Um
sonho
americano
A
viagem foi daquelas
sem
preparativos e
sem
tempo
sequer de
curtir as
preocupações próprias.
Quando dei
por
mim,
mesmo
sem
passaporte, estava
já
em
Nova York
em
animada
conversa
com
um
bando de
compatriotas
nossos, entalados
entre
sacolas e
pacotes,
metidos
em
pesadas
roupas invernais.
Alguns deles se mostravam preocupadíssimos,
não
porque na Disneylândia os obrigariam a
ver
um
vídeo
sobre boas
maneiras, e
sim
porque tinham tido
feios
atritos
com uns
tipos
grosseiros,
louros e
altos,
que queriam
porque queriam
cobrar
pedágio de
cada
um, numa daquelas
ruas
cheias de
lojas de
bugigangas.
Por
tudo o
mais
que
me disseram e
principalmente
por
eu
me
sentir
particularmente
conhecedor da
região
onde estávamos, pude informar-lhes (até
para
surpresa
minha)
que os
tais
bagunceiros eram irlandeses e
que o
grande
templo
onde
eles,
brasileiros, acabaram se refugiando,
era a
catedral
católica de
São
Patrício,
aliás
protetor da Irlanda.
Não tenho
certeza se
lhes disse
algo
mais
sobre o
assunto; recordei
comigo,
porém, as duras
lutas religiosas, o
IRA, as muitas
tragédias
que se abateram
sobre
aquele
país
que vive
ainda
hoje
sob o
tacão dos
soldados ingleses. Lembro-me,
isto
sim, de havê-los advertido
sobre a
ocorrência,
mais
que
centenária, de
confrontos
entre
esses
tipos
louros,
altos,
com italianos
imigrantes,
quase
sempre
morenos e
baixos. Meteram-se
ambos os
povos
em
toda
espécie de
encrenca,
desde o
comércio
ilegal de
bebidas,
até o
controle
sangrento de
pontos de
jogo e de
prostituição –
coisas de
ínfimo
nível,
enfim.
Apanhei-me numa
pequena
loja situada num
segundo
ou
terceiro
andar: no
elevador
eu
já
vinha prestando
incomum
atenção à
qualidade das
roupas das
pessoas. Agradou-me
particularmente a
beleza de
um
blazer,
botões
dourados e
vivos
pespontos
com
linha
vermelha. Tirado o
detalhe do
pesponto,
era
muito parecido
com uma
peça
que,
tempos
atrás, recusei-me
solenemente a
envergar.
Dentro da
loja vi
passar
pela
minha
frente
cortes e
cortes de
tecidos,
finos,
vistosos,
originais. Cheguei a
fazer
para
mim
mesmo algumas depreciativas comparações
com os
produtos
nacionais.
Além de
tudo, os
preços, colocados
em discretas
etiquetas,
me pareceram
bem
convidativos.
Nada comprei,
nem
para
mim,
nem
para
meus
familiares e
amigos,
mesmo
porque
dentro da
minha
cabeça
algo
me advertia
que
eu estava
sem
dinheiro
local e
sem
nenhum
cartão de
crédito de
validade
internacional. Sabia,
contudo,
que no
bolso
interno de
minha
jaqueta esta
um
talão de
cheques do finado
Banco F. Barreto. À
vista de
tudo
isso,
nem
me atrevia
percorrer a
loja,
mesmo
porque
eu sentia
que
minha
memória
não abrigava (não
sei se
apenas temporariamente) a
mínima
frase
em
inglês.
Bem
que tentei,
mas
com
sacrifício e
tudo,
não
me ocorreu
nem a
mais
fundamental das
indagações turísticas: How much?
Enquanto
me afundava naquela
traiçoeira
amnésia
lingüística,
eu
me recriminava
pelo
triste
papel
que vivia
ali:
um
brasileiro
que podia
ser considerado
pão-duro.
Exatamente
eu
esse
brasileiro, numa
época
em
que somos tidos
como turistas dos
mais
gastadores,
ou
melhor dizendo,
esbanjadores.
Ignoro as
razões
que levaram
aquele
pessoal a se
aglomerar na
sala de
espera de
um
dentista,
pelo
jeito reputadíssimo.
Eu devia
ter
hora marcada
para atendimento,
pois
sem
mais
nem
menos
me vi sentado
em
sua
cadeira de
trabalho,
ele mexendo
em
minha
boca
com apurada
técnica, a
ponto de
eu
nada
sentir. À
minha
volta, os
brasileiros se confraternizavam, envergando
trajes de
festa e bebendo
champanha
cor de
champanha servida
em
taças finas e
altas, iguaizinhas àquelas
que vêm de
brinde
nos
estojos de Codorniú, cordon noir.
Sem
nada
falar, o
dentista
me transmitiu má
notícia: havia extraído (e
eu
nem percebi!)
meu
incisivo
lateral
direito (inferior).
Naquele
dia –
um
sábado --, espantei-me de
ver
alguém
tão
conceituado
trabalhar aos
sábados,
ele
nada
mais podia
fazer
por
mim.
Ainda de
boca
aberta, lembrei-lhe
que
eu deveria
viajar no
dia
seguinte, de
tal
forma
que...
Não gostei de
seu
dar de
ombros,
como
que
me informando
sem
palavras: “Problema
seu”.
Minha
decepção
com o
dentista
americano foi
total. Comecei a passar-lhe uma
reprimenda,
mas desconfio
que
minha
voz esganiçada de
raiva se acabou confundindo
com o
grasnar de uma galinhas- d’angola
que todas as
manhãs,
desde
muito
cedo, perturbam o
sossego de
todos
aqui
em
casa.
26/02/2005
(emelauria@uol.com.br)
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