Os tempos são outros


Verde / Azul
- Maria Luisa Zulli -

Se você é daqueles sujeitos um tanto indagadores sobre o futuro de seus filhos e  netos, é bom que pergunte menos e se informe mais a fundo a respeito do que não só eles pensam, mas também sobre o que pensam deles.

Não lhes faça, por exemplo, perguntas diretas assim: “ O que você pretende estudar?”, ou “Em que ramo de atividade você deseja trabalhar?”. Eles não lhe responderão não porque não queiram, mas porque de fato não sabem.

 

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Lembra-se  daqueles velhos tempos em que um sujeitinho ainda estava na pré-escola e já sabia que carreira iria seguir?  Filho de médico só podia ser médico... Ou daquela jovenzinha tão esforçada e metódica que, no começo do ginásio, sabia  não só que vestibular na área de Educação iria prestar, mas onde faria especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado?

Com a complexidade dos tempos atuais, é praticamente impossível que alguém aos dezoito ou vinte anos saiba de verdade o que quer, qual a sua vocação, em que ramo de atividade se sairá melhor.

 

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É. Os tempos são outros. Agora o sujeito se forma em Direito e acaba momentaneamente empregado num setor ligado ao esporte. Outro se diploma em Biologia Marinha e se realiza em Psicologia Social.

Ou em outras palavras: as profissões por assim dizer ortodoxas estão cedendo o passo a um conglomerado delas, sem nenhuma certeza de colocações fixas e duradouras, contrariando o que sempre foi o sonho da tradicional família brasileira. Primeiro se formar, depois conseguir um bom e definitivo emprego e só depois pensar em casar. Hoje ninguém se preocupa com nenhum desses três passos.

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Já à minha volta, os exemplos florescem. Meu terceiro filho teve, há uns dez anos,  a coragem de se exonerar do cargo de juiz de Direito (era titular de vara na Capital e prestava serviços junto à presidência do Tribunal  de Justiça) para se arriscar, feliz da vida, como advogado profissional liberal. Claro que eu não disse uma palavra contra a refletida decisão que tomou, apenas sempre pensei que jamais eu teria coragem para tanto. Se tivesse tido quando a oportunidade me surgiu, minha vida teria sido outra, bem outra. Não necessariamente mais bem-sucedida ou mais feliz, apenas muito diferente.

Meu segundo filho, depois de concluir um belo curso eletrotécnico e seu puxado estágio, trabalhou em financeira,  em seguro bancário e resolveu ser promotor de Justiça! Claro que ainda sabe  instalar um chuveiro ou uma extensão de luz, conhece a hora de entrar/sair da bolsa, mas sua preocupação são as leis, principalmente as penais. Por outro ângulo, sua profissão o faz sempre lidar com pessoas em débito com a sociedade. Não deve ser fácil.

 

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Meus netos mais velhos também seguem essa mesma tendência de não se fixarem naquilo que estudaram. Um deles, depois de curso na Escola Superior de Propaganda e Marketing, prestou concurso na Nossa Caixa, passou, escolheu lugar e se exonerou logo que percebeu não ser nada daquilo o que queria: bancário, ainda que do Banco do Brasil. Hoje está em cidade do interior, lida com propaganda, associou-se ao pai em escritório de empreendimentos ligados à indústria sucroalcooleira. Gosta de escrever, colabora em jornal. Isso depois de morar uns anos no Canadá. Lá, trabalhou no que apareceu, foi até garçom, curtiu o frio e as belas paisagens.

Outro neto, com diploma de jornalista,  trabalhou uns tempos na Folha de S. Paulo.  De repente, desligou-se sem maiores dramas do jornal e caiu no mundo. Acaba de vir de longo estágio na Austrália, Nova Zelândia e agora se dedica, em São Paulo, a trabalhos  redacionais especializados, como autônomo... Ou seja, sem receio de arriscar, de inovar.

Um terceiro neto é mais conservador: arquiteto, trabalha como arquiteto e se dá muito bem em tudo que faz na Arquitetura. Cada um  é, mesmo, cada um.

