Francisco Marins

 
Na Câmara Municipal: Marins, Rodolpho Del Guerra e Márcio.

 

Com a morte de Francisco Marins, ocorrida em Botucatu, a 10 de abril de 2016, vai-se o último dos escritores fortemente influenciados pelas teses de Euclides da Cunha.

Não há como se ver  no texto da Aldeia sagrada, de Marins, nenhum traço estilístico que revele influência do grande autor  de Os sertões. O que se observa com clareza é sua adesão  à temática euclidiana,  é retomar o assunto “Canudos”e lhe modificar radicalmente o ponto de vista. Em Os sertões predomina a visão pessoal de Euclides, ao passo que na Aldeia   a crueza daquele crime contra a nacionalidade é focalizada conforme a óptica de um hipotético e jovem  jagunço, que presenciou a invasão e a destruição  de sua terra natal.

Euclides foi o primeiro a denunciar o genocídio promovido  pelo Brasil litorâneo, que não teve a acuidade de perceber os múltiplos fatores que haviam feito o interior  nordestino  permanecer distante não apenas  trezentas léguas no espaço, mas também trezentos anos no tempo.

O alcance da mensagem de Marins até hoje tem repercussão: a leitura por milhares de jovens das páginas da Aldeia facilitou-lhes o caminho de acesso  a Os sertões, a tornarem-se maratonistas e até euclidianos.

Nesta nobre tarefa de iniciação, é sempre oportuno  evidenciar-se o relevante papel desempenhado pelo euclidianismo rio-pardense:  através do Grêmio Euclides da Cunha, entre os anos 50 e 70, milhares de exemplares do livro de Marins  chegaram graciosamente às mãos  dos alunos de todas as escolas da cidade, despertando em muitos deles o desejo de mais saberem sobre o candente assunto. Para tanto, foi necessário ter havido a feliz conjugação de esforços dos dirigentes do Grêmio (notadamente Hersílio Ângelo e Luiz B. Bittencourt) e a disponibilidade de Arnaldo Magalhães Di Giácomo, alto  dirigente da Companhia Melhoramentos de São Paulo, então editora do livro de Marins.

Deve-se  a Moisés Gicovate, autor de Euclides da Cunha, uma vida gloriosa (também editado pela Melhoramentos, a aproximação de Marins com o nosso euclidianismo. Escolhido para proferir a conferência oficial da Semana Euclidiana de 1979, Francisco Marins desde então contribuiu decisivamente para se dar visibilidade nacional aos esforços feitos em nossa cidade, em favor da divulgação da obra euclidiana. Nos anos 80 foi intensa a presença de euclidianos rio-pardenses nas atividades levadas a efeito em São Paulo e nas suas entidades culturais, com destaque para a Academia Paulista de Letras  e Instituto Histórico e Geográfico. Eu mesmo proferi palestras em ambas as instituições, além de ter sido recebido como integrante do venerável Instituto, que então vivia promissora fase.

Conseguido, graças ao empenho de Joel Bicalho Tostes, o difícil traslado dos restos mortais de Euclides da Cunha para São José do Rio Pardo, a Academia Paulista de Letras, então presidida por Marins, deu solene acolhida aos despojos em sua sede no Largo do Arouche e se fez presente nas subsequentes passos para a deposição dos esquifes de Euclides e Quidinho, a 15 de agosto de 1982, no Mausoléu erguido à margem do rio Pardo. Marins participou até da incomum homenagem que então recebi no  dia anterior, impossibilitado por doença de comparecer às solenidades.

Desligando-se da Melhoramentos, Francisco Marins nem por isso se afastou de nosso euclidianismo. Aqui esteve algumas vezes, inclusive para receber  homenagem de nossa Câmara Municipal, que lhe conferiu o Diploma  de Mérito Euclidiano.

Numa prova de vocação euclidiana, Marins tomou a si a penosa tarefa de editar a Revista da Academia Paulista de Letras, nº 128, comemorativa do centenário da morte de Euclides. Veio a lume em novembro de 2009, com 255 páginas e tiragem de 600 exemplares. São nele reeditados escritos de antigos acadêmicos que estiveram em nossa cidade, ao longo de tantos anos, como o nosso conterrâneo Honório de Sylos, Altino Arantes, Guilherme de Almeida, Francisco Pati, Cassiano Ricardo, Octacílio de Carvalho Lopes, Ataliba Nogueira, Oliveira Ribeiro Neto e o próprio Francisco Marins, com o texto de sua conferência de 1979.

Marins inseriu na Revista meu artigo “Grandes Euclidianos”, escrito a seu  pedido, em que evidencio o labor euclidiano de Oswaldo Galotti, Hersílio Ângelo, Moisés Gicovate, Adelino Brandão e Ivo Vannucchi. Abre ainda generoso espaço para meu ensaio “Judas-Ahsverus”.

A capa da Revista reproduz o intrigante retrato de Euclides, de autoria de Cândido Portinari. Na contracapa, Marins mandou reproduzir  um belo óleo do pintor argentino, radicado em nossa cidade, Eduardo Ángel Giúdice, em que, com mais imaginação do que obediência à realidade do local,  é vista a cabana de Euclides (sem a proteção da redoma colocada em 1928), a paineira famosa e a ponte metálica reconstruída pelo engenheiro-escritor. Fui eu quem lhe encaminhou a fotografia do harmonioso quadro.

Tem para mim um grande significado de amizade o incomum pedido que me fez Francisco Marins em 2004: que eu fosse encontrá-lo na cidade de Lindoia, para conversarmos sobre a conclusão de seu livro Atalhos sem fim. Lá ficamos por dois ou três dias, a bem dizer trancafiados num hotel. Releio a incomum dedicatória  datada de 1 de outubro de 2004: Ao estimado Lauria que tanto ajudou e tornou possível esta edição ofereço o novo Atalhos sem fim. Com o apreço de sempre. Marins.

 

23/04/2016
emelauria@uol.com.br

Voltar