Do direito de criticar e sugerir

Estamos ingressando no ano do centenário da morte de Euclides da Cunha, com seu ponto culminante a 15 de agosto de 2009.

Nossa cidade não poderá ficar alheia à efeméride: ao contrário, precisará preparar-se para ser o centro irradiador das idéias de Euclides e de quem o estuda com afinco e profundidade. Dar à Semana Euclidiana de 2009 um sentido e uma extensão que  deixem para trás o caráter algo paroquial/regional das últimas comemorações é tarefa que exige planejamento, capacidade de execução e recursos muito acima das disponibilidades locais. Será indispensável motivar todos os meios de comunicação, os  grandes patrocinadores,  universidades, toda a sociedade organizada, órgãos nacionais e estaduais.

Mais alguns meses e estará empossado um novo prefeito e dele, sem dúvida, dependerá muito do que se possa realizar neste sentido, principalmente através  da Casa de Cultura Euclides da Cunha, agora transformada em órgão municipal, depois de relegada a último plano de importância pelos governos estaduais.

Creio ser indispensável a tomada de medida básica: envolver nos objetivos do euclidianismo a Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura. Não deixa de ser paradoxal que a melhor emissora pública do Brasil, por falta de solicitação,  nem tome conhecimento do movimento euclidiano, da Semana Euclidiana em especial, mas dedique incontáveis horas a eventos que nada têm com São Paulo, como o Flip, festival literário de Paraty, RJ,  muito mais uma demonstração de exterioridades do que de profundidade. É preciso desde logo trazer a São José o presidente da Fundação, atualmente o jornalista Paulo Markun, e interessá-lo tanto pelo trabalho aqui desenvolvido sem interrupções por quase um século, quanto  ao que diga respeito ao centenário de Euclides.

O mais divulgado documentário atual sobre a obra euclidiana é produto de uns idealistas ligados à Universidade Federal do Acre, em 2005. Participei  dos depoimentos sobre Euclides e a Amazônia, juntamente com a Prof.ª Maria Olívia Garcia Ribeiro de Arruda. De tempos em tempos alguém me avisa que nos viu numa destas emissoras: a própria Cultura, a TV Brasil (antiga TVE), a TV Sesc, a TV Câmara, a TV Senado... Não estará na hora de a TV Cultura elaborar algum  programa diretamente de São José do Rio Pardo, com foco no centenário?

Não estará na hora, também, de a Universidade pública e particular tomar a peito a execução de algumas tarefas que só ela pode levar a bom termo, dados os recursos humanos e materiais de que dispõe?

A grande dúvida da Semana Euclidiana, enquanto comemoração multidisciplinar, é hoje a fixação da data do desfile, o evento de maior apelo popular. Pessoalmente sou favorável à sua realização como abertura da Semana, a 9 de agosto. No entanto, a maciça presença de público no desfile de 10 de agosto forneceu argumentos muito fortes em favor da nova data, o segundo domingo do mês. Em 2009, não haverá  polêmicas, porque 9 de agosto cairá num domingo, mas será aconselhável colocar o assunto em amplo debate para uma definitiva manifestação da preferência dos rio-pardenses. Isso não poderá ser decidido por poucas pessoas, ainda que muito bem-intencionadas.

Alguém já disse que o espírito de improvisação que de modo geral marca as atividades desenvolvidas entre 9 e 15 de agosto nesta cidade, faz crer que se está realizando, a cada ano, a segunda Semana Euclidiana, tais e tantos são os obstáculos que de novo precisam ser vencidos, como se não tivessem jamais ocorrido.  Com isso, não quero desconsiderar o trabalho de nenhuma entidade, de nenhum grupo de pessoas, porque muita coisa saiu otimamente bem, merecendo os gerais aplausos. Cito, exemplificativamente, os organizadores do desfile, os professores e alunos dos ciclos de estudos, os funcionários da Casa, os do Turismo, os do DEC, a UNIP...

Algumas aspectos, contudo,  chamaram desfavoravelmente a atenção nesta recém-finda 96.ª Semana Euclidiana, como por  licença histórico-lingüística vem sendo chamada. Em 1912 não se iniciou nenhuma Semana, mas ocorreu a singela  comemoração que lhe deu origem. A expressão “Semana Euclidiana” foi posta em circulação  por Oswaldo Galotti, no final dos anos 30 do século passado.

Mas vamos aos reparos principais.

