Preparativos eleitorais

 

Tentado fortemente pela confortadora ideia de não ser obrigado a votar por causa do avançado da idade, você vai  assim mesmo separando o título de eleitor e outro documento oficial com foto. Sim, aí está mais uma novidade para esta eleição: não basta o título, você tem de comprovar na seção eleitoral que você é você mesmo, ainda que seu outro documento oficial seja mais velho do que o presidente da mesa e a cara da foto já não bata com sua atual cara de carne e osso, exposta à diuturna ação do tempo.

Atendendo a sábio conselho divulgado por aí, providencie também uma cola com os números dos candidatos que merecerão seu sufrágio. Sufrágio. Acho esta palavra muito solene. Você não vai votar em alguém. Vai sufragar o seu nome.  Até parece que praticará ato mais importante do que escolher quem ganhará uma nota preta em São Paulo ou em Brasília.

Deputado estadual – 5 números. Federal – 4 números.  Senadores – 3 números cada um.  Governador e presidente – 2 números.

Por que dois senadores? – perguntará alguém. Porque enquanto os estados têm bancadas  de deputados federais que variam de oito a setenta, esses mesmos estados têm cada um três senadores, não importando seu tamanho, sua população, sua influência. Neste ano, vencem os mandatos de oito anos de dois deles. Fica fora da disputa um, eleito há quatro anos. Geralmente esses senadores em meio do mandato arriscam a se candidatar a governador, presidente. Se ganharem, ótimo. Se não ganharem, no começo do ano que vem retornam ao Senado, por mais quatro anos.  

Ainda bem que a cola não é apenas tolerada, mas até estimulada. No tempo em que se usava cédula de votação, isso de alguém ir à cabine indevassável com um simples papelzinho contendo os nomes dos candidatos já era considerado fraude eleitoral, sinal evidente de voto de cabresto. Hoje... já imaginaram quanto tempo um pobre eleitor sem cola e sem o mínimo traquejo com teclados pode gastar no cumprimento de seu sagrado dever cívico? Ainda mais que não é difícil pessoas ficarem emocionadas no seu mais alto exercício de cidadania e precisarem pedir auxílio!  Melhor uma colinha no capricho.

Então, você, sozinho no exercício pré-eleitoral, vai armando o seu volante, à maneira de aposta, seguindo critérios sem lógica política, como se políticos tivessem algum critério assentado na lógica ou em sólidas considerações éticas.

Para deputado estadual e deputado federal: vote em quem conheça assim de olhar nos olhos e poder sugerir, reclamar, cobrar. Gente que more por aqui, que tenha raízes e interesses para defender e manter. Coerência partidária? Você pode misturar as legendas que bem quiser, a ponto de votar em pessoas que na aparência são ideologicamente incompatíveis. O quê? Ideologicamente incompatíveis... Hãããã!    Na eleição de 1982, muitos de nós fomos  vítimas do voto vinculado, maquiavélica invenção pela qual quem votasse no governador de uma legenda, só podia votar em candidato a prefeito e vereador da mesma legenda... Voto amarrado com nó cego.

Para senador seu primeiro voto merece ir para quem você pense ser o mais bem preparado, com carreira ascendente, conhecimento, experiência, coisas assim.  Para cravar o segundo nome, vá por exclusão: este nem pensar!; aquela – nem morta!; aquele – tenha a santa paciência!; aquele outro – cruuuuzes! Então pratique o voto ecologicamednte sustentável!  Menos mal. Você corre o quase fatal risco de não emplacar nenhum dos dois, mas que fazer? Não se pode transformar o voto numa apólice com certeza de vitória, embora milhões de brasileiros o façam, talvez como vingança inconsciente à perda do rico dinheirinho que enterram na lotofácil, na quina, na  mega-sena, na dupla sena, no bolão disso e na loteria daquilo. É da natureza humana isso de se aliar a potenciais vencedores.

E chega à escolha do governador. Se você desse uma olhadela realista no seu holerite de professor estadual aposentado, no mínimo votaria em branco, ou anularia o voto. Perceba, porém,  que não é de sua índole torcer pelo quanto pior, melhor. Em face disso tudo e na esperança de se manter em atividade um indispensável foco oposicionista em São Paulo, decida o seu voto. Se esse seu indigesto candidato vier a perder, ficarão escancaradas no Brasil as portas para a implantação do partido único, uma espécie de PRI da conturbada história republicana do México...

