Miudezas da hora

 
Nosso durável viaduto.

 

 

AUDAX

 Pode parecer desculpa esfarrapada de corinthiano com dor de cotovelo, mas gostei muito do jogo entre o timinho de Osasco e o timão de Itaquera. Fazia tempo que não via um futebol de tão bom nível, com tanta garra, tantas emoções e, mais uma vez, a comprovação de que bater pênalti em partidas decisivas deveria ser mesmo atribuição dos presidentes de clubes.

 

Como chutaram  mal os corinthianos! Jamais eu tinha visto um placar  igual a esses 4 a 1, em cobranças de penalidades. E dizer que os caras treinam isso a semana inteira!

 

O bom timinho de Osasco (com folha de pagamento que deve corresponder ao que um craque do timão de Itaquera ganha sozinho) talvez seja um promissor sinal de que as coisas podem melhorar, esportivamente, em nosso desacreditado Brasil.

 

Primeiro de tudo, a audácia de colocar nome erudito  num timeco de terceira divisão, supostamente  despretensioso de altos voos. Audax, que se pronuncia áudaks, significa no latim erudito corajoso, destemido. Ou traduzindo direto: audaz, forma resultante  de longa evolução: audax > audacem> audace> audaz.  Dentro da língua portuguesa se criou outra forma de origem popular: audacioso.

 

Se você pensa que audaz e audacioso são sinônimos perfeitos, está quadradamente  equivocado. Audaz tem carga semântica positiva: um guerreiro é audaz, um alpinista é audaz. Já o audacioso tem algo de ilegal, proibido: um assalto audacioso, um político audacioso. São raríssimos os políticos audazes. Quase todos acabam mal.

 

Dou-lhe de presente uma frase em bom latim: Fortuna juvat audaces, ou seja, a sorte ajuda os audazes.

 

Mas sem outros rodeios: na disputa entre Santos e Palmeiras, eu torci com sinceridade pelo verdão, ainda mais depois dos dois minutos eletrizantes dos  inesperados gols.

 

Entre Santos e  Audax,  serei Audax desde pequenininho. Afinal, enquanto minha memória não falhar, sempre terei presente o que foram vinte anos de humilhações ao Corinthians, orquestradas por um tal Edson Arantes do Nascimento, vulgo Pelé.

 

 

A CICLOVIA CARIOCA

Não poderia haver lugar mais bonito para um passeio a pé ou de bicicleta do que a pista novinha e de quatro quilômetros, ao longo da Avenida Niemayer. Foi um encantamento para ciclistas e pedestres aquela feliz conjugação de mar bravio, montanha e floresta. Só no Rio de Janeiro se poderia imaginar tanta beleza concentrada. Pena que  avaliaram mal o poder das águas na maré alta e ninguém imaginou que um trecho da pista fosse esfarelado com facilidade pelo oceano em fúria. Tudo foi pensado no peso de cima para baixo, jamais no de baixo para cima. Ninguém segura a falta de seriedade de quem projeta, constrói e fiscaliza as coisas neste nosso Brasil brasileiro.

 

Como previu Aldir Blanc em samba já bem antigo, “ a tarde caía como um viaduto”.

 

Você deve ter notado que logo atrás do trecho que ruiu, aparece íntegra uma construção que homenageia um tal rei Alberto. Pois saiba que ele foi rei da Bélgica e participou das grandes comemorações do centenário da independência do Brasil, em 1922. Isso quer dizer que aqueles arcos estão próximos dos cem anos de existência, resistindo bravamente à fúria das águas revoltas. As mesmas águas que arrancaram com facilidade o trecho da moderníssima ciclovia. Já não se fazem  obras duráveis como antigamente.

 

 

NOSSOS REPRESENTANTES

Muita gente não se conforma com a imagem pública de nossos deputados federais fixada no incomum episódio  de abertura dos trabalhos do impeachment  presidencial.

 

Roberto DaMatta, nosso antropólogo de plantão,  chama-o de “ritual político”,  brasileiríssimo como o carnaval, a feijoada e você sabe com quem está falando?

 

 A invocação de Deus, escreve ele, é  mais do que rotineira no Brasil. Juramos por Deus em muitas situações. Lembro-me de que na minha remota infância era comum que os meninos, apertados pelas mães, jurassem não por Deus, mas por dedo. Se a enganação sonora fosse vitoriosa, evitava-se o acréscimo na extensa lista de pecados veniais que, se não nos condenavam direto para as profundezas do inferno, adicionavam sabe-se lá quanto tempo à nossa passagem pelo purgatório.

 

Conclui DaMatta: “Em geral, consternei-me com a penúria das invocações, mas sejamos justos: o que sairia se juntássemos meio milhar de jornalistas, professores, militares, clérigos ou doutores? Para mim, com tudo o que deixou a desejar, esse ritual foi muito melhor do que o poço de demagogia e de incompetência  que o motivou.”

 

Forte, não?

 

 

30/04/2016
emelauria@uol.com.br

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