórias preocupantes, que me tiraram o sono... Cuidado com os índios e os animais ferozes... Cuide-se.

Abraçados, ficaram longo tempo, não controlando soluços e lágrimas.

Do convés do pequeno navio Colombo, Rodolfo se distanciava da pátria, que se apagava no nevoeiro do inverno.

Foram mais de 20 dias no mar revolto, que brincava com o barco, mareando as pessoas. Muitos se queixavam do mal-estar e da alimentação, mas trilhavam o roteiro do destino. Alguns desembarcaram no Rio, mas a grande maioria, em Santos.

Um representante do governo os esperava. Calmo e educado, falando italiano, orientava os cansados imigrantes a tomar o trem, que os levaria a São Paulo.

Subindo a serra, todos se encantavam com a imensidão das terras virgens, cobertas de florestas.

Da estação, foram levados à Casa da Imigração, no Braz. Rodolfo, 21 anos, preencheu uma ficha com a data carimbada no alto: 17 de janeiro de 1882.

(Abro este parêntese, interrompendo a narração, para lhes dizer que somente no ano passado – 1998 –, através de documento recebido do Museu da Imigração de São Paulo, tomei conhecimento de que meu avô Rodolfo foi para Amparo, logo depois da sua chegada. Minha avó, jamais, nas suas histórias sem fim, citou aquela cidade. Esta história, portanto, tem uma lacuna de quatro anos, até 1886, quando ele é citado no livro de atas da sociedade italiana).

Marceneiro, Rodolfo trabalhava bastante, participando dos encontros com italianos residentes na cidade. Seu irmão mais velho, Giovanni, emigrara e já morava em São José, tendo chegado ao Brasil em 30 de outubro de 1883.

Em 1886, cinqüenta italianos, aproximadamente, fundaram a "Società di Mutuo Soccorso 20 Settembre", com os objetivos de proteger os colonos contra os maus-tratos nas fazendas e exigir o cumprimento dos contratos assinados; de reunir a colônia com programações sociais, culturais e filantrópicas... Rodolfo redigiu as atas, como secretário, durante anos.

Semanalmente, escrevia a Massimina, narrando-lhe as reuniões da Società; os aspectos da cultura brasileira, suas festas religiosas e folclóricas; a luta dos negros reivindicando a liberdade; o movimento político que tentava derrubar a Monarquia e implantar a República; e sua saudade imensa, que o machucava...

A noiva italiana recebia as cartas depois de mais de um mês do envio. Apertava-as contra o peito e pedia ao irmão que as lesse e as relesse.

A ata da sociedade, de 23 de abril de 1888, foi redigida pelo segundo secretário, "porque o 1º, Rodolfo Del Guerra, está viajando".

Depois de quase sete anos, ele voltava a Montemagno para se casar.

Massimina, 25 anos, o esperava com a ansiedade de uma adolescente, radiante, com o sorriso sempre aberto.

O reencontro foi uma alegria banhada pelas lágrimas da felicidade.

Os alegres e belos noivos, ao lado dos padrinhos Tito Lupetti e Amabilia, filha de Nemesio Del Guerra, casavam-se na igreja de Sancta Maria de Nives, em Montemagno, inundada pela luz do sol de verão, daquele 6 de julho de 1888. O padre Ulivo Garzella, o mesmo que os batizou, oficiou o sacramento.

Os noivos ficaram quatro meses na cidadezinha, curtindo a paz e a felicidade depois das núpcias.

Nos primeiros dias de dezembro, muitos parentes os acompanharam a Gênova para as despedidas. Houve risos e prantos. Adele, a mãe de Massimina, sentiu-se mal ao despedir-se da filha em prantos. Embora falassem em voltar, todos sabiam que nunca mais se veriam... Os noivos subiram as escadarias do vapor "Canton". Abraçados, chorando, acenavam para seus entes queridos que, do cais, viam o vapor se afastar, desaparecendo no horizonte.

Nunca mais se reencontrariam.

Passaram o Natal a bordo, já em águas brasileiras, assistindo à Missa do Galo no deque. Agora, estavam juntos para sempre.

Dia 26 de dezembro de 1888, desembarcavam em São Paulo, chegando a São José, no dia seguinte, para compartilharem de uma vida feliz, mas difícil.

Rodolfo morreu durante a epidemia de febre amarela, em 1903, com 43 anos, deixando Massimina viúva aos 40 anos, com quatro filhos, sendo que um deles, Atílio, morreu da mesma febre, alguns dias depois do pai.

O serviço sanitário queimou tudo o que estava na casa, inclusive documentos.

A família ficou na miséria...

 


Rodolfo Del Guerra


Massimina Giannelli
 Del Guerra

 

 

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