Ver e prever

 
Aqui em casa

 

Foi meu amigo Elias José, grande professor,  grande contista e grande poeta, que sintetizou em belo poema: "para se escrever algo de geral agrado, tem-se de mostrar ao leitor o que está gratuitamente à sua vista e, no entanto, perfeitamente imperceptível a seus olhos acostumados a apenas ver o que os outros querem  que veja".

Isso quer dizer que a poesia –  não necessariamente em verso –  precisa ensinar a quem lê, realidades ou ficções simples como:

Olhar as coisas e descobrir: o avesso, o aviso, a fenda, o fundo, o engenho, o engano.

Olhar os livros e descobrir: o claro, o oculto, o culto, o definível, a dúvida, o decifrável.

Olhar os amigos e descobrir: o afeto, o aflito, o fácil, o afoito, a manha, a mão.

Olhar no espelho e descobrir: o tempo, a têmpera, a marca, a máscara, o mesmo, o outro.

Você pode até se gabar de nem precisar de óculos. Acha que enxerga bem, mas não é esse tipo de visão  que desejo ressaltar. A visão ótima, num sentido mais profundo, há de implicar também a boa audição, o bom faro, o bom tato, o bom paladar e, indispensável, o sexto e crucial sentido – a intuição.

A nossa luminosa Cecília Meireles, que entendia muito das vibrações da alma e do corpo, alerta-nos sobre nossa pretensão de enxergarmos. Diz ela: nós, que nos amamos tanto, que nos admiramos tanto, a quinhentos metros nada somos para os outros. A essa distância, aparentemente pequena, perdemos todos os nossos traços pessoais, os nossos gestos, a nossa individualidade. A quinhentos metros, tornamo-nos mudos, informes, irreconhecíveis  para quem quer que seja. Manchas ambulantes ou estáticas, nada mais.

Quinhentos metros.  Cecília deve ter criado seu belo texto num momento de otimismo, conquanto nos queira advertir das inocuidades, fatuidades e equívocos embutidos no próprio e simples ato de viver.

É neste aspecto que investi no tema. Olhamos, forçamos a vista. Tentamos enxergar com clareza; por vezes, mal divisamos.

Entendeu? Se não, paciência. Nem por causa disso o mundo mudará, minimamente.

 

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VALOR DE EUCLIDES

O autor de Os sertões  ocupa posição ímpar  nos quadros da literatura e da cultura brasileira. Ele é grande, independentemente de nós. A título de localização de Euclides no cenário das letras e das ciências nacionais, lembrarei alguns juízos de valor emitidos a seu respeito.

1. Grande inquérito de âmbito nacional solicitou a opinião de escritores, sociólogos, pensadores, jornalistas, economistas, poetas, historiadores, antropólogos, professores universitários sobre qual seria a lista mais expressiva dos grandes livros de nossa literatura. Somente Os sertões  conseguiu a unanimidade dos consultados.

Concisa frase que o definiu: “Livro rico em informações científicas, imagens  bem construídas e narrativa eficaz’.

2.               No Pequeno guia da literatura universal, de Luiz Carlos Lisboa ( Rio, Forense-Universitária, 1986), o principal livro de Euclides é situado na divisão ensaio e merece o seguinte comentário: “Uma composição feliz e grandiosa, de trabalho de historiador, etnógrafo, sociólogo e artista. A terra, o meio social, a religião, tendo como pano de fundo a campanha de Canudos. Os sertões é a grande epopeia da literatura brasileira”,

3.                  Frederic Amory, professor na Universidade de Berkeley, Califórnia, assim se manifesta: “Eu considero este livro não apenas  como o supremo trabalho histórico e literário da literatura brasileira mas também  como o mais importante volume individual  da história das Américas. É uma pena que  tão poucos brasileiros compreendam sua importância fundamental como uma interpretação da vida do povo numa dada época da história das  Américas”.

4.                  Alfredo Bosi, professor de Literatura Brasileira da Universidade de São Paulo, comenta  que “a modernidade de Os sertões funda-se principalmente no sentimento de contradição  que sai da leitura de todas e de cada uma das suas páginas. Não se trata apenas das contradições objetivamente apontadas por Euclides da Cunha ao descrever o relevo e o clima da região de Canudos, ao narrar a história racial e cultural do sertanejo, ao interpretar a luta entre este e o ‘civilizado’ do litoral; trata-se do próprio foco subjetivo que ditou a obra, o ponto de vista do autor no qual se confrontou, contraditória e dramaticamente, o fatalismo darwiniano de uma ciência que se quer impessoal e ética da denúncia que trai a indignação, a ‘santa ira’ contra o massacre dos inocentes”.

É errôneo ater-nos à concentração, importante, é verdade, das atividades da Semana Euclidiana. A cidade deve e pode organizar roteiros mais substanciosos de divulgação e estudos, que ultrapassem a efemeridade da Semana e se estendam pelo ano todo. Não nos faltam nem elementos humanos, quando corretamente estimulados, nem  instituições idôneas,  nem locais, nem apoios que deem   a seriedade e o brilho compatíveis com a importância  de São José do Rio Pardo na geografia e na história euclidiana.

Não se pode perder de vista que o euclidianismo não é a expressão algo fanática de alguns saudosistas, mas uma forma das mais eficazes de motivar as novas gerações para o conhecimento do Brasil e seus problemas. Não  gratuitamente a obra euclidiana, como um todo, é de inclusão obrigatória entre os livros que  tratam da correta interpretação de nosso país.

Penso, especificamente, na substancial contribuição que  podem dar a tantos tipos de eventos nossas escolas, em especial as  superiores, em cujos quadros despontam  nomes da melhor capacitação universitária.

 

24/02/2018
(emelauria@uol.com.br)

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