OS QUE FORAM
A
partir de
um
ponto da
existência, se
você
não
tomar
cuidado, falará
muito
mais da
morte do
que da
vida,
muito
mais dos
mortos do
que dos
vivos.
Algumas
vezes,
assim de
brincadeira,
mas
com
um
pé
atrás, envio
meu
artigo
semanal ao
Trinca, do DEMOCRATA,
com uma ressalva: “Este
é o
para o
sábado
próximo, se
não
morrer
ninguém
que
me obrigue a
escrever
outra
coisa”.
Já aconteceu,
com alguma
raridade, de
precisar
mudar o
texto, na
última
hora.
Já aconteceu,
também, de
eu
não
falar no
momento adequado de
quem morreu merecendo uma
nota de
amizade, uma
lembrança
pública de
bem-querer.
Foi
assim
que a 21 de
novembro atendi despreocupadamente ao
telefone e mantive
diálogo
quase surreal
com
quem
menos esperava:
-- É
você, Márcio?
--
Sim, sou
eu.
(Aqui
deveria
ter perguntado
com
quem
eu falava,
mas
não perguntei.)
--
Pois é,
nosso
amigo se foi...
--
Que
amigo?
--
Ora,
que
amigo...
Quem é o
nosso
grande
amigo?
-- ...
--
Você
não sabe
quem está falando?
--
Não sei.
(Às
vezes nutrimos a
completa e errônea
certeza de
não precisarmos identificar-nos
pela
voz...)
-- Sou Nelsy...
Nosso Adelino acabou de
morrer!
Reconheça-se ao
menos
que essa
não seria
jamais a
forma esperada de
alguém
dar
por
telefone a
notícia da
morte do
marido.
Dias
depois, comentando
com a
mesma Nelsy, Nelsy Lousada Brandão, a
viúva de Adelino Brandão, a
maneira
incomum de
como
ela
mesma
me transmitira
aquele
anúncio
tão
definitivo,
ela
apenas comentou
que fizera
tudo automaticamente,
que de
nada se lembrava,
que
durante
muitos
dias ficara
em
estado de
choque. Ah, os chamados
ataques de
lucidez
extrema, na
verdade uma
espécie de
defesa
que a
mente engendra
para
não
cair de
súbito nas
armadilhas da
emoção
forte
demais, da
realidade
insuportável.
Inesperada
perda.
Inesperada,
mesmo.
Pois
não é
que Adelino praticamente morrera conversando,
filosofando,
com
um
sacerdote
amigo,
logo
após o
almoço
doméstico? Caiu
sem
antecedentes,
sem
premonições,
sem avisos sutis
ou
não.
Ainda no
velório
em Jundiaí,
tão concorrido,
com
pessoas de todas as
camadas
sociais e culturais indo
levar
sua
homenagem ao
professor,
jornalista,
escritor, foi
comovente
ver a
família de Adelino comportar-se
com
aquele
sereno
domínio
próprio de
quem
não tem
dúvidas
quanto ao
destino
humano.
Era
como se dissessem: “Ele
viveu
bem, morreu
bem, estará
sempre
bem”.
Está assentado
que na
Semana Euclidiana de 2005, Adelino Brandão será
o
grande homenageado. E
ele o merece.
Ninguém o superou na
fidelidade euclidiana e no
sincero
amor a
São José do
Rio
Pardo. A
cidade deu-lhe
títulos
honrosos,
como o de
cidadão rio-pardense e o de
mérito euclidiano. Conversei
por
telefone
com
ele uma
semana
antes de
sua
morte.
Como
sempre, estava
preocupado
com o euclidianismo,
com os
novos
rumos
que a
Casa de
Cultura
poderia
tomar
depois das
eleições municipais. Jantara
com
ele
após a
conferência de Celinha Franchi Fernandes da
Silva, a 14 de
agosto. E
agora recebo a
foto
nossa naquele
jantar. Estava
ótimo,
com o
apetite de
sempre,
objeto da
constante
vigilância de Nelsy.
Ela,
ainda no
velório, falou-me do
desejo de
mandar
para
cá boa
parte do
material euclidiano coletado
por Adelino e
largamente utilizado
nos
muitos
livros
que publicou,
em
especial
em Euclides da
Cunha –
Bibliografia Comentada, de 2002,
precioso
documentário de
mais de cinqüenta
anos de
pesquisa, o
que deu 9.367
verbetes.
Para a
segunda
edição,
que Adelino pretendia
publicar
em 2005,
esse
número
já ultrapassaria os
dez
mil.
O
que
eu gostaria,
mesmo,
agora é de
falar
sobre o Adelino Brandão
amigo,
companheiro,
disposto a
qualquer
sacrifício
que redundasse
em
favor do euclidianismo.
