Pobreza e riqueza de São Paulo

 
Nos fundos do Rarib's.

 

Citei em artigo recente a frase de Siqueira Campos: "Da Pátria nada se espera, nem mesmo a gratidão".

O rio-pardense Honório de Sylos (1901-1993) bem que esperou pelos sinais exteriores dessa gratidão, que acabou vindo em doses que ele haveria de considerar tardias.

Filho de Jovino de Sylos (amigo de Euclides da Cunha e patrono do fórum local), Honório almejou, principalmente, que os trabalhos por ele desenvolvidos em favor de sua cidade natal se traduzissem em votos, quando na primeira eleição depois da era varguista ele se candidatou a deputado estadual pelo recriado Partido Republicano, antes Partido Republicano Paulista, o indefectível PRP - abrigo da aristocracia rural e do conservadorismo na primeira República. Honório chegou a editorialista do órgão oficial do PRP, o jornal diário Correio Paulistano.

Depois de décadas de jornalismo e de exercício da advocacia (formara-se na velha Faculdade do Largo São Francisco), Honório de Sylos quis ter  participação direta na vida parlamentar, ele que havia sido chefe de gabinete de Júlio Prestes quando presidente de São Paulo. Não foi ruim a votação de Honório: talvez lhe faltassem mesmo aqueles votos de gratidão que ele esperava receber de São José do Rio Pardo. Afinal, ele tinha sido diretor-geral do Departamento Estadual de Informações, posição que lhe permitiu pleitear  junto ao embaixador José Carlos de Macedo Soares, então interventor federal em São Paulo, a criação da Casa Euclideana (1946), como consta de vistosa inscrição que ainda se pode ler à entrada da atual Casa de Cultura Euclides da Cunha.

Criar a Casa Euclidiana não teria sido difícil; o complicado, que só se resolveu na Justiça, foi instalá-la no local em que ela se encontra: o imóvel em que Euclides residira  por largo tempo  com a família. Os proprietários não tinham nenhum interesse em dispor dele e recorreram contra a desapropriação efetuada pelo Estado.

O fato é que Honório de Sylos por muitos anos não veio a esta cidade, não se interessou por nada que lhe dissesse respeito. Quero crer que posso falar no meu trabalho  de desfazer aquele mal-estar: consegui que a Câmara Municipal  lhe outorgasse o título de cidadão emérito, o primeiro que se concedia por força de lei de minha autoria. Aí as arestas se aplainaram, ele ficou feliz da vida e fez as pazes com a cidade e com as pessoas.

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Dos livros que Honório de Sylos escreveu, muito aprecio São Paulo e seus caminhos (Editora McGraw-Hill do Brasil, São Paulo, 1976), que é a visão do historiador crítico e lúcido, traduzida na linguagem vivaz do jornalista experimentado. Como diz muito a propósito Osmar Pimentel, o prefaciador da obra, trata-se de duas histórias: a da pobreza e a da riqueza de São Paulo.

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O plano do livro  se desenvolve em quatro itens que servem de subtítulos. O primeiro é "Tempo de vacas magras", em que o autor assinala o sistemático empobrecimento territorial e material da capitania de São Paulo. Chegando a mais de três milhões de quilômetros quadrados em 1700, através de sucessivas mutilações (1720, 1738, 1742, 1748 e 1853 - quando perdeu o atual estado do Paraná), São Paulo viu-se reduzido à sua área atual, de menos de duzentos e cinquenta mil quilômetros quadrados. Reflexo desse esvaziamento, a própria cidade de São Paulo apresenta situação demográfica inexpressiva, ainda em 1872: abriga pouco mais de trinta e um mil habitantes, população inferior à de São Luís do Maranhão, Cuiabá, Fortaleza, Porto Alegre, Niterói, Belém, Recife, Salvador e Rio de Janeiro.

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Com a conjugação de três fatores, "o café, a ferrovia, o imigrante" (título do segundo tópico), São Paulo encontrou meios de colocar-se na vanguarda do desenvolvimento brasileiro. O autor historia a chegada dos imigrantes à sua cidade natal.

Textualmente:

"Entre 1885 e 1900, grandes levas de imigrantes italianos foram encaminhados para o município de São José do Rio Pardo, cuja sede, por essa época, chegou a contar, entre seus habitantes, com mais de cinquenta por cento de peninsulares. Eles deitaram raízes na cidade bonita que é emoldurada de montanhas e se debruça sobre o rio encachoeirado e poético, à margem do qual, em rústica cabana, Euclides da Cunha escreveu  Os Sertões. (....) Para  se ter uma ideia da contribuição desses imigrantes fortes e alegres na formação da comunidade e no progresso de minha terra natal, basta verificar a lista dos sobrenomes italianos entre os rio-pardenses." (Seguem-se os nomes de cerca de duzentas famílias de origem italiana ainda radicados na cidade, p. 45 e seguintes).

