Carta aos filhos do José Affonso

 

São José do Rio Pardo, 10 de janeiro de 2008

Prezados Renato, Eduardo e Beatriz:

Achei muito interessante a idéia de vocês recolherem depoimentos, impressões e lembranças que tenham, de algum modo, relação com o José Affonso.

Como vocês não estabeleceram limite para a exposição, fico à vontade para escrever ao correr do micro, já que não é aconselhável empregar a velha expressão ao correr da pena, que com certeza lembrará a tantas pessoas de nossa geração o currente calamo, como preferia nosso amigo comum, José Magalhães Navarro, de saudosa memória.

Não me lembro desde quando conheço José Affonso Corrêa Netto, mas certamente anda perto dos sessenta anos.

O irmão dele, Francisco, foi meu colega de turma na 2.ª série do ginásio, no “Euclides da Cunha”, logo depois da construção da pirâmide de Quéops, com exatidão em 1944, d. C., naturalmente.

José Affonso entrou para minhas amizades por causa de duas pessoas – Marina Faria Parisi  (com quem me casei há meio século) e Terezinha de Jesus Feijão, nossa colega na Escola Normal. Formamo-nos os três a 20 de dezembro de 1949, com Terezinha ganhando uma cadeira-prêmio (coisa de país civilizado) por haver concluído o curso com a maior média.

Foi, porém, na Gazeta do Rio Pardo, a partir de 1952, que tivemos contatos mais amiudados e muito proveitosos para mim, iniciante na colaboração jornalística. A Gazeta, antes um semanário que às vezes se dava ao luxo de sair com páginas em branco, por absoluta falta de assunto, na cansada óptica do bom Valêncio Bulcão, passou por reforma completa, instalando linotipo, impressora de alta capacidade e ocupando instalações muito confortáveis no prédio situado na confluência das ruas Saldanha Marinho e Campos Sales. E melhor que tudo, empregando gente com idéias arejadas como o pai de vocês.

Lá apreciei o desembaraço e a criatividade do José Affonso, que escrevia na minha frente muitos textos, sem deixar de participar das prosas que aconteciam a seu redor. Eu tinha uma santa inveja dele, seja pela capacidade de concentração,  seja pela escrita escorreita, seja pelo domínio da datilografia, seja ainda pela abrangência dos assuntos a que dava feição jornalística moderna, precisa e concisa. Muito aprendi com ele, assim como aproveitei as lições que imperceptivelmente me dava quanto à propriedade de uma palavra ou expressão, quanto ao enfoque adequado de tal ou qual assunto. Devo-lhe ainda, por exemplo, o título de uma das primeiras seções que mantive no jornal, uma coluna estreita com notícias de todos os lugares do mundo, colhidas nas mais diversas fontes: Altos & Baixos...

Aí José Affonso e Terezinha se casaram, mudaram-se até para Porto Alegre, voltaram para São Paulo. Mantivemos sempre que possível contato e convívio que culminaram com inesperado e honroso convite: que Marina e eu fôssemos padrinhos de batismo do Eduardo, o segundo filho. Não me considero padrinho exemplar, mas acompanho com vivo interesse a vida de meu afilhado e de seus irmãos.

Marina e eu conversamos hoje sobre vocês três, cada um se lembrando de um traço, de uma virtude, de uma passagem. Mas não nos dispersemos. O tema é José Affonso e seus inacreditáveis oitenta anos. Como diria um personagem de Machado de Assis, “não os parece”, ou seja, não os aparenta. Para pessoas como ele, que guardam a juventude do espírito, a idade provecta  sempre é motivo de surpresa. “Como? Eu cheguei aos oitenta?” A razão da sincera interrogação é que tanto o coração quanto a mente se mantêm com a força não digo da mocidade, mas da maturidade produtiva e lúcida. Adoto esta mesma linha de raciocínio e esta mesma percepção com os meus setenta e cinco anos. “Não os pareço” também, embora nunca saibamos o que pensam a respeito nossos filhos e nossos netos. Quem sabe para estes últimos somos tão velhos quanto imaginávamos em crianças a velhice de nossos pais, de nossos avós...

Num retorno meio provisório de José Affonso a São José – isso lá por 89 ou 90,  ele demonstrou vontade de dar aulas de inglês no curso de Letras da Faculdade de Filosofia. Falou comigo, mas eu, como diretor,  fui obrigado a tirar a idéia de sua cabeça, porque quase sempre no Brasil vale o diploma e não a prova provada de verdadeira capacidade. Continuo imaginando como teriam sido beneficiados os alunos que tivessem tido contato com José Affonso e seu inglês culto, verdadeiro, atualizado. Pena.

Fiquei muito satisfeito com sua decisão recente, de cerca de um ano, em escrever para o jornal Democrata. Assim que ele falou comigo a respeito, fomos à direção do semanário, que de imediato aprovou seu nome e o colocou entre os colaboradores permanentes. Como era de se esperar, têm saído belos artigos que resgatam figuras humanas relegadas ao esquecimento, corrigem tendenciosas interpretações sem fundamentação histórica, esclarecem episódios ligados à cidade, a São Paulo, à política brasileira.  José Affonso continua o jornalista atento, capaz  de valorizar temas e trazer à tona fatos que o ligam sempre à atualidade do Brasil e do mundo.

Não posso dar certeza de estar presente  à festa do dia 26 de janeiro: há sempre fatores que têm a força de superar nossa vontade. Desde já, portanto, Marina e eu lhe enviamos abraços da mais sincera amizade e das mais cordiais felicitações pela sua chegada a um dos topos da existência.

 

A vocês três, parabéns pela feliz idéia.

Abraços do

Márcio José Lauria

 

26/01/2008
(emelauria@uol.com.br)

 

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