Lexicologia & outros assuntos Um dicionário especial A fascinação exercida pelo texto euclidiano parece estar longe de se esgotar. Euclides, um dos escritores brasileiros mais estudados (bastando lembrar que a notável Bibliografia Euclidiana, de Adelino Brandão, ultrapassa as dez mil referências), ganha agora alentado estudo sobre o seu vocabulário. Trata-se de A Lexicologia de “Os Sertões”, de Manif Zacharias, publicada em 2001 pela Editora Garapuvu, de Florianópolis. Eu nada sabia sobre esse autor paranaense, médico radicado em Criciúma, Santa Catarina. No entanto, com a Lexicologia, que me foi ofertada por ex-aluna ora residente em Curitiba, Manif Zacharias foi o vencedor, em 2002, do “Prêmio José Ermírio de Moraes”, conferido pela Academia Brasileira de Letras. São 991 páginas em que milhares de termos e expressões usados por Euclides em Os Sertões são catalogados, explicados na significação que lhes cabe no texto e localizados na respectiva página da 27.ª edição, lançada em 1973 pela Editora Universidade de Brasília, na importante série “Biblioteca Básica de Brasília”. Ao que saiba, esta promissora BBB não passou dos dez primeiros títulos lançados, quando o plano inicial era bem mais ambicioso. Diferentemente do que afirma o prefaciador do livro, Aimberê Machado, esta Lexicologia não é a primeira obra que enfrenta o difícil assunto – pesquisar o vocabulário do grande livro. Tenho uma rara edição que meu saudoso amigo Moisés Gicovate me ofertou xerografada e encadernada: Os Sertões de Euclides da Cunha – Vocabulário e Notas Lexicológicas, de Pedro A. Pinto, Livraria Francisco Alves, Rio, sem data, mas com certeza dos primeiros anos da década de 30, do século passado. Para quem não sabe, Pedro A. Pinto foi professor no Colégio Pedro II, na Universidade do Rio de Janeiro e já havia publicado, em 1924, de parceria com Afrânio Peixoto, um ainda insuperável Dicionário de Os Lusíadas. Volto à Lexicologia, de Manif Zacharias. Tomando-se a média de sete verbetes por página, tem-se que ao menos seis mil palavras ou expressões foram exaustivamente analisadas ao longo do respeitável volume. Por vezes, o autor fornece, mesmo a leitores experimentados, preciosas informações sobre fatos históricos, tendências filosóficas e particularidades de sentido. Não se trata, pois, de trabalho que se atenha a explicar sucintamente o sentido de vocábulos ou locuções. Tomo como modelos de explicações muito oportunas as que o A. dá sobre Agassiz, Alcácer-Quibir, clava de Hércules, gnosticismo, minotauro, sofistas, entre tantos outros. Com apoio nesta Lexicologia, a leitura de Os Sertões se tornará muito mais proveitosa e mais bem assimilada. Elucidação convincente oferece o A. ao termo dgi, de origem tupi, que Euclides emprega na frase “entalhadas as árvores pelos cortantes dgis de diorito”, ou seja, “machados feitos de rocha de origem vulcânica”.É a primeira vez que encontro explicação satisfatória sobre o estranho vocábulo, que nem figura no Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras.
Antigomobilismo Visitar a exposição de carros antigos na Praça Barão do Rio Branco foi salutar motivo de agradáveis encontros, nutridos bate-papos e variadas reminiscências, suscitados por carrões mais que bebedores de combustível ou por Gordinis e Fuscas que marcaram nossas estréias como felizes possuidores do primeiro veículo próprio. Tanto os Galaxies que lembram transtlânticos de luxo (um deles em versão feminina, todo cor-de-rosa, bem ao estilo da Beth Charmosa, da Corrida Maluca) como os Volvos de quase quarenta anos e já com transmissão automática, até o capricho exagerado de alguns donos que tratam carros como jóias preciosas – tudo deu motivo a muito papo, a muito caso desenterrado. Nada, porém, deve ter mexido tanto com a libido automobilística das pessoas quanto o raríssimo conversível Concorde verde-esperança, todo cromado e reluzente, esbanjando idéias de conforto e gastança, mas só tendo acomodações para dois passageiros...
Cumprindo tarefa Marcus Lourenço, bem-sucedido médico em Guaxupé, envia-me por meu filho João a resposta a uma tarefa que eu lhe teria proposto há mais de trinta anos, quando seu professor de Português no Curso Científico do “Euclides da Cunha”. Diz ele que foi este meu desafio: alguém construir uma frase em que aparecessem homófonos (termos com o mesmo som, mas de sentido diferente) de graça, cruz e traz. Ignoro se só ele topou o encargo ou se me apresentou em classe a sua solução, mas a verdade é que ele guardou a frase com que agora me presenteia: “Os meninos, crus na experiência da vida, riem por trás da violência que grassa no mundo”. Os meninos continuam crus, riem por frente e por trás da violência e de tudo mais que grassa no mundo... Gostei da atenção e da solução. Isto sem se falar da boa memória de Marcus.
PhD em Educação E-mail que recebi esta semana:
“Meu professor no final da década de 60! Acho que vai ficar contente em saber que consegui ser PhD em Educação pela Universidade de Londres. Pena que não foi em Português... Apresentei tese muito longa e chata sobre educação médica no Brasil e no exterior. Caso tenha graves problemas de insônia, posso mandar a tese... Grande abraço do ex-aluno Marco Antonio G. Basso.” E a tese veio logo depois. Não é de causar insônia, mas sim muita reflexão, porque trata de estudar o comportamento de médicos em face dos grandes problemas da humanidade, como drogas, estresse, etc.
Caído da estante Minha intenção era retirar daquela prateleira bem alta um livro sobre discursos históricos, porque desejava conferir o poder de síntese de Abraham Lincoln na sua solene fala no cemitério de Gettysburg, em 1863. Em apenas vinte e quatro linhas impressas, disse tudo o que tinha de dizer, especialmente que “esses mortos não tenham morrido em vão, para que esta nação, sob a proteção de Deus, renasça em liberdade e que o governo do povo, pelo povo e para o povo não desapareça da face da Terra .” Pois não é que veio junto “O Livro Verde”, de Muammar Kadhafi? Eis alguns de seus conceitos: · Nada pode substituir o povo: a representação política é uma impostura. · O Parlamento é a ausência do povo. · Os Parlamentos são a falsificação da democracia. · As ditaduras mais tirânicas do mundo foram estabelecidas à sombra das assembléias parlamentares. · O partido político é a ditadura contemporânea. · A tribo é uma proteção natural, uma espécie de proteção social. · O ser humano continuará atrasado enquanto não for capaz de se expressar numa língua comum. Não são poucos os que abominam o sistema representativo, constituído de vereadores, deputados e senadores. Não são poucos os que votariam em favor de soluções drásticas, como pena de morte, prisão perpétua, mutilações, castigos corporais, supressão de eleições e suspensão de direitos individuais. O que mais contribui para isso? O péssimo exemplo das classes dominantes, especialmente os investidos de rendosas funções públicas e/ou de representação parlamentar. Quando um Salvatore Cacciola, trazido preso da Europa, mas sem algemas, diz que “confia na justiça brasileira”, dá ao sofrido cidadão comum o direito de acrescentar: - Ele pode confiar. É rico. Para ele a justiça funciona. Pode impetrar habeas corpus à vontade. Seus advogados estão de plantão. Triste, não?
26/07/2008
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