Variedades
Sábado, 23 de outubro de 1999

Coluna Semanal
- Rodolpho José Del Guerra -

Depois do meu livro, histórias de italianos – IV

De Martines, João Darcie e outros

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Dia 16 de outubro de 1999, conversei algumas horas com o senhor João De Martini, com 82 anos, no Brejinho, onde nasceu. Ele não é italiano, mas tinha muito a contar. Seus antepassados eram vênetos, de Treviso, que tem 95 municípios, não sabendo em qual deles estava sua origem familiar. Tinha dúvidas da grafia do seu sobrenome. Era assinado de três maneiras: De Martini, de Martini, Demartini, Demartino...

Bernadete, sua filha, trouxe à sala onde estávamos um xerox do passaporte do bisavô de José, e tudo se esclareceu: era Giuseppe De Martini, 42 anos, nascido em Conegliano. Chegou ao Brasil em 1888. No passaporte estavam outros nomes da sua família emigrante: Augusta, a esposa, 36 anos, e os filhos: Giovanni, 14 anos (que foi o avô do Sr. João, casando-se com Luiza Bortot), Luigi, Maria e Pietro.

Por ouvir dizer, contou-me que, no mesmo navio, viajaram as famílias Breda, Bortot, Cremasco, Campiotto... e que todos foram para a mesma fazenda: a Floresta. Os Breda, ferreiros na Europa, trouxeram na bagagem inúmeras ferramentas, inclusive bigorna...

Depois da Floresta, a família De Martini mudou-se para a Santa Justa, onde nasceu José, o pai do entrevistado, que se casou com a italiana Justa Tognoni.

Provoquei-lhe recordações. Falávamos de tudo.

Sobre a febre amarela, de 1903, ele relatou o que ouvira: que os mortos, enrolados em lençóis, eram enterrados imediatamente, longe das colônias.

Era verdade. Não passavam pela igreja, nem tinham registros em cartórios.

No meu último artigo de Gazeta, escrevendo sobre meus parentes Brocadellos, não citei duas mortes causadas pela epidemia. O tio de minha mãe, Dante Brocadello, morador no seu sítio, o Pouso Frio, perto da Floresta, veio a S. José visitar seu pai, Andrea, que morreu rapidamente de febre amarela, dia 23 de fevereiro de 1903. Voltou ao sítio e, dia 24, Dante estava morto. O enterro foi para Grama. Na entrada da cidade, o cortejo foi barrado: estava vedado o sepultamento de mortos de febre amarela. O enterro retornou, vindo para São José. Novamente, proibido de entrar, a carroça e os acompanhantes voltaram ao sítio Pouso Frio. O corpo de Dante foi enterrado no alto de uma colina, diante de uma esplêndida paisagem. Tempos depois, uma capela foi erigida sobre sua sepultura, conservada até hoje.

Dante foi mais um morto de febre amarela fora das estatísticas oficiais...

Falando em rodas d’água, De Martini contou a colocação de uma de metal, de 2 metros de diâmetro por 40 de largura, comprada do Juca Dias e retocada pelos Flamínios, no sítio S. Teodoro, da sua família. Os problemas da colocação só terminaram quando chegou o italiano João Darcie (D’Arsie), que gozava de um conceito de grande habilidade e inteligência.

"Com a roda girando e o dínamo instalado pelo Antonio Astolfo, de Itobi, a energia produzida movia o moinho de pedra para fazer fubá, acendia 10 lâmpadas e dava até para tocar um rádio!"

A conversa continuou girando em torno do muito elogiado João Darcie, que morou na Fazenda Cascalho, do Antônio Junqueira. "Responsável pela serraria, além das tábuas, vigas, ripas, etc., fazia até caixão de defunto e construía casas... Antes de ser de metal, era um mestre em fazer rodas d’água de madeira, requisitado por todos. Certa vez, depois de cortada uma milenar árvore, com dois metros de diâmetro, num alto da fazenda, ninguém conseguia movê-la. Então, o fazendeiro Antonio chamou o João Darcie que, com alavancas, que pareciam macacos, conseguiu arrastá-la e jogá-la para um plano inferior, um pouco acima da estrada. O carro de boi encostou e, sem os bois, a árvore foi descida sobre ele, e virou festa quando os 14 bois a transportaram para muito perto da serraria. O João Darcie foi um homem tão bom e tão espetacular que até ensinou meu pai, José De Martini, e muitos outros a ler e a escrever...".

João De Martini conta do trabalho árduo, mas feliz no Brejinho. Além de lavrar a terra e conservar as instalações, sempre vinha à cidade vender lenha. Dois metros quadrados enchiam a carroça, puxada por quatro burros, vendida a 20 mil-réis, o que dava um bom lucro, pois o m2 custava três mil-réis. Como eram raras as encomendas, muitas vezes voltou com a lenha para o sítio, sem encontrar comprador.

Com 82 anos, ele se diz feliz por ter nascido e vivido no Brejinho, nas terras adquiridas pela sua família. Ainda trabalha e não perde as reuniões dos Vicentinos, na Matriz São José.

17/ 10/ 1999.

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