Trocando em miúdos
ESTRANHO CONCEITO DE DÍVIDA Estão na “Gazeta do Rio Pardo” de 17 de novembro, página 3, declarações atribuídas ao atual diretor da Faculdade de Filosofia (FEUC) , segundo as quais a escola “de 1999 para cá acumulou um débito que chegou em 2005, ano em que ele assumiu a direção, a quase R$ 2 milhões”. Ora, pelo que se sabe, o débito é dos alunos, não da Faculdade. Ela é credora deles e luta para receber ao menos parte do que lhe é legalmente devido. Quando terminei meu mandato de quatro anos como diretor, a 31 de dezembro de 2000, a Faculdade nada devia a ninguém e tinha em caixa exatamente R$ 745.878,29, passados para o exercício seguinte. Estavam quitadas todas as aquisições da instituição, assim como pagos todos os salários e todas as obrigações previdenciárias. Professores e funcionários receberam três pagamentos naquele mês: o correspondente a novembro, o décimo terceiro e o de dezembro (antecipado). Isso apesar da inadimplência de muitos estudantes, realidade inevitável em toda escola paga, no Brasil, desde os tempos do Collor, que institucionalizou o calote escolar, dificultando a cobrança dos alunos em débito. Em resumo: em 2000 a Faculdade não tinha débitos, como não os teve em 99, 98 e 97... Qualquer dúvida a respeito da equilibrada situação econômico-financeira da FFCL no quadriênio 1997-2000 pode ser esclarecida mediante consulta aos documentos contábeis, de caráter público e aprovados pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.
HERÓI DOMÉSTICO A brava e demorada luta travada pelo corajoso PMG, o rapaz que perdeu uma perna e logo depois foi abandonado pela mulher, ficando sozinho com dois filhos muito pequenos, tocou o coração de muita gente. Foram muitas as mensagens escritas e verbais recebidas. Uma delas abordou de modo original a questão. Escreve a leitora que fatos como aquele devem mesmo ser divulgados não apenas para realçar a notável persistência e senso de responsabilidade do rapaz, mas também para as pessoas perceberem que hoje muitas mulheres, ainda que tendo as duas pernas, cuidam sozinhas da casa, dos filhos, do trabalho, enquanto os maridos, ao primeiro sinal de dificuldade, abandonam o barco e desaparecem do mapa. A realidade só comprova a observação. Também foi evidenciado o cuidado em não se tratar o assunto de modo sensacionalista e demagógico. Antes isso.
MEXENDO EM VESPEIRO O assunto da semana passada provocou reações muito desencontradas, todas expressas com bom humor e uma ponta de surpresa pela falta de “erros” naquelas frases todas... Ora, pensei comigo, não teria cabimento apresentar sentenças defeituosas apenas para medir a paciência dos leitores. O que me interessou principalmente na elaboração da matéria foi tratar de assuntos tidos por difíceis como concordância, colocação, conjugação, ortografia e apresentar alguns dos muitos recursos da língua portuguesa que poderiam ser explicados com brevidade e lógica. Recursos que só usa quem quer e pode. Um velho amigo foi apanhado pelo seu incomum hábito de ler jornais a partir da última página, onde mandei pôr a advertência de que todas as frases estavam corretas... Reclamou muito por isso, porque chegou ao meu texto sabendo que tudo estava certinho. Aí passou a querer saber por que tudo estava certinho... Por causa disso, pediu esclarecimento sobre algumas frases, principalmente as duas primeiras, que tratam das diferenças de construção quando se emprega haver, no sentido de existir e quando se usa o próprio verbo existir. Esse tipo de dúvida assalta muita gente, em especial políticos, que fazem um total imbróglio com a questão, que não é tão difícil assim... Outro leitor, conhecido por sua franqueza corajosa, disse-me que o assunto era muito chato e que não achara as prometidas respostas na última página. Penso que ele esperava um quadro de meia página, e não um aviso de duas linhas. Dois internautas me garantiram que vão espalhar o assunto pelo mundo todo, porque brasileiros residentes no exterior apreciam muito essas questões que os convidam a pensar de novo em português. Recebi, ainda, duas solicitações de transcrições em jornais do interior paulista e uma pedido de autorização para incluir a matéria num blog. Menos mal.
DESENTERRANDO DEFUNTOS Leio na revista “Mais!”, da Folha de S. Paulo de 18 de novembro, que está saindo, pela Editora Albatroz/Loqüi/Terceiro Nome, a Crônica de uma Tragédia Inesquecível (36 reais, 232 páginas) – reprodução integral de um arrastado processo judicial, com transcrição de testemunhos, libelos, relatórios policiais, apelações e sentenças – tudo referente ao julgamento de Dilermando de Assis, que matou Euclides da Cunha, a 15 de agosto de 1909. O autor da matéria jornalística é Luiz da Costa Lima, que comete ao menos um deslize ao afirmar que a estada de Euclides na Amazônia demoraria de dezembro de 1905 a janeiro de 1906 - pouco mais de um mês. Na verdade, ele partiu para lá em dezembro de 1904, só voltando ao Rio de Janeiro no início de 1906. Mais de um ano, portanto. Faz a apresentação do indigesto processo a Prof.ª Walnice Nogueira Galvão, com certeza a propósito do próximo transcurso do centenário da trágica ocorrência. O desfecho do julgamento – absolvição de Dilermando com a aceitação pelo júri popular da tese da legítima defesa, apresentada por Evaristo de Morais (rábula, não diplomado), advogado do réu, causou à época justa revolta entre os muitos admiradores de Euclides. Revolta mais tarde exacerbada por outra absolvição do mesmo réu graças à mesma tese, no processo em que perdeu a vida Euclides da Cunha Filho (1915). O Direito brasileiro tratava com extremos cuidados tudo o que se referisse ao tema adultério, crime que só poderia ser alegado pelo cônjuge ofendido (ação privada). Euclides jamais o alegou, embora tivesse ido à casa de Dilermando para desagravar a sua honra doméstica. Hoje adultério não é punível penalmente, só acarretando conseqüências na esfera civil. Outra decorrência da absolvição de Dilermando de Assis foi que ele e a viúva de Euclides (Ana Sólon Ribeiro) puderam casar-se, ter outros filhos e ainda ser muito infelizes, com o abandono dela pelo então marido, que a substituiu por outra, bem mais nova. Não seria possível o casamento dos dois se tivesse havido condenação pela prática do adultério...
TROPA DE ELITE Considerei obrigatório assistir ao filme, campeão brasileiro de bilheteria este ano. Fui ao Colombo na terça-feira e me espantei com o elevado número de jovens espectadores, com idade bem abaixo dos dezesseis exigidos pela censura. Violentíssimo, muito real e perturbador. Creio que fez mal à maioria dos assistentes, ainda mais que revela uma situação que, como analisou o Jornal do Brasil há tempo, nasceu da conivência da classe média carioca, que primeiro aceitou a corrupção policial nascida com o jogo-do-bicho e depois tirou proveito do pequeno tráfico nos morros tão próximos a Copacabana, Ipanema, Leblon. Hoje, existe no Rio de Janeiro um poder paralelo que preenche a ausência dos órgãos do Estado e torna impossível o efetivo combate ao banditismo. A topografia ajuda. Situação dramática, sem nenhuma solução à vista.
24/11/2007
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