Do nosso rude idioma

 
A estradinha de terra para o morro do Cristo.

 

Com nós e conosco

Por vezes, o medo de falar ou escrever “errado” leva pessoas ao hiperurbanismo, ou seja, temor exagerado de cair em incorreção. Frases como Ele vai com nós soa aos ouvidos menos surdos como grossa batatada. Manda a boa norma que se diga Ele vai conosco. No entanto, se em seguida se empregar um termo de especificação ou de reforço, será de rigor empregar-se com nós. Assim, diga-se Ele vai com nós dois; isto se deu com nós todos; ela voltará com nós mesmas; devemos preocupar-nos com nós próprios...

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Historinha muito antiga a respeito de conosco:

A senhora recebe a visita de velho conhecido. A certa altura lhe pergunta:

- Quer tomar café conosco?

- Olhe, estou evitando tomar café, mas aceito um pedacinho de nosco...

 

Adquirir, questão

A supressão completa do trema em palavras portuguesas, ao invés de melhorar alguma coisa, só serve   para aumentar dúvidas de pronunciar-se, ou não, o u dos dígrafos qu e gu. Líquido ou líqüido? Liquidar ou liqüidar? E tem termos menos comuns, como quinquênio, alcaguete?

Nos dois vocábulos colocados como subtítulo, a boa pronúncia sempre foi adkirir e kestão.  A forma  qüestã é ridícula.

Ah, lá vão as pronúncias: em todos os vocábulos começados com o elemento liquid, tanto faz pronunciar-se, ou não, o u. Nas outras duas palavras, os uu são pronunciados.

 

Quota e cota; quotidiano e cotidiano; quociente e cociente

As duas grafias são hoje aceitáveis.

Outro dia, uma sobrinha residente em Pernambuco estava a passeio em minha casa e pôs-se a ler um artigo meu. Estranhou a forma quotidiano que empreguei e me perguntou se o certo não era cotidiano.

Está difícil explicar certas particularidades da linguagem ao estudante de hoje, porque não se pode recorrer à etimologia, à origem das palavras. Em latim é quotidianus – o que abona a forma portuguesa quotidiano. Só em obediência à lei do mínimo esforço é que se criaram as formas paralelas cotidiano, cota, cociente...

 

Quite, quites

Aí está o particípio  irregular do verbo quitar, que quer dizer remir a dívida a, desobrigar do que devia a. Geralmente é empregado como adjetivo, em frase como Estamos quites com o clube. Se for uma só pessoa que pagou o que devia, deve dizer Estou quite... Quem diz Eu estou quites não está quite com a boa linguagem.

 

Eu e mim

Relembro uma infalível regrinha que aprendi no grupo escolar: MIM não faz nada. Se houver ação, emprega-se eu. Comparem-se as frases:

Não vá sem mim. –  Não vá sem eu mandar.

Nada existe entre mim e ti. – Entre eu entrar e sair passaram-se duas horas.

Isto é para mim. Isto é para eu ler.

Talvez a frase mais estropiada que já ouvi na vida tenha sido: “Ela pediu pra mim vim”!!!  O rigorosamente correto é “Ele pediu que eu viesse”.

 

Plural de campus

O termo latino campus  tem emprego internacional no sentido de “conjunto de  prédios e instalações de uma universidade”. De acordo com as desinências latinas, sendo um substantivo da 2.ª declinação, seu plural deve ser campi – forma que geralmente é seguida pelas instituições de ensino superior em seus escritos.

Observa-se, porém, uma uniformizadora tendência de usar-se campus tanto no singular como no plural. Nesse sentido, a língua já assimilou o duplo número de outros termos também de origem latina: ônus, tônus, bônus.

Nada impede, portanto, que  uma universidade venha a ter vários câmpus, com o acento circunflexo assegurando o aportuguesamento.

 

Concordância de um dos que

Foi o irônico Monteiro Lobato quem dramatizou a situação do orador que não sabia se empregava o verbo no singular ou no plural depois da expressão um dos que. Dizia o tribuno que fulano era um dos que, ao longo de sua vida; um dos que corajosamente; um dos que, enfrentando os maiores perigos: um dos que...

Terminou pateticamente sua oração afirmando: Fulano foi um dos que. Tenho dito!

O orador sofreu à toa. As duas formas são aceitáveis, embora a tendência atual de uso seja a de levar o verbo para o plural: Fulano foi um dos que sabiam das coisas...

 

A acentuado porque sim

Segundo o firme gramático Rocha Lima, com quem fiz inesquecível curso na Fundação Getúlio Vargas, em 1958 (!!!) , tanto por motivos de clareza como para atender às tendências históricas do idioma, recebem acento grave no a, independentemente da existência do fenômeno fonético crase, expressões como: apanhar à mão, cortar à espada, enxotar à pedrada, fazer a barba à navalha, fechar à chave, ir à vela, matar o inimigo à fome, pescar à linha, à força, à imitação de, à maneira de, à medida que, à míngua, à noite, à(s) pressa(s), à proporção que, à semelhança de, à toa, à ventura, à vista, à vista de, às expensas, às ocultas, às vezes... Aspérrimo idioma!!!

 

29/07/2017
emelauria@uol.com.br

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