Memória do rádio
Enquanto escrevo, vou ouvindo com som digital perfeito a Rádio Onda Latina, de Madri. Se quiser, num instante sintonizo a Rádio Clássica de Veneza, ou a Beethoven de Santiago do Chile, ou ainda a Imprensa FM, de Vargem Grande do Sul. O mundo todo à disposição. Facilidades da internet que incorporei aos meus dias e às minhas noites. Mais ainda, se quiser, tenho na Sky dezenas de canais de rádios comerciais, além dos de música selecionada por gênero: clássico, bossa-nova, blues, ritmos latinos... * Em tempos remotos de minha infância, ouvir rádio era privilégio sujeito a estáticas e assobios. Basta dizer que por alguns anos, os raríssimos proprietários de aparelhos receptores eram obrigados a registrá-los anualmente na agência dos Correios. Durante o dia, não se sintonizava com facilidade uma emissora do Rio ou de São Paulo. Mesmo se o sinal fosse forte, qualquer motor em funcionamento interferia na qualidade do som, desde um carro que passasse na rua até a enceradeira da vizinha. À noite, as coisas mudavam e se podia escolher uma dezena delas, mas quase sempre a dúvida era entre a Nacional e a Mayrink Veiga. * Tudo isso por causa do Dia do Rádio, comemorado a 25 de setembro, dizem que em homenagem ao seu pioneiro no Brasil, o Prof. Roquette Pinto, que viu na radioemissão, já em 1923, uma notável forma de difundir a educação e a cultura. No Rio de Janeiro ainda existe a Rádio Roquette Pinto, de caráter educativo. * Coincidência ou não, a 25 de setembro de 1936, inaugurou-se a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, que se tornaria a mais importante do País e também responsável pela feição tomada pela televisão brasileira, que viria em 1950. Enquanto nos Estados Unidos a TV se originou do cinema, aqui ela se inspirou nos programas e se firmou com os artistas do rádio. * Lembro com a possível nitidez um dia, há setenta e tantos anos, que o Sr. João Nasser instalou em nossa casa aquela maravilhosa novidade – um grande aparelho de mesa, radiorreceptor com onda longa e onda curta, da marca Metrotone. Foi uma verdadeira entronização, com um rapazote, seu auxiliar, subindo ao telhado de nossa casa da Rua José Teodoro, esquina da do Paraíso, para instalar uma enorme e indispensável antena. A vizinhança toda foi lá ver e ouvir a novidade da máquina falante e cantante. * Nossa cidade teve, desde os anos trinta, uma precursora do rádio – a APR (Audição Pública Rio-Pardense), serviço de alto-falantes instalado no térreo da residência da família do Sr. José Perri, onde é hoje o Banco Mercantil do Brasil. Dali, pedidos de músicas e mensagens de fundo amoroso eram difundidos para toda a Praça XV de Novembro, enquanto moças e rapazes gastavam solas e energia dando voltas e voltas no quadrado do jardim, exercitando-se em coisas que ninguém do atual e pragmático mundo do ficar entenderia sem dar boas risadas: tirar linha e andar de bonde! Ouvia-se Carlos Ramírez abrindo os peitos em Perfídia, enquanto o locutor informava que alguém oferecia aquela música a alguém, com muito amor. * A 1.° de maio de 1944, inaugurava-se a ZYD-6, Rádio Difusora São José do Rio Pardo, de propriedade de Leopoldino Bueno Júnior. Não rememorarei aqui sua história e sua importância, porque a velha Difusora sempre mereceu atenção à parte. * Não deixa de ser frustrante a luta de um padre gaúcho, Roberto Landell de Moura, para ser reconhecido como o primeiro homem a transmitir mensagens pelas ondas de rádio, as hertzianas. Datam de 1892 suas primeiras experiências bem-sucedidas. Em 1894 realiza notável feito: transmite mensagem sem fio entre a Avenida Paulista e o Alto de Santana, numa distância de oito quilômetros. Pouca gente lhe dá importância. Então vai aos Estados Unidos e lá consegue patentear três inventos seus: a transmissão de ondas, o telefone sem fio e o telégrafo sem fio. Pena que o padre não integrasse a comunidade científica: sua patente não surtiu efeito prático. * No entanto, foi o italiano Guglielmo Marconi considerado o inventor do rádio. Tinha apenas 23 anos de idade quando patenteou um sistema de telegrafia sem fios (três anos depois das experiências do padre brasileiro) que lhe assegurou o monopólio das radiocomunicações e, mais tarde, o Prêmio Nobel de Física (1909). Suas tentativas de utilizar aparelhos transmissores de ondas curtas, a partir de 1916, levaram à realização, nos anos 1920, da primeira rede intercontinental de comunicação por rádio. * Num dia histórico, em 1901, provou que as ondas sem fio não eram afetadas pela curvatura da Terra, como se acreditava: transmitiu sinais através do oceano Atlântico, entre a Grã Bretanha e o Canadá. * Em 1931, acionou de Roma, por rádio, o sinal que ligou o sistema de iluminação do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. * Numa ocasião, ao desembarcar com a mãe na Inglaterra, Marconi levava um transmissor na bagagem. Os funcionários da alfândega apreenderam o aparelho. Quando este foi devolvido, os inspetores disseram que haviam pensado tratar-se de uma bomba. Ao ouvir a explicação, a mãe de Marconi respondeu: "E é mesmo. Não do tipo que explode o mundo, mas ela vai derrubar todas as paredes". * No dia de sua morte, em 1937, as emissoras de rádio do mundo todo lhe fizeram em homenagem dois minutos de silêncio.
29/09/2012 |