O patrono do CCBF e outros temas

Nesta cidade em que o mais difícil é unanimidade de opiniões impressas, seja qual for o assunto em pauta, não deixa de ser digna de nota a atitude dos jornais a respeito de uma pessoa que aparentemente apenas mudou o local de trabalho. Só aparentemente, porque ela se transformou com o tempo num monumento vivo, numa atração turística.

Na verdade, é isso o que aconteceu com Batista Folharini: premido pela poeira e pelo barulho, ele acabou saindo de um ponto da Rua Dr. João Gabriel Ribeiro e indo para outro, no mesmo lado da calçada, cinqüenta metros abaixo, somente. Claro que seus desafetos de plantão inventam outras histórias, mas acho que foi pela poeira, pelo barulho, pelo geral desconforto de ocupar uma parte de um velho prédio em quase demolição.

Por causa dessa mera mudança, ele apareceu em destaque na primeira página da Gazeta do Rio Pardo com uma foto que encobriu até  parte do nome do jornal. No “Caderno C” do mesmo semanário, lá está o mesmo Batista recordando lances de sua vida, especialmente o meio século de jornaleiro e revisteiro, depois de ter sido um mestre na tesoura. (veja aqui a reportagem)

O nosso DEMOCRATA não deixou por menos e dedicou a capa do “Cultura” do dia 22 de setembro a um trabalho especial de Marly Terciotti, muito bem ilustrado, lembrando sua freqüência e de seus filhos à loja do Batista, por muitos anos. (veja aqui a reportagem)

O interessante Jornal Zinho se fez representar na inauguração  da nova loja.

O apreciado Da Silva ainda não se manifestou, mas está em tempo. Vamos lá, Miguel Paião!

Sem querer fazer injustas comparações com os donos de outras bancas de jornais, o que é que tem de especial o velho Batista, agora entrando no setuagésimo nono ano de vida?

Depois de muita convivência com ele (desde os tempos do grupo escolar), tenho certeza de que descobri a principal razão: Batista abriga uma irresistível vocação artística, não apenas como estilista que foi. Se tivesse tido alguma oportunidade, teria trabalhado sua veia de fino humorista, capaz de, num instante de observação, captar os cacoetes das pessoas, seja no modo de falar, seja no de andar ou de gesticular.

Ele amortece muito bem as ironias, as críticas abertas que todos os dias os freqüentadores do chamado Centro Cultural Batista Folharini descarregam em cima dele. Sempre acha uma saída honrosa, uma justificativa menos esfarrapada. Só conheço uma situação em que ele perde o espírito, fica embasbacado e sem ação: é quando alguém pede que fale sem mexer as mãos, colocando-as nos bolsos. Aí só lhe resta o mutismo, a inação, perdido todo o espírito,  provando com isso a velha história dos dois náufragos  napolitanos que atravessaram o Atlântico sem saber nadar. Vieram parlando, parlando... Batista fala também com as mãos.

Essa capacidade chamada histriônica  que Batista guarda intacta provoca de tempos em tempos os pedidos veementes  de um bis em certas histórias que ele armou, às vezes com base num fato corriqueiro e de  nenhuma importância. Apesar de serem muitas, nenhuma supera, pela riqueza de gestos e de palavras, aquela em que  ele conta, sempre com a agregação de novos pormenores, o caso de um pedreiro que consertava calçadas e teve a qualidade de seu serviço questionada quanto ao nível dos ladrilhos assentados.

-- Seus ladrilhos estão tortos, denunciou um daqueles que estavam sapeando o serviço do pedreiro surdo e de língua presa.

A resposta não se fez esperar:

-- Torta está sua língua, seu palpiteiro de eme!

Não contarei mais, para não tirar das pessoas que ouvirem o relato de viva voz  do Batista nenhuma sensação de novidade total.

 

 

A inauguração da nova sede da Agência de Revistas Folharini (e em conseqüência do Centro Cultural Batista Folharini, seu ramo menos lucrativo, embora mais comentado) deu-se na segunda-feira, dia 24, às onze horas. Lá estavam quase todos os confrades do CCBF, além da imprensa escrita e falada, vizinhos, locadores, credores, fregueses e passantes. A loja ficou abarrotada de gente, Como não se tomaram providências em relação ao trânsito, verificou-se pequeno congestionamento nas imediações e muita dificuldade em se conseguir vaga para estacionamento num raio de duzentos metros.

Está tudo muito bonito e funcional na nova sede. Ainda não foram, porém, atendidas as reivindicações dos confrades quanto a poltronas, frigobar, cafezinho, ar-condicionado, mas como se sabe, a esperança é a última que morre. O que não nos falta é tempo e paciência.

Houve solene corte de uma fita vermelha à entrada da loja, para isso tendo sido usada pelos dois freqüentadores mais assíduos a tesoura de alfaiate do Batista, que pesa uns dois quilos e corta até folha-de-flandres.

 

 

Com muitos dedos indicadores apontados para ela, inaugurou-se também uma placa do Centro Cultural, escrita num tipo de letra manuscrita que permite dupla leitura: Centro e Antro. Não se descerrou nada, nem se cortou nenhuma fita, mesmo  porque a tal placa foi posta em lugar muito alto e ninguém se atreveu a se equilibrar numa banqueta posta à disposição. Discurso? Nem pensar. O pessoal do CCBF não tem estômago para isso. Uma das regras da confraria é que  se você não consegue contar um caso em noventa segundos, o melhor que faz é ficar bem quietinho. Imagine ouvir discurso de cinco ou dez minutos sem direito a apartes.

Causou estranheza a recusa do Batista em receber de presente uma dessas maquininhas de calcular. A intenção dos doadores em potencial era apenas a  de lhe facilitar o cálculo do troco de cada compra, mas ele foi firme: nada de maquininhas, ele gosta mesmo é de fazer conta de cabeça. Vai-se entender. Aliás, correm a respeito umas versões fantasiosas quanto a seu método de somar as parcelas das compras e devolver o troco em balas.

Batistinha Folharini se esmerou na recepção, servindo um coquetel à base de licor de cerejas, amendoim japonês e balas recheadas com os sabores café e chocolate. Um sucesso! Vi gente enchendo os bolsos com amendoim e balas.  A garrafa de licor se evaporou num instante, embora todas as pessoas tivessem sido servidas nuns copinhos de nada.

Dona Fátima, como sempre, pouco disse, mas prestou uma atenção daquelas. Com os olhos controlou os gestos do marido, impedindo que ele cometesse excessos de qualquer natureza.

Indagado a respeito de sua permanência naquele novo local, Batista disse que não esperava  repetir os cinqüenta e dois anos vividos no antigo endereço. Cinqüenta já estariam de bom tamanho.

Deus o ouça!

 

29/09/2007
(emelauria@uol.com.br)

Fotos: Foto Líder

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