O MITO DA FELICIDADE

 
"De lá do alto"

        

Você prestou atenção a quantas vezes empregou, nos últimos  meses, a palavra felicidade(s)?

Não deixa de ser uma boa expressão de vontade real ou apenas formal. Mas a verdade é que no mundo ocidental quem não é feliz sente-se excluído e fracassado, como se a felicidade fosse um bem negociável. Daí a importância de a desejarmos a outrem, para que  nos seja também vaticinada.  Poucos pensam na felicidade como uma conquista individual e efêmera, tão individual e tão efêmera, que as pessoas obcecadas em conquistá-la sofrem em dobro e perdem as perspectivas das pequenas alegrias da vida. Não será exagero, por isso, pensar-se na existência de uma espécie de tirania da felicidade.

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Segundo os estudiosos do assunto, entre eles o romancista e ensaísta francês Pascal Bruckner, já no século XVIII a felicidade  deixara de ser um direito para se tornar um dever, mas foi a partir de 1968, quando o mundo conheceu uma revolução sem tiros, feita em nome da alegria, da expressão da voluptuosidade, que a felicidade, como sinônimo de prazer, se tornou o principal valor da sociedade hedonista, consumista, capitalista.

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Muito antes disso, já na Declaração da Independência dos Estados Unidos (4 de julho de 1776), são tidas como evidentes por si mesmas as seguintes verdades: todos os homens nascem iguais  e são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis: a vida, a liberdade e a busca da felicidade. É bem certo que o desejo dos pais da pátria norte-americana, conforme expresso num rascunho do documento, era que os tais direitos inalienáveis fossem a vida, a liberdade e a propriedade, quem sabe a forma palpável da felicidade. Para não acirrar os ânimos dos antiescravagistas, esse total direito de propriedade foi amenizado com a tal busca da felicidade...

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É de se indagar onde está o erro dessa busca de felicidade. A maioria dos pensadores responde  que o erro está no esquecimento de que ninguém pode dizer o que o outro deve procurar, tanto individual quanto coletivamente. No campo pessoal, exemplo marcante dessa difícil busca da felicidade está em alguém querer determinar o futuro de outrem, mediante a imposição de profissões, de amizades, de uniões conjugais arranjadas... No âmbito coletivo, todas as utopias sociopolíticas, da espécie do comunismo, fascismo, nazismo, liberalismo, anarquismo...

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Chamou-me a atenção, num texto de Bruckner, sua afirmação categórica: “É perigoso achar que a existência só tem validade se a pessoa encontrar a felicidade. Essa é apenas uma das possibilidades na vida. Há várias outras, como a paixão e a liberdade”. Tópico que merece muita reflexão e aprofundamento, sem dúvida. Não hoje, porém.

Os pesquisadores sociais contemporâneos têm distinguido facetas inesperadas no problema “felicidade”. Muitos deles consideram que a questão não está numa unanimidade em torno de um conceito de felicidade; está, antes, na forma da procura, que tem levado milhões de  pessoas a não encontrá-la,  ao mesmo tempo que acabam privando-se de pequenos prazeres e pequenas alegrias,  que deveriam ser consideradas como formas não continuadas da própria felicidade.

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Difícil, ainda, nos dias de hoje, não se cair na armadilha da confusão entre felicidade e bem-estar. O dinheiro, tantas vezes elevado à condição do elemento indispensável no encontro da felicidade,  quase sempre não vai além de propiciador do bem-estar. Se nos países pobres a felicidade o mais das vezes é vista como a ausência da tristeza causada pela pobreza, pela fome, pela doença, nos países ricos, em que as pessoas dispõem de certa renda, têm casa confortável, muitos bens materiais e sempre comem normalmente, a felicidade haveria de ser compulsória. Pois não é isso que acontece: nos Estados Unidos, na França, na Inglaterra, os medicamentos mais vendidos são os antidepressivos; é na Suécia que se registram as mais altas taxas mundiais de suicídios – o que comprova que o dinheiro não traz felicidade, embora quase sempre crie a facilidade de ela ser encontrada... Tanto é assim, que demonstrações exteriores de felicidade viraram status. Elas valem mais do que o dinheiro em si: muitos ricos, em outras épocas até preocupados em não dar sinais exteriores de sua riqueza, agora fazem questão de se mostrarem em todos os meios de comunicação, com exibições explícitas de seus carros de luxo, de sua capacidade de bem recepcionar,  de sua vida amorosa extraordinária, de seu sucesso social, financeiro e até moral. Sim, para que, por exemplo, contribuir com instituições beneficentes sem que ninguém fique sabendo? Como disse Machado de Assis em outra situação, muito mais importante do que o pecado é a divulgação do pecado... Ou adaptando a frase ao tema: muito mais importante do que a fortuna é a exibição da fortuna.

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Assim, apesar de todas essas formas atuais da felicidade, com pessoas correndo atrás dela pela vida toda, o que se percebe cada vez mais é uma inquietação permanente e uma inconfessada admissão de fracasso nessa corrida. Daí à angústia é um pequeno passo. E a pretensa felicidade vira prisão.

 

 

Fiquei muito feliz com tantas manifestações por causa de minha palestra no dia 14 de agosto.

Agradeço a todos que se expressaram de viva voz ou por escrito, em e-mails ou através do Democrata e da Gazeta do Rio Pardo.

Tocou-me profundamente a solidariedade do grande público que compareceu ao belo auditório do Centro Cultural
Ítalo-Brasileiro.

 

25/08/2012
emelauria@uol.com.br)

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