Maratona: um concurso de alto nível

            Os semanários locais deram  destaque aos resultados da Maratona Intelectual Euclidiana efetuada no dia 14 de agosto de 2005. E fizeram  bem ao ressaltar o evento, de muito significado na vida de centenas de estudantes do ensino médio.

            Depois de  anos de afastamento da avaliação desse concurso estudantil, retomei coragem e assumi a responsabilidade de ler criticamente tantas provas, exatas cento e cinqüenta e seis, redigidas por alunos vindos de diversos estados brasileiros, mas em sua maioria de São Paulo e  acentuadamente de São José do Rio Pardo. Havia mais inscritos, mas  nem todos  compareceram à prova.

            O próprio nome Maratona sempre procurou dar a idéia de que se tratava de algo competitivo, absorvente, apaixonante. Assim pensava o Prof. Hersílio Ângelo, seu instituidor nos longínquos anos quarenta. Realizá-la todos os anos, sem nenhuma interrupção, é feito ímpar na história estudantil brasileira, por vezes cheia de novidades bem-intencionadas que não prosperam.

Como professor  de Português no então Instituto de Educação Euclides da Cunha, envolvi-me de corpo e alma com o  euclidianismo, nele permanecendo até hoje. Coube-me, junto com o saudoso e prematuramente desaparecido Prof. Dermal de Camargo Monfré, dar forma ao Ciclo de Estudos Euclidianos (por volta de 1962), através do qual se passou a ministrar aulas intensivas aos inscritos na Maratona, durante a Semana Euclidiana. A idéia de melhor preparar os alunos no conhecimento das diversas facetas da obra euclidiana, como Literatura, História, Geografia, Sociologia, elevou notavelmente o nível dos trabalhos  apresentados e passou a ser, mesmo, a atividade cultural de maior amplitude dentro das Semanas. Por  anos fui o coordenador dos Ciclos, de tal forma que tenho como estabelecer parâmetros e tirar conclusões a respeito da própria qualidade dos maratonistas, ao longo de tanto tempo.

            De competição com participação restrita (um aluno por escola convidada), a Maratona foi evoluindo para concurso mais aberto, tão aberto ultimamente, que foi preciso estabelecer alguma forma  de garantir um nível mínimo na qualificação dos concorrentes, muitos dos quais antes interessados nos aspectos de convivência, lazer, atividades paralelas  prazerosas no decorrer da Semana. Ganhou corpo a figura do maraturista – inscrito de pouca freqüência às aulas, de atitudes desrespeitosas até durante palestras da melhor qualidade, de rendimento abaixo da crítica nas provas da Maratona... Tudo isso levou o Conselho Euclidiano (órgão de assessoramento gratuito à direção da Casa de Cultura Euclides da Cunha) a sugerir algumas medidas corretivas na aceitação de candidatos, no desenvolvimento das atividades do Ciclo, no melhor aproveitamento da capacidade dos professores palestrantes, na elaboração de regras de vigência que se espera permanente, tanto nas aulas quanto na avaliação das provas. O resultado da Maratona de 2005 traz em si algumas decorrências das acatadas sugestões do Conselho Euclidiano.

            Antes de iniciar meus contatos com as provas da Maratona-95, de autoria de alunos inteiramente desconhecidos por mim, procurei estabelecer critérios gerais de avaliação. Perguntei-me a mim mesmo se o que se desejava de um bom maratonista há vinte ou mais anos era viável hoje. Cheguei à conclusão de que sim, desde que levadas em conta as profundas modificações sofridas na influência da escola no próprio processo educativo. vão longe os tempos em que a escola como instituição era o principal agente de formação educacional. Hoje, ainda as melhores com todo o apoio da família lutam em desvantagem contra a televisão, contra a linguagem cifrada da Internet contra as facilidades de comunicação de massa em que se dá total prioridade à expressão oral, em detrimento da escrita.    Leitura, guardadas as exceções que apenas confirmam a regra, passou a penoso exercício meramente escolar imposto aos alunos, ardorosos admiradores do audiovisual. Ora, nãoquem deixe de reconhecer a importância do hábito de ler reflexivamente na criação do que se costuma chamar vida interior. Quem não , dificilmente tem matéria de reflexão, como dificilmente terá um substituto da leitura de obras de algum valor na aquisição de bons hábitos lingüísticos. Lê-se também para se aprender a escrever,  para haver a internalização da índole da língua nacional em seu padrão culto, de sua coerência frasal, de sua capacidade expressiva, de sua gramática funcional, de suas regras de trânsito (pontuação, virgulação), de sua estruturação sintática (concordância, regência e colocação), de suas convenções na apresentação dos vocábulos (ortografia), de seu tributo às próprias origens (conjugação de verbos)...

            Procurei sintetizar estas altas aspirações num critério de avaliação segundo o qual uma prova ideal de Maratona deve ser reveladora de:

- conhecimento específico das questões propostas, com demonstrações de aproveitamento das aulas do Ciclo de Estudos Euclidianos;

- conhecimento genérico da temática euclidiana;

- clareza e correção formal na exposição:

- adequada argumentação e conclusões pertinentes.

            Alguém, preocupado com a democratização do ensino, dirá que as exigências  expostas estão muito acima do que as escolas vêm oferecendo à sua clientela. Concordarei em tese com essa argumentação, mas direi que não se pode tirar da Maratona  certo caráter elitista, reduzido quase a zero o ranço de elite. Nãocomo não considerar a Maratona uma competição entre melhores. Não é isso que fazem as escolas, os professores ao indicar seus maratonistas?

            Daí ser inevitável que na avaliação das provas da Maratona acabem aparecendo as  vantagens que levam os alunos com hábitos de leitura ao longo de muitos anos de estudos, ou os  que puderam conviver em ambientes onde a língua é falada com correção e clareza. Quem não tiver a seu favor fatores como os dois apontados, estará fadado ao insucesso? Não, necessariamente: apenas precisará de mais esforço pessoal para suprir essas deficiências socioeducacionais.

            Uma vez aceitos como educacionalmente defensáveis os critérios de avaliação acima apresentados, caberá à Casa de Cultura Euclides da Cunha alertar as escolas que desejem enviar representantes às próximas edições da Maratona sobre o que lhes será cobrado: os alunos não podem vir ao Ciclo de Estudos sem um mínimo conhecimento  da biobibliografia euclidiana e da importância do próprio Euclides na cultura nacional. Não poderão esses alunos  deixar de aplicar-se, e  muito,  às exposições do Ciclo de Estudos, porque das propostas dos professores do próprio Ciclo é que sairão as questões da Maratona. Precisarão ser cuidadosos no escrever, preocupados com clareza, com correção formal, com lógica de raciocínio e até com... higiene!

            Constantes depoimentos de maratonistas deixam clara a importância ímpar que é para eles a participação na Maratona. Pela concentração de estudos, pela variedade de temas, de expositores e de estratégias didáticas, o Ciclo de Estudos Euclidianos tem nível de aproveitamento superior ao de um conjunto de aulas comuns.

 Que, enfim, os futuros maratonistas venham para a Semana Euclidiana munidos de conhecimentos básicos e advertidos de como suas respostas serão comparadas e avaliadas.

 

24/09/2005
(emelauria@uol.com.br)

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