Da semana

 
O jardinzinho da Várzea.

 

Héber Pereira Fontão

A morte de certas pessoas nos faz refletir sobre o que perdemos com seu desaparecimento, principalmente porque o vivido em comum é que faz a nossa própria vida  se tornar comprovável. Pouco somos sem o testemunho vital dos  outros. (Este é, aliás, um dos mais dolorosos dramas da velhice: o desaparecimento das testemunhas  presenciais do que se fez, do que se viveu.)

Héber era dessas pessoas que me remetiam ao passado escolar, ao passado das amizades, ao passado familiar. Meu colega de classe no duro curso Científico do “Euclides da Cunha”; marido de Lourdinha, a dileta amiga de Marina; filho de Antônio e Olga, irmão de Sueli,  minhas referências na Vargem Grande do Sul do início de minha carreira docente; pai de minha afilhada Maria de Lourdes e de seus  quatro irmãos: Antônio Fernando,  João Bosco, Paulinho e Heber Luís...

O sentimento de perda não foi só meu, mas de tantas outras pessoas que foram despedir-se dele na igreja de Santa Teresa. Ali jazia um bom amigo, um profissional dedicado, um homem posto à prova de mil maneiras pela vida toda.

 

García Márquez

Em meio ao marasmo da produção literária nacional dos anos sessenta, foi um choque tomar conhecimento daquele escritor tão diferente, que falava de um mundo criado por ele e que, paradoxalmente, continha elementos de nosso mundo rural brasileiro, ainda à espera de um escritor capaz de lhe buscar riquezas em suas fontes mais profundas. O que mais se aproximou disso foi Guimarães Rosa. Os dois sabiam que só o local, o regional têm força para explicar o universal.

O colombiano Gabriel García Márquez, como aconteceu com  tantos outros escritores (e cito Euclides da Cunha e José de Alencar), estreou com sua obra-prima –  Cem anos de solidão, de 1967. No surpreendente escrito, revelou a face épica vivida por uma família fictícia (Buendía), passada  arrastadamente na também fictícia cidade de Macondo.  A suma de seu enredo é mescla de lembranças pessoais e acontecimentos extraordinários, como a perda coletiva da memória. O livro é o começo de uma popularidade  incomum na literatura de língua espanhola, só comparável  à de  Cervantes e seu Dom Quixote, séculos antes.

García Márquez é tido como um dos pais do realismo mágico, gênero literário vigente nos anos 60 e 70, caracterizado pela inclusão de elementos  fantásticos no cotidiano ordinário, com isso criando condições excepcionais para fundas reflexões sobre a vida.

Ganhador do Nobel de Literatura de 1982, Gabo  viveu seus últimos trinta anos na cidade do  México, com sérios problemas de memória decorrentes  do mal de Alzheimer.

Uma frase sua, relembrada por Gilberto Gil: “ Todo mundo quer  viver no topo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma como ela é escalada”.

 

O Nobel para um brasileiro

Está difícil, dificílimo, que um escritor brasileiro venha a merecer a recepção do maior prêmio cultural do mundo – o Nobel, espécie de compensação ao remorso do sueco Alfred Nobel, que ficou riquíssimo com sua invenção de efeitos dos mais inesperados –a dinamite.

O prêmio é polpudo, cerca de um milhão de dólares  para cada categoria, entre elas a literatura, a paz, a física, a química...

Tornamo-nos cientes de nossa insignificância cultural quando ficamos sabendo que na Universidade de Bekerley, Califórnia, há um estacionamento de  veículos privativo de seus professores das mais diversas áreas do saber, desde que vencedores de um Nobel!

Já se cogitou das candidaturas de Guimarães Rosa, de Carlos Drummond de Andrade, mas tudo em vão. Escrevendo em nossa língua, apenas o escritor português José Saramago o obteve. E olhe que é um sacrifício ler Saramago, que tem uma espécie de santo horror às vírgulas e me faz lembrar a queixa do saudoso Prof. Hersílio Ângelo, reclamando  de um meu colega de classe no ginásio:

- O senhor quer me matar por asfixia! Não pôs nem um ponto, nem uma vírgula em mais de vinte linhas!

*

Já deve fazer quase vinte anos que se pensou no lançamento do respeitável nome de Francisco Marins, autor de  A aldeia sagrada, o livro de literatura infantojuvenil que desempenha muito bem o papel de introdutório à leitura de  Os sertões.

O processo de inscrição, complicado como poucos, chegou a ser enviado à comissão seletora em Estocolmo, na Suécia. A pedido de Marins, manifestei solidariedade à  iniciativa, em nome dos euclidianos de São José do Rio Pardo. Espero ainda encontrar cópia do nosso fundamentado documento de apoio à sua pretensão justíssima.

O batalhador Francisco Marins bem que o merecia, não apenas por A aldeia sagrada, mas pelo conjunto de sua obra  de tanta significação histórica e cultural e voltada para um público jovem.

 

Luciano do Vale, do vôlei, de todos os esportes

Quando a disputa afunilava entre Luciano do Vale e Galvão Bueno, jamais tive dúvida: eu era lucianista desde pequenininho. Não que de vez em quando os dois não se tornassem enjoativamente iguais no excesso de elogios, na falta de senso crítico e nas patriotadas sem justificado propósito. 

Lá uma vez ou outra, mais recentemente,  dava para perceber em narrações de Luciano do Vale pequenos lapsos, não sei se de memória ou mesmo de visão. Já eram sintomas de um longo processo de desgaste  que acabaria redundando em sua morte súbita, ocorrida num avião que o conduzia a Uberlândia. Quando na sintonia da TV Bandeirantes, a deseducada presença do comentarista Neto (apesar de corinthiano) muitas vezes me levou à procura de gente mais controlada no dizer as coisas, mesmo entendendo menos das táticas e segredos futebolísticos. Durante a última Copa das Confederações, gostei  da voz expressiva e do senso de humor do veterano e culto Mílton Leite (Sportv, canal 239, HD). Agora ele é meu favorito para a narração dos jogos da Copa-2014, se de fato ela acontecer, superando ameaças de toda ordem, desde promessas de sabotagem até greves do pessoal da segurança.

Luciano do Vale morre como uma quase unanimidade nacional no setor da vida esportiva que diz respeito ao estímulo a diferentes atividades. Foi decisivo o apoio que ele deu ao vôlei, ao pugilismo, ao automobilismo, ao atletismo.

 

Brasil – deserto de homens e de ideias

A frase, de completo pessimismo, é de Monteiro Lobato e já tem uns oitenta anos de vigência. Para confirmar sua tese, Lobato usava de estranhos argumentos, como o de na cidade de Buenos Aires haver mais livrarias do que em todo o território brasileiro.

Hoje, pelo jeito, a situação se modificou, não tanto pela abertura de livrarias no Brasil, mas sim pelo fechamento de muitas delas na capital argentina.

A prova atual da aridez que se abate sobre nosso país  está na comprovação, reiterada por pesquisas recentes, de que a queda da popularidade e da intenção de votos em nossa surpreendente presidenta  não está sendo acompanhada pela subida  de popularidade e de intenção de votos em ninguém que pudesse  opor-se a ela. Na verdade, os dois grandes adversários de Dilma são ela mesma e o companheiro Lula.

Quer dizer: o povo anda cansado, desiludido com seus governantes, mas não vislumbra ninguém com ideias e planos que acenem com substanciais melhorias num futuro próximo ou remoto.

Triste, não?

 

26/04/2014
emelauria@uol.com.br

 

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