Eta mundo velho!

 


Centro Cultural Ítalo-Brasileiro: detalhe da entrada
- Márcio José Lauria Filho -

 

ETA MUNDO VÉIO...

· A frase completa, que se ouvia em tempos de antanho, era: “Eta mundo véio sem portêra, carça nova sem gibêra”. O que queria dizer a sentença tão acaipirada? Sabe-se lá, era talvez apenas uma frase feita, apoiada em rimas que tornavam mais fácil a memorização. Aplicava-se quando algo muito estranho acontecia e ninguém tinha explicação plausível para aquilo. É de se duvidar que boa parte das pessoas saiba o significado de gibêra, forma popular de algibeira, bolso das calças masculinas. Tem ainda a conotação de coisa de pouca profundidade, como na expressão pergunta de algibeira, ou seja, própria para apanhar incautos.

 

SANTO STEVE JOBS

· Estamos vivendo um tempo cheio de complicações. Veja-se, por exemplo, a verdadeira canonização que a mídia do mundo todo promoveu para evidenciar o valor de Steve Jobs, o criador do universo Apple. Por causa dele, muitos homens e mulheres se tornaram espectadores passivos da vida, e apenas reagem ao mundo circundante. Hoje milhões de pessoas sentam-se e assistem. E o pior: precisam reagir criticamente a tudo o que acontece, porque, caso contrário, ficam parecendo seres azedos, mal-humorados, incapazes de alcançar a bem-aventurança que os dispositivos inventados por Jobs são capazes de proporcionar. Ai de quem se diz indiferente a desktops, laptops, iPhones, iPods e iPads!  Serão tidos como anacrônicos da pior categoria, dos que usam ceroulas, fazem barba com navalha, palitam os dentes e dão corda a relógios.

 

FAVELA, OI FAVELA!

 · Não há quem não deseje que verdadeiramente as favelas do Rio de Janeiro sejam pacificadas e libertadas do jugo dos traficantes. Os arquitetos têm sérias dúvidas quanto ao desaparecimento  desses conglomerados de extrema conveniência, porque dependurados nos morros a um passo de ótimos bairros residenciais, das melhores praias do mundo e da clientela cativa de drogados da classe média. Um desses urbanistas  chega mesmo a dizer que a integração morro-asfalto é uma espécie de trabalho de ourivesaria urbanística e que nem o desenvolvimento econômico garantirá o desaparecimento das favelas. Outro antropólogo se mostra também cético quanto a essa integração, porque as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) podem até modernizar o tráfico! “Isso só não acontecerá se houver coragem para refundar as polícias”.  Trabalho para o Surper-Homem, já se vê.

 

MEMÓRIA FRACA

· Esse ministro do Trabalho (será ainda?)  Carlos  Lupi ficará na história pátria por sua descoberta de suma importância: pessoas como ele podem se dar ao luxo de não ter memória absoluta. Ou seja, como qualquer sujeito de real prestígio, ele pode dizer com convicção uma coisa hoje, desdizer-se amanhã, recompor a versão logo mais. Os outros que se adaptem à sua visão de mundo. Lupi está competindo bravamente com o Magri, aquele outro ministro da era Collor, que inventou o adjetivo imexível e garantiu que cachorro também é gente. Que primeiro escalão!

 

GOL DE OURO

· Levando-se em conta o que o imperador Adriano vem custando ao Corinthians em contratos, salários e despesas médicas, quanto terá valido aquele gol dele contra o Atlético Mineiro? Mas cá pra nós: foi uma pintura de jogada, uma espécie de hápax.  Não sabe o que é hápax? Então lá vai: é o que ocorre apenas uma vez em documento, obra literária ou científica, etc., e que pode ser abonado com uma só citação. Claro que seu emprego em lance futebolístico é pura invenção minha, mas aquele gol foi mesmo um hápax, para felicidade da nação corinthiana e puro desgosto da atualmente maior torcida do Brasil – a contra o Corinthians.

 

SEM NADA ESCONDER

· Se os políticos brasileiros de todos os partidos  agissem com a mesma coragem e  clareza do Lula no recente episódio da plena revelação de seu câncer na laringe, não haveria o mínima dúvida de que a nossa tal res publica passaria de fonte permanente de escândalos a modelo mundial de probidade administrativa. Enquanto Lula ganha o respeito de todos, está desolador o triste quadro dos desmentidos: um jornal ou revista levanta dúvida quanto à honorabilidade de alguém ou de algum grupo, logo há comunicados de desagravo, esperneios, bufos e ameaças e,  tempos depois, mais um ministro cai, sempre protestando inocência. Como se diz nas rodas de pescadores: a cada enxadada, uma minhoca!

 

CRIME E CASTIGO

· Nos tempos de nossa solteirice, a morena Natalie Wood disputava com a loira Kim Novak nossas preferências cinematográficas e ganhava  espaço no exercício de  nossa imaginação criadora. Um dia desses, recebi uma daquelas maldosas séries de fotos comparativas: a mesma pessoa no auge da beleza física e  em seu estado atual, de fazer dó. Vítimas preferenciais: a recém-finada Elizabeth Taylor e Brigitte Bardot. A primeira, de sublime beleza, reduzida na velhice  a matrona gorducha e mais enfeitada do que árvore de Natal. A segunda,  de símbolo sexual incomparável, a uma velhota mais enrugada do que camisa de linho e preocupadíssima com o futuro de cães e gatos. Kim Novak felizmente pagou com mais discrição seu tributo ao tempo. Natalie Wood nem pagou, porque morreu moça, em plena forma. Foi encontrada morta no mar, em 1981. Agora, passados trinta anos, vem a triste hipótese de assassinato, cometido pelo marido Robert Wagner, hoje com oitenta e três anos. Quem levanta a questão  era capitão do barco em que o casal de artistas viajava, juntamente com um tal Christopher Walken, tido como pivô de um caso amoroso. Nos Estados Unidos essas coisas prosperam e se Robert Wagner for declarado culpado, vai mesmo para a cadeia, apesar da provecta idade. Aqui no Brasil seria diferente, com a turma do deixa-disso logo entrando em ação e pregando paz entre vivos e mortos.

 

· MANCHA NO MAR

A culpada empresa americana Chevron diz que são trezentos e oitenta mil;  a Agência Nacional de  Petróleo arrisca quatrocentos e setenta e sete mil; a Ong Sky Truth chuta quase seiscentos mil. Fala-se em litros de petróleo vazados na bacia de Campos, RJ, nestes últimos dias. De qualquer modo, é bom saber: cada litro de óleo polui vinte mil de água. Quem tiver paciência faça as contas. Na verdade, esse vazamento dá apenas o primeiro sinal de todo o perigo que será permanente  quando o Brasil começar a explorar áreas marítimas muito mais profundas, a chamada zona do pré-sal. Recursos tecnológicos próprios o País não tem nem terá; precisará admitir a presença de petrolíferas estrangeiras, como essa Chevron, que está pouco se lixando para danos ecológicos irreversíveis causados por uma atividade francamente predatória, mas de altíssimo lucro. E pensar-se que os futurologistas de cinquenta ou sessenta anos atrás garantiam que o século XXI  livraria a humanidade dessa energia suja e degradante que é o petróleo. Em seu lugar, sonhava-se, tudo seria movido a energia nuclear, silenciosa e limpa.  Engano ledo e cego, já se comprovou com os vazamentos das usinas japonesas. Eta mundo velho!

 

26/11/2011
emelauria@uol.com.br)

 

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