Lembrar as
semanas de
estudos euclidianos
que
ele organizou
em Jundiaí e
cidades próximas. Das muitas
escolas e
instituições a
que foi
para
falar a
crianças,
jovens,
estudantes e
professores.
Não posso
deixar de referir-me,
com
surpresa
até, à
sua entusiasmada
adesão ao
nascente euclidianismo de
São Carlos, à
sua
disponibilidade de
falar e
ser
entendido
mesmo
por
meninos das
séries
iniciais do
ensino
fundamental. Adelino
era comunicador
por
excelência,
principalmente
porque acreditava no
que dizia e escrevia.
E
quem o substituirá numa das
solenidades
mais
características das
semanas euclidianas – a comemoração do
Episódio Republicano Rio-Pardense, a 11 de
agosto? Sei
como
tudo começou,
lá
por 1960. O
Grêmio Euclides da
Cunha (fundado
em 1925 e
com
largos
períodos de
vida
apenas
latente) tomou
para
si a
incumbência de
não
deixar
morrer a rememoração de
um
fato
histórico
muito
grato à
cidade, descrito
com
minúcias num
belo
texto de Honório de Sylos – Glicério
em
São José do
Rio
Pardo. Republicanos, tendo à
frente Francisco Glicério,
personagem
histórico
em
visita a
São José, e Ananias Barbosa,
então
dono do
Hotel Brasil,
com
mais de
três meses de
antecipação a 15 de
novembro,
aqui proclamaram a
vigência de
um
novo
regime
político.
Claro
que essa
república
não resistiu à
chegada de
um
simples
reforço ao
destacamento
policial,
mas o
gesto de
rebeldia passou a
valer
como
símbolo.
Símbolo de uma
gente
imprevisível
que
sequer aceitou
ver
sua terrinha chamar-se
Cidade
Livre do
Rio
Pardo,
por
temor reverencial ao
santo
esposo de Maria,
mas encampou a
beleza da
saga, incluiu o
lema no
brasão e na
bandeira.
As comemorações
de 11 de
agosto se transformaram
em
trincheiras da maltratada
democracia
brasileira
nos
duros
anos sessenta e setenta.
Depois,
tudo cansou,
talvez
porque
já
não se precisasse
clamar
por
liberdade
política. As
platéias entusiasmadas
que
antes acorriam à
frente do
Hotel Brasil,
para
ouvir
oradores ao
menos inflamados, se transformaram
em
magotes de
gente,
em grupinhos de poucas
pessoas
que,
até constrangidas, se perguntavam
sobre a perdida significação daquele
ato
cívico.
Não Adelino Brandão.
Ele foi
sempre
fiel à
JANELA, pregou
ali,
com
entusiasmo e
sinceridade, a
sua
verdade nacionalista,
política,
social. Às
vezes, ouvindo-o
apenas uns espantados
hóspedes do modesto
hotel
que se deixavam
empolgar
pela
retórica
algo
barroca daquele
senhor de
cabelos
pretos,
mas de
sobrancelhas e
bigodes
brancos, a
lhes
dizer
coisas altíssimas de
sociologia e
patriotismo.
Coisas de
valor
permanente. Ah, e os
músicos da
banda,
presença
compulsória...
Uma
noite destas,
em
cerimônia na
Casa de
Cultura Euclides da
Cunha,
não pude
deixar de
me
referir aos
estragos
que vem sofrendo o euclidianismo
como
decorrência do
mais
terrível
fato da
vida – a
passagem do
tempo.
Não tem havido
ano
recente
sem
que
um dos
mais
importantes deles, ao
menos, deixe a
cena.
Assim foi
com Roberto
Ventura, Oswaldo Galotti, Hersílio Ângelo,
Adelino Brandão.
Vão cumprindo
aquilo
que Camões
elegantemente disse dos
que morrem
cercados de boa
fama e
dignos de
permanecer na
memória das
gentes:
aqueles
que
por
obras valerosas se
vão da
lei da
morte libertando...
Outra
palavra de
saudade a
meu
amigo de
mais de sessenta e
cinco
anos, Ricardo Simonetti,
que
me encheu de
confiança e de
segurança
quando,
em 1939, foi
meu
acompanhante
nos
meus
primeiros
dias de
aula no
Grupo
Escolar Dr.
Cândido Rodrigues.
Ele estava no
terceiro
ano e
me fez
sentir
bem na
escola,
desde
sempre.
Nossa boa e
firme
amizade perdurou
pela
vida
toda e se solidificou ao
longo de
nosso
magistério no
Instituto de
Educação Euclides da
Cunha.
Não arrefeceu
nem
mesmo na
proveitosa
aposentadoria
que
nós
ambos logramos
vivenciar.
29/01/2005
(emelauria@uol.com.br)
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