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Como decorrência natural do sucesso alcançado pela fórmula ferrovia-café-imigrante, deu-se a  "organização do trabalho livre" (é o terceiro tópico do livro), em que  São Paulo, mais uma vez, mostrou seu espírito de pioneirismo com a implantação da indústria, fator fundamental de sua riqueza  nos anos subsequentes.

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A quarta e última parte denomina-se "paulistófobos" e denuncia "uma prevenção que não é de hoje: a acusação, tantas vezes repetida (e rebatida com veemência por Honório) pela qual o progresso de São Paulo se fez à custa da pobreza de outras partes do Brasil. Merecem especial contestação pelo autor as opiniões de Afrânio Peixoto e Gilberto Freire.

São estas palavras finais do livro:

"O ideal dos paulistas é o mesmo que inflama o coração dos filhos de outros Estados. Não queremos senão o progresso de todas as regiões, com o fortalecimento da unidade deste nosso quase continente brasileiro."

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Honório de Sylos integrou o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e a Academia Paulista de Letras.

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Famílias italianas arroladas por Honório de Sylos:

 

Affarelli -  Agliussi - Allegretti - Amadio - Amato - Andreatta - Andreazzi  - Andreolli - Angelo - Artese - Artuso - Bagodi - Baldassin - Baldi  - Baldo - Ballerini - Barci - Basili - Basso - Barsotini - Battistella - Bello - Bergamasso - Bergonzoni - Bertero - Bertocco - Bertolli - Bertolotti -Bertogna - Bianchin -  Bincoletto - Biondi - Bizarri - Blandin - Bomtempo - Bonetti - Bortot - Braghetta - Braghirolli - Breda - Brocadello - Buffoni - Buzzi - Cacciatore - Cafola - Cagnoni - Calegari - Calipo - Calvitti - Canella - Capatto - Capelari - Capello - Capuano - Carciotti - Carratto - Caruzo - Casagrande - Castaldi - Catalano - Cautela - Celentano - Ceravolo - Cerboni - Cesario - Chellini - Ciconello - Consolo - Conti - Crecco - Cutri  - Dal Bom - Dal Ciampo - Dal Moro - Darcie - Darin - Daversa - De Vitta - Del Guerra - D'Elia - Della Torre - Dessimoni - Dini - Donnabela - Duva - Fagioli - Favero - Favoretto - Felippi - Felisberti - Ferfoglia - Ferrari - Ferrarini - Figo - Fiorante - Fioravante - Flaminio - Fogliarini - Fontana - Fragiolo - Franchi - Franchiosi - Franzé - Franzoni - Frigo -  Galatti - Garbo - Gerardi - Gervasio - Giordano - Giovanelli - Grassi - Greco - Guardabasso - Guido - Guisso - Innarelli - Iotti - Jula - Lamoglia - Landini - Lauria - Lapadula - Leone - Lobosco - Locatelli -  Lucchesi - Lofrano - Longo - Longhini - Lotufo - Luciani - Lutti - Machitte - Maggi - Maida - Malagutti - Marchi - Marin - Maringolo - Marino - Marmo - Martini - Mascaro - Maschietto - Mazzarin - Mazzilli - Megali - Melchiori - Menardi - Menechin - Meneghetti -  Meringolo - Merli - Migliaccio - Minucci - Moffa - Molfi - Montessanto - Mori - Morra - Nardini - Neri - Novelli - Padula - Paone - Panetti - Parisi - Parlatore - Passerani - Pellegrini - Pepe - Perissinoto - Peroco - Perrella - Perri - Petrocelli - Pinesi - Pignotti - Pioli - Pirillo - Piovesan - Pisani - Polachini - Possebon - Potenza - Precinotti - Quercia - Raddi - Ramaciotti - Rancan - Riani - Riboli - Rissi - Ristori - Rizzo - Rondinelli - Roque - Rossetto - Rossi - Rotundo - Salvadori - Santis - Santoro - Scali - Scarano -Scarcella - Schiezaro - Scocchi - Sernaglia - Serraceni - Severini - Simoni - Simonetti - Smarieri - Spagnolo - Speranza - Spessotto - Stocco - Strazzieri - Taddei - Tardelli - Tiezzi - Tempesta - Tocchetti - Torregrossa - Tinti - Toselli - Tranquillini - Travesso - Trevisan - Trinca - Trivelatto - Trovatto - Turri - Valentoni - Vanucci - Vedovatto - Ventura - Vigorito - Viola - Virgilli - Vitali - Zanata - Zanardo - Zanetti - Zapata - Zavaglia - Zelanti - Zenaro - Zerbini.

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Muitos desses nomes apresentaram variantes gráficas, como é o caso de Guardabasso (que deu até Guarda Baixo); Minucci, muitas vezes grafado Minussi; Roque, forma inexistente em italiano, que originariamente deve ter sido Rocco; Turri, logo aportuguesado para Torres.

 

29/03/2014
emelauria@uol.com.br

 

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