Se desse outra olhadela realista naquele mesmo holerite, também não votaria em quem votará para presidente. A experiência republicana sempre aconselhou que os candidatos à presidência da República tornassem sua simples escolha à disputa do maior cargo político do País como o coroamento de suas carreiras. E assim tem sido ao longo do tempo. Desde o primeiro presidente civil – Prudente de Morais –,  sentaram-se na cadeira (eu ia escrever curul, mas faltou-me coragem) presidencial  homens calejados na vida pública, com pleno conhecimento das particularidades de funcionamento de ao menos dois dos três poderes – o Legislativo e o Executivo. Nem assim, contudo, a vivência político-administrativa foi garantia de êxito no exercício da presidência. Tome o exemplo de Jânio Quadros, conduzido em 1961 a Brasília com uma avalanche de votos dos mais esperançosos da vida nacional. Vereador, deputado, governador e, na hora h, total fracasso, porque não encontrou no Congresso Nacional o apoio que esperava para a implantação de seu modelo pessoal de presidencialismo quase ditatorial. Em sentido contrário, Juscelino Kubitscheck, eleito em 1955, acabado exemplo de político de ficha completa: prefeito, deputado, governador, presidente constitucional no integral sentido do termo. Ah, sim, com JK se institucionalizou a corrupção justificável, sem a qual Brasília não ficaria pronta no prazo conveniente e a moralidade administrativa não teria caído tanto.

Não há, portanto,  receita infalível. Depois da presença pessoalmente dominadora de Luiz Inácio Lula da Silva em seus dois agitados mandatos presidenciais, a candidata que ele impôs a ela mesma, ao PT, aos partidos aliados, à opinião pública – pode vir a ser tanto uma surpreendente presença quanto  uma dolorosa página da vida nacional. Claro que muito se fala da ação orquestrada da grande imprensa contra tudo o que está sendo visto por aí como evidentes indícios de um mar de lama de muito mais capacidade de estrago do que aquele que acabou levando Getúlio Vargas ao suicídio, em 1954.

Agora os tempos são outros. A propaganda eleitoral nos apresenta faces artificiais de todos os candidatos. Com o trabalho por assim dizer científico dos marqueteiros, os brasileiros votam em pessoais imaginárias, não reais. Votam em candidatos passados a limpo nos seus pensamentos e palavras, atos e omissões  por uma espécie de photoshop integral  e elegem quem  não existe.

Mesmo não confiando a ela o voto, você (como certamente milhões de outros brasileiros) não deseja à candidata do oficialismo, elevada à prévia situação de vencedora,   senão saúde sem metástase, muita saúde e disposição pessoal, apoio parlamentar e ampla capacidade de agir com discernimento, afastando de seu convívio todo e qualquer elemento que lembre corrupção, negociata e o máximo do pragmatismo cínico: “O que se vem fazendo pode não ser ético, mas é legal!”

Seria muito bom para o Brasil que a disputa presidencial não se decidisse desde logo, que houvesse um segundo turno, com as forças políticas se reorganizando em torno dos dois candidatos mais votados. Quem sabe as previsões de vitória fácil não se confirmam?

Não seja pessimista como poderia estar. Pense que tantas pessoas cheias de esperança com as perspectivas de vitória da candidata de Lula já no primeiro turno não podem deixar de ter fortes razões para isso. Pense que nem tudo de bom que vem ocorrendo no País possa ter sido idealizado e executado pelos atuais detentores do poder. Prefira crer  que também na administração pública há uns que plantam e outros que colhem. O injusto é que quase sempre os que colhem não dividam méritos com os que plantaram.

Que fazer?

O maniqueísmo – isso de achar que tudo de bom esteja de um lado e tudo de mau se encontre no lado adverso – é inerente ao homem disputador. Se a razão da disputa for política, nada de isento e equilibrado se pode esperar de nenhum dos lados envolvidos.

 

(3.ª-feira, 28 de setembro de 2010)

 

28/09/2010
emelauria@uol.com.br)

 

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