Certos nas horas incertas

Na tardinha de terça, 21 de abril, eu via com satisfação Alice, minha neta caçula, demonstrando suas habilidades de nadadora na piscininha aqui de casa. Além da corujice natural de avô, havia outro motivo: poder dar atenção à menina de seis anos era o indício seguro de estar terminada uma triste fase de alguns meses em que só se pensou  na precariedade do estado de Marina, minha mulher.

Ela acabou sucumbindo à doença, que a encheu de dores insuportáveis, mesmo contando com os mais modernos recursos médicos e com que de mais forte se pode aplicar numa pessoa. Enfrentou, há pouco mais de um mês, uma cirurgia radical que se pensava trouxesse ao menos certa pausa em seus sofrimentos físicos. Em vão: quando se imaginava que dali a uns dias ela deixaria o Instituto do Câncer do Hospital das Clínicas de São Paulo, a mesma doença de que muitos nem gostam de lembrar o nome manifestou-se de novo e de forma arrasadora.

Foram dias e noites de extrema preocupação, de luta, de vigília familiar. Minhas filhas, meus filhos, minhas noras foram de inigualável dedicação.

Finalmente, na tarde de 20 de abril, Marina encontrou a paz.

Mas o que me leva a escrever sobre tão penoso assunto é o dever de um agradecimento que nossa família cumpre com altíssimo número de pessoas  que foram à Igreja de São Roque e ao cemitério prestar sua homenagem a Marina. Bem mais de mil amigos e amigas de todas as idades e de todas as condições lá estiveram manifestando o pesar da comunidade pelo falecimento de uma senhora que, mesmo sob o peso da idade e da doença, jamais perdeu a fé e um alto sentido de caridade. Igualmente consolador o número de e-mails, telegramas e telefonemas que nos foram dirigidos.

Um de nossos filhos, surpreendido com esquecidas pessoas que lá foram, às vezes com grande sacrifício pessoal, disse que revia naqueles rostos  a própria história de nossa família ao longo de mais de meio século.

Amigos de infância, parentes de perto e de longe, vizinhos, colegas de escola, companheiros de magistério, integrantes de organizações administrativas,  educacionais, profissionais, políticas, sociais e religiosas confortaram-nos com a presença e com palavras de sincera amizade.

As companheiras (verdadeiras irmãs de Marina) do Movimento dos Focolares externaram de modo admirável seu amor por ela, encarregando-se da organização dos atos religiosos que culminaram com a incomum celebração de três missas de corpo presente.

A primeira delas, logo à chegada do esquife, representou a homenagem da Abadia de São Bernardo e da Paróquia de São Roque a uma colaboradora de muitos anos. O Abade Dom Paulo Celso Demartini, meu aluno em outras eras e conhecedor da longa atividade catequética de Marina, desvelou-se em atenções. Embora voltando de cansativa viagem ao Rio de Janeiro e prestes a embarcar para o Chile, celebrou missa por volta das dez horas da noite do dia 20. Sua homilia foi profunda, emocionada e tocante.

Na manhã de 21, o Padre Pedro, na missa costumeira das 7:15,  contribuiu com seu testemunho de reconhecimento ao trabalho de tantos anos de Marina.

O Cônego João Antônio Darcie, em homenagem a Marina e família, tomou a iniciativa de celebrar missa de despedida, às 10 horas. Foi preciso e conciso na sua homilia de menos de dez minutos, em que uniu o tema do evangelho do dia e o lema dos cistercienses: Ora et labora (reze e trabalhe).

À saída do féretro, a igreja estava repleta de pessoas que num gesto espontâneo se puseram a aplaudir sua passagem.

Nossa boa amiga Ana Cristina Fontão encarregou-se do canto e das orações finais  ao pé do jazigo em que Marina foi sepultada. Incontável o número de coroas, vasos e buquês.

Saímos todos confortados com a inesquecível sensação do dever realizado e de que Marina cumprira com o máximo empenho todas as missões que lhe couberam na vida, como pessoa de fé robusta, esposa, mãe, educadora.

Através do jovem médico Marcelo Simas de Lima, filho de Ana e Marcos Pereira de Lima, nosso agradecimento mais profundo  a todos quanto, no Instituto de Câncer, deram o melhor de si para minorar os sofrimentos de Marina. Médicos, enfermeiros, psicólogos, atendentes, encarregados dos diversos serviços da UTI excederam os estritos limites do dever profissional  e estabeleceram  com ela  relações afetivas  de incomum intensidade.

O nosso penhorado reconhecimento a todos.

 

 


Enedina Franco de Aguiar, Marina, Marly Terciotti

 

 


Márcio, Marina e Rodolpho Del Guerra

 


Márcio e Marina

                       

25/04/2009
(emelauria@uol.com.br)

 

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