De repente, outra vez

 
20 de dezembro
Os remanescentes da turma de 1949 da Escola Normal Euclides da Cunha, em foto de 1999.
Em pé
: Netinho, Guilherme, Lourdinha Feijão, Marina (*), Dilu Ortega (*), eu, Nininha, Wilson (*), Lourdinha Ribeiro, e Ilza Zanatta.
Sentados: Celina Rangel (*), Rosina Flora, Levy Scali (*), Amelinha Soares e Yeda Cunha.
(*) Falecidos

 

Aí você olha para o calendário de plantão e  percebe, assustado, que o próximo sábado será 22 de dezembro, quase antevéspera do Natal.

E daí? E daí que seria mal não falar alguma coisa, ainda que longinquamente relacionada com a data.

Com certeza tudo de bom e de mau, tudo de lembranças e esperanças alguém já explorou, sem deixar nada, nadinha para você dizer de original, espontâneo e benfazejo. (Como é que esta palavra emergiu para o texto?  Não é qualquer dia que se tem coragem de empregar benfazejo. Que fique o belo termo como a contribuição pessoal nesta quadra festiva. Natal benfazejo cai bem.)

Leio,  encantado, o texto que meu amigo Everton de Paula escreveu para um jornal de Franca. Sairá na mesma data que este meu. São boas reminiscências sobre o Natal de sua infância naquela mesma cidade, hoje tão diferente. O balanço final  de Everton é bem positivo, graças, principalmente, à entrada de netos em sua vida de sexagenário produtivo e jovial.

Apesar de bem menos inspirado  do que meu amigo, também não tenho motivos de queixas quando penso nos natais de minha meninice.

Lembro-me de ter ganhado aos quatro ou cinco anos um automovelzinho de lata, vermelho reluzente, com direção, pedal, rodas compactas  e sem buzina ou farol. Só cabia nele uma pessoa, como nos carros de corrida. Com pouco esforço,  posso me ver pedalando a baratinha na calçada que ia do comecinho da