O VELHO MESTRE

 

Meu caro Antônio Fernando de Sylos:

 Às vezes cometemos injustiças com os outros, achando que eles é que são injustos.

Foi o pensamento que me ocorreu durante o velório do Prof. Vinício Rocha dos Santos: tão pouca gente prestando homenagem a uma figura singular em nossa acanhada vida cultural. Depois, pensando melhor, cheguei a uma outra conclusão, que nos cabe a todos: há uma hora adequada de se morrer – nem muito moço, nem muito velho. E o Prof. Vinício morreu muito velho, aos noventa e seis.

O que quer isso dizer? Que ele enterrou muita gente, muito colega e muito ex-aluno. O resultado é que pessoas com trinta e poucos anos de idade não o tiveram como professor ou diretor e, portanto, nada sabem de sua atividade no “Euclides da Cunha” e na antiga Associação de Ensino.

Quem foi aluno do Prof. Vinício, como eu e você, guarda recordações muito peculiares daquele homem exigente, disciplinador e, ao mesmo tempo, bem-humorado, espirituoso, que durante o dia abria a quem se interessasse os segredos da história universal e da história do Brasil: as capitais do Egito antigo, a luta dos hebreus, as tenebrosas perseguições da Idade Média, os governadores-gerais, as invasões holandesas  e por aí a fora... À  noite, equilibrava-se na precariedade toda da Associação de Ensino e abria oportunidades a milhares de mocinhos que não puderam ou não quiseram freqüentar o ensino oficial gratuito.

Convivi com ele por longuíssimo tempo, primeiro como seu aluno no ginasial e no colegial, durante sete anos. Depois, como professor novato no Ginásio Rio-Pardense e no próprio “Euclides”. Com uma interrupção de quatro ou cinco anos, voltei definitivamente para o “Euclides”, e lá estava o Prof. Vinício, de bom humor, com suas tiradas rápidas, com suas ordenações cronológicas, com suas saudades do Colégio Pedro II. E também estávamos juntos na Faculdade de Filosofia, que ele ajudou a fundar, e onde lecionou nos tempos iniciais.

Com ele, desaparece um estilo de professor, que muito sofreria com a clientela de hoje. Desaparece também um modo original de encarar os fatos históricos, para ele “uma sucessão sucessiva de sucessos que se sucedem sucessivamente”.

Felizes de quem, como eu e você, guardamos tão boas recordações de uma pessoa que se encontrou no magistério e se enquadrou perfeitamente na vida de uma cidade.

Abraços.

 

24/08/2006
(emelauria@uol.com.br)

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