O que vexou os assistentes mais maduros foi a desrespeitosa atitude de um bom número de estudantes para com a conferencista oficial do dia 14 de agosto, a ilustre professora doutora da USP,   Marleine de Paula Marcondes e Ferreira de Toledo, detentora de vastíssimo currículo de amplitude internacional e euclidiana de primeira plana. Com espontaneidade e afeição, ela, que aqui residiu e estudou na juventude, preparou trabalho dos mais sérios sobre o tema geral da Semana-2008 – “Textos Euclidianos além de Os Sertões” –  e viu  seu empenho pessoal ser subestimado por compulsórios e despreparados ouvintes, que se levantavam, saíam, davam umas voltas, conversavam. Até bateram palmas antes da hora! Usando uma expressão atual, essas pessoas não estavam nem aí.  Sem alarde, mas visivelmente constrangida, Marleine abreviou sua leitura e recebeu a solidariedade de todos quantos foram ao grande salão do Rio Pardo pelo prazer de revê-la e ouvi-la.

Não foi essa, aliás, a primeira vez que euclidianos da melhor qualidade se vêem afrontados por manifestações hostis de platéias formadas a laço. Em 2004, a mesma conferência do dia 14 de agosto foi programada para local impróprio, o também grande salão do Rotary Clube. A conferencista Célia Mariana Franchi da Silva, figura eminente do Ciclo de Estudos e autora da admirável síntese Os Sertões Mais Curto, teve o desprazer de suportar o mau comportamento de estudantes sem alcance intelectual e cultural.

Ora, há necessidade de se desvincular a conferência do dia 14 do público  próprio do Ciclo de Estudos. A conferência tem história autônoma e  merece a presença de gente mais adequada. Grandes cabeças da intelectualidade brasileira a proferiram para respeitosas assistências. Citarei alguns desses nomes: Pedro Calmon, Guilherme de Almeida, Cassiano Ricardo, Plínio Barreto, Dante Moreira Leite, Menotti Del Picchia, Plínio Salgado, Agripino Grieco, Afrânio Peixoto,  Alfredo Bosi, Francisco Marins, Olímpio de Sousa Andrade... A lista é respeitável e mesmo nos tempos mais atuais os escolhidos para a nobre tarefa sentiram que eram bem recebidos pela intelectualidade presente.  Ou falando o mais claro possível: o público da conferência de 14 de agosto tem de ser  o que a cidade apresente de melhor: autoridades participativas, escolas e professores motivados, estudantes de bom nível, cidadãos comuns que lá devem estar espontânea e prazerosamente, como o faziam em outros recuados tempos. Não pode ser realizada em recintos amplíssimos para gente inadequada. Tem de integrar uma noite de gala.

Vejo ao menos  dois locais que já se prestaram e prestam muito bem a receber o conferencista e seu público certo: os  salões da Escola Estadual Euclides da Cunha e do Centro Cultural Ítalo-Brasileiro. E outra condição: quem for convidado como ouvinte da conferência tem de perceber que isso é privilégio e não obrigação de freqüência controlada.

Evidentemente que as próprias finalidades da Semana Euclidiana exigem a participação de muitos jovens, provenientes de bom número de cidades, não só paulistas, mas de outros estados brasileiros. Isso não quer dizer que esses estudantes devam ser encarregados de formar platéias de todo e qualquer evento.

A abertura da SE-2008  foi marcada por um Seminário Euclidiano. Ora, os professores que aceitaram participar dele tinham direito de esperar a presença de pessoas interessadas nas exposições e aptas a entendê-las – ao menos os inscritos nas áreas II e III do Ciclo de Estudos. O que se viu, no grande salão da AAR, foi um auditório constituído em sua esmagadora maioria por crianças e pré-adolescentes, da Área I e da chamada Inicial. Se não fosse a experiência didática dos professores envolvidos, nem é de se imaginar o que ocorreria. De qualquer maneira, os objetivos do encontro ficaram   sem nenhum sentido.

A vida ensina que nem sempre podemos garantir o que faremos. Mas, quase sempre, podemos determinar o que não faremos.

De minha parte, não mais  participarei de nenhuma programação prevista para local inadequado, seja em razão do público, seja em razão do ambiente. Este ano, mesmo, já pude pôr em prática este propósito definitivo, ao me recusar a permanecer num chamado encontro de autores rio-pardenses. É que, chegando ao grande salão da AAR, só pude ver uns irrequietos e saudáveis aluninhos de escolas elementares, aos quais nada teria que dizer.

 

 

23/08/2008
(emelauria@uol.com.br)

 

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