Daqui do meu lugar
"Meu lugar" é apenas força de expressão. Aqui ninguém tem nada cativo. Em cada horário, e são muitos no decorrer da semana, a freguesia muda. Alguns, a cada vez que comparecem, apossam-se de espaços diferentes, não criam hábitos nem raízes. Sou ocupante costumeiro de um lugar que fica um pouco mais para o fundo do que para a frente: embora situado no corpo da esquerda, tende para o centro. Sempre que possível, sento-me na ponta do banco, um pouco à frente da senhora que prefere o corpo da direita, tendendo para o centro. Ela sempre chega antes de mim e tem o bom hábito de ler com atenção todo o folheto disponível. Três ou quatro fileiras à frente dela, o senhor da minha idade, que marca seu lugar na extremidade do banco com os óculos, com as chaves do carro. Poucos minutos antes do ato começar, ele se levanta, vai lá à frente, tira um papel do bolso, outra pessoa anota algo, e ele volta. Um dia eu lhe perguntei a respeito e ele me explicou: a cada semana ele se lembra do nome de cinco pessoas amigas. Chego quase sempre uns dez minutos antes da hora marcada e corro os olhos pelos presentes, considero que fulano não virá porque com certeza viajou, outro porque esteve hospitalizado. Outro não virá jamais, porque simplesmente morreu, dias atrás. Sinto alívio quando percebo que os mais conhecidos já chegaram ou estão chegando, cumprimentam-se de longe com acenos e sorrisos. É uma fraternidade por assim dizer tácita e de temporária atuação. Encanta-me a presença de um belo casal com dois filhos (meninos) que frequentam o local há muito mais tempo do que eles próprios imaginam. Uma família que tem beleza e harmonia. Os anos se passaram, o pai branqueou, a mulher encorpou, mas continua vistosa, cabelos longos e bem tratados; os dois meninos, sempre vestidos com simplicidade e capricho, estão descobrindo a vida e uma das suas mais agradáveis circunstâncias: sabem que são bonitos, um na explosão dos quinze ou dezesseis anos, outro no finzinho da meninice. Lembro-me de quando eles até dormiam esticados no banco, alheios às palavras de eterna salvação. Hoje não, já assumem ares de adultos, mas ainda abraçam o pai e a mãe com uma espontaneidade e um carinho que almejo se eternizem. Na ala direita, um pouco à frente de meu amigo dos óculos e das chaves, uma bela senhora na casa dos trinta, sempre bem cuidada e sempre acompanhada da filha de menos de dez. As duas se abraçam, se apertam, a mãe ajeita os cabelos da filha, a filha segura o braço da mãe. As duas se olham sempre com redescoberta ternura. Onde estará o marido e pai? Ele ao menos existirá? Nunca apareceu por aqui. Seria uma grata surpresa se ele de repente surgisse e me fizesse esquecer a triste hipótese de que isso jamais acontecerá. Pertinho das duas, mas na ala esquerda, um homem de uns quarenta e cinco anos, sempre acompanhado pelo filho de seus onze, doze. O pai lhe indica onde está a leitura, explica-lhe umas coisas cochichadas, dá-lhe uma atenção que com certeza será inesquecível pela vida toda. Entre os dois, um raro olhar de mútuo querer. Por onde andará a mãe? Aparecerá por aqui algum dia? Ou também posso pensar na triste hipótese de que isso jamais acontecerá? Uma fileira à frente, a devotíssima mulher que participa de tudo, canta com disposição e fervor. Na hora adequada, saúda a todos com uma sinceridade de fazer gosto. Muito além do sorriso formal, do aperto obrigatório que tantos de nós ali trocam. Há um homem só, que sequer mexe os lábios, parece que aprofundado numa permanente mágoa. Mal responde a uns poucos cumprimentos. Fechado em si, menos por recolhimento e muito mais por uma espécie de fastio com o convívio humano. Acompanho há bom tempo duas famílias com a mesma composição: ambas têm crianças pequenas que jamais deram o mínimo trabalho naquele recinto de silêncio e concentração. É de fazer saudade de passadas épocas lembrar o empenho amoroso das duas mães, a solicitude das avós, o espírito de colaboração dos maridos. Eles com certeza não têm a exata noção de como são felizes aqueles momentos que vivem e que passam com uma rapidez de abismar. De repente, os pequenos crescem, as pessoas envelhecem, a vida passa num átimo. Uma das crianças, um bonachão loirinho de seus três anos, muitas vezes já mamou na mamadeira de plantão e depois caiu num sono breve e sereno, de completa satisfação, nos braços protetores da jovem mãe. Quando acorda, demora um segundinho para se localizar no meio de tanta gente, mas a presença da mãe, do pai, da avó o tranquiliza de vez. A outra é um menino de menos de um ano, moreninho, descobrindo as coisas, maravilhado com o milagre de tantos lustres acesos, de tanto vitral resplandecente de luz, da música que vem de longe. Tira rápida soneca no colo da avó (deve ser uma coruja daquelas), pula para o colo do pai, exige a atenção da mãe, acaba aceitando o gole de água e a chupeta que lhe oferecem. Olha mais uma vez para um foco de luz, arrota, dá um sorrisinho, confirma feliz que já sabe bater palmas. Um dia perguntei a meu amigo dos óculos e da chave do carro se ele já me pôs no seu rol de intenções. "Não", foi sua resposta. Ele só manda rezar pelos mortos. E me assegura que terei minha parte nas suas preocupações logo que eu me mandar desta para melhor. Nada garante que eu vá primeiro, penso consoladoramente com meus botões. Não está nos meus planos, ao menos. À saída, o bom momento de rápidos papos, de reencontros, de abraços, beijos, perguntas de pura amizade. Depois, cada um para seu lado, ninguém pensando na impossibilidade de um feliz retorno na próxima semana. Alguns até se encontrarão dias depois e nem se lembrarão de onde estiveram juntos por uma hora e pouco na manhã de domingo. Já estou até imaginando a pergunta inevitável de algum leitor irritado: então você vai lá para prestar atenção ao que os outros fazem? Não se concentra? Não se dá conta das finalidades daquela solene reunião? Tento explicar: eu me concentro, eu sei bem das finalidades da solene reunião. É que em outros lugares se vê agora tão pouco daquela convergente harmonia familiar, daquela coesão de pensamentos e propósitos, daquele completo desarmamento de espíritos, que não tenho dúvida: prestar atenção a tudo aquilo tem muito do melhor que pode acontecer no convívio de pessoas. É um momento da mais gratuita felicidade humana.
26/07/2014 |