Perdas e ganhos
SENTIDA PERDA Nestes bicudos tempos de perdas gerais, fere mais profundamente a perda de pessoa jovial, otimista, congregadora, como sempre foi Marilu, filha de Joel Bicalho Tostes e de Eliethe da Cunha Tostes. Marilu assumiu decidida o papel que seus pais já não podiam desempenhar – como o de ser a praticante do slogan “Euclides une pessoas”, criação do próprio Joel. Sua mãe Eliethe, neta de Euclides da Cunha, morreu há já muitos anos e precocemente. Joel, que, corajoso, tomou a si o difícil encargo de guardião da integridade da obra euclidiana, deixou-nos no último dia de 2009. A ele se deve a intransigente defesa do texto euclidiano que, caindo no domínio público em 1966, passou a ser publicado sem maiores cuidados por algumas editoras. Joel as levou aos tribunais e conseguiu, até, que edições desrespeitadoras da inteireza dos escritos euclidianos fossem impedidas de colocação à venda. * Agora o euclidianismo inesperadamente perde Marilu, no auge da vivacidade que misturava as alegrias da amizade, do convívio cordial com a arte de ser avó. Nunca será demasiado evidenciar que nossa cidade muito deve à família Cunha Tostes, sem cuja decidida adesão não teria sido sequer pensável o traslado dos despojos de Euclides para seu descanso permanente à beira do rio Pardo. Joel, com a anuência e estímulo de Eliethe, superou a justificável resistência de Cantagalo (cidade natal de Euclides), da Academia Brasileira, da televisão e da poderosa imprensa do Rio de Janeiro, todos contrários à vinda para cá dos restos de Euclides e de Quidinho, então sepultados no cemitério de São João Batista. Não fosse a incomum circunstância de estarem pai e filho no mesmo túmulo, certamente a Academia Brasileira de Letras conseguiria que os despojos de Euclides fossem transferidos para o mausoléu da instituição, no mesmo cemitério. Marilu tomou para si a trabalhosa incumbência de não só conservar, mas sempre reforçar os tênues laços que precisam definitivamente unir o euclidianismo em suas feições fluminense e rio-pardense. Marilu foi vitoriosa nesse elevado propósito. Sua ausência será muito sentida.
EUCLIDES, 150 ANOS Entramos no ano do sesquicentenário de nascimento de Euclides da Cunha, que pode trazer bons motivos para o estudo de sua obra e para a justa evidência do euclidianismo como um movimento cultural e cívico bastante significativo, numa hora em que o País todo parece mergulhado na apatia e no pessimismo decorrentes de desarranjo político-econômico sem paralelo. Abrindo essas comemorações em nossa cidade, a Casa de Cultura Euclides da Cunha promoveu sessão no próprio dia 20 de janeiro (a data precisa dos cento e cinquenta anos) e elaborou programação que se estenderá pelo ano todo, com a esperável ênfase na Semana Euclidiana. * Como talvez o mais antigo euclidiano em atividade, eu confesso de público o meu crescente receio de que nossa cidade não continue dando o devido valor ao fato de aqui ter sido escrito um dos maiores livros de toda a literatura de língua portuguesa. Manter nossa tradição euclidiana não é tarefa nem fácil nem para poucos: além do reconhecido empenho da Casa de Cultura, essa manutenção exige recursos, estudos, adesões. E principalmente capacidade, que não pode ser resumida em burocráticas providências de ordem administrativa, como sempre tomadas de má vontade e dificultadas pela crônica falta de verbas para fins culturais em todos os escalões de governo. Tenho comigo a sempre alimentada esperança de que a manutenção do euclidianismo passa necessariamente pela crescente participação da Universidade, onde devem estar os recursos humanos e culturais indispensáveis à plena realização dos estudos que evidenciem o valor de Euclides e de sua vasta obra, não resumível apenas em Os sertões. A Casa de Cultura Euclides da Cunha , a quem cabe em última análise a coordenação dos estudos euclidianos em nossa cidade, depende visceralmente dessa firme adesão da Universidade, pública ou particular, sem a qual pouco sucesso terão conferências, palestras, ciclos de debates, certames culturais diversos. * Que este sesquicentenário traga novo ânimo ao nosso euclidianismo, que não pode ficar sob a responsabilidade de uns poucos. Sem sombra de dúvida, se fosse tirada de São José do Rio Pardo a distinção de ser o berço de Os sertões, bem pouca coisa a destacaria no cenário cultural dos municípios do Brasil. * Vivendo ano eleitoral, será sempre oportuno que candidatos a prefeito ou a vereador incorporem, para valer e sujeitos a permanentes cobranças, compromissos que garantam vinculações com esta intransferível obrigação que a cidade assumiu de forma definitiva: ser a mantenedora da memória de Euclides da Cunha e a principal fonte de referência nacional do estudo de sua obra, que assumiu caráter universal e atemporal. São José do Rio Pardo merece ter dirigentes e legisladores capazes de entender esse privilégio que tantas outras cidades gostariam de ter merecido e o procuram em vão.
23/01/2016 |