 

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Tenho dois sobrinhos-netos que não rejeitam tarefas. Um deles, administrador de empresas pela USP, no momento trabalha numa dessas gigantescas multinacionais que engoliram dezenas de outras e têm interesses tanto na Venezuela quanto na China, tanto no Brasil quanto na Suécia. E ele viajando, conhecendo lugares e pessoas, acumulando aquilo que o também vagamundo Luís Vaz de Camões catalogou como saber de experiências feito.

O irmão dele, formado em artes visuais também pela USP, acaba de vir de estágio em Lyon, França, onde há mais de cem anos se originou o cinema, com os irmãos Lumière. Chegou, mal teve tempo de se acostumar ao fuso horário brasileiro e já foi convidado a trabalhar numa empresa do ramo.

 

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Ou seja,  esses jovens corajosos e bem-dispostos trabalham, viajam, experimentam, arriscam, comparam. Pode ser que daqui a um ano ou dois nem meus netos nem meus sobrinhos-netos tenham permanecido onde agora lutam com tanto afinco. Para eles o mundo é pequeno e as oportunidades tentadoras. Mudar de emprego e até de atividade é pouco mais do que mudar de roupa ou de carro.

 

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Pesquisa recente procurou retratar o perfil do profissional que grandes empresas contratariam a qualquer preço, por se tratar de gente de tanta capacitação, que os empregos é que correm atrás deles. Seriam sujeitos polivalentes, para quem jamais faltarão oportunidades de ganhar muito bem, cifras astronômicas,  com números cheios de zeros.

Quanto ao curso universitário que tenham  concluído, nenhum será mais bem-vindo do que o de Engenharia. O Brasil, na última década, quadruplicou seus investimentos em infraestrutura e não aumentou quase nada o número de novos engenheiros. Além disso, engenheiro pode combinar com especialização em finanças, ou com estágios no exterior, ou com capacidade de trabalhar em equipe. Se ele cursou MBA, se  tem ao menos dez anos de atuação no mercado, se domina o inglês, o espanhol e se arranha um pouco de mandarim, então se aproxima muito daquele profissional  tratado como joia rara, a quem se oferecem salários e outras recompensas impensáveis para o comum dos mortais.

 

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Há poucos anos, ninguém  seria capaz de imaginar a necessidade de existirem profissionais como os descritos abaixo:

- Multiplicador de grãos – aquele engenheiro agrônomo especializado em biotecnologia e por isso mesmo capacitado a possibilitar que a agroindústria continue aperfeiçoando seus métodos de produção.

- Criador de beleza – engenheiro químico ou farmacêutico que trabalha na criação de produtos dermocosméticos. O mercado brasileiro do setor de higiene e beleza é um dos que mais crescem no mundo.

- Especialista em ciência da computação, cuja missão é criar sistemas de gerenciamento  de filiais e de funcionamento de fábricas localizadas em distantes pontos do mundo.

-Gerente de contrato , engenheiro a quem cabe coordenar todas as etapas de uma obra. Em muitas cidades pequenas em que se erguem grandes projetos, esse profissional  precisa saber muito mais do que administrar os funcionários: cabe-lhe construir também uma boa relação da empresa com a população local.

-Especialista antiapagão  - engenheiro eletricista com larga experiência profissional, vivência na construção civil e pós-graduação em gestão de projetos.

-Economista digital, essencial para que bancos, seguradoras e empresas de meios de pagamento estejam sintonizados com as novidades da tecnologia digital.

Químico politicamente correto – engenheiro químico ou de minas com especialização em meio ambiente. As multinacionais exigem a presença  desse especialista nas mineradoras e indústrias de transformação.

 

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Então é isso: especializações em sintonia fina, polpudos salários, oportunidades mil. Nada, porém, que chegue perto daquilo que um futebolista de muita sorte vai ganhar no seu ocaso de carreira. Fico sabendo agora que Drogba, aquele marfinense do Chelsea que empatou a partida com o Bayern     de Munich e depois marcou o  pênalti que deu o título de campeão europeu ao clube inglês, vai jogar na China.

Vai ganhar  o equivalente a oitocentos mil reais. Por mês? Que nada! Oitocentos mil reais por semana.

A grande maioria dos assalariados no mundo todo não ganha essa bolada trabalhando durante a vida inteira.

 

26/05/2012
emelauria@uol.com.br)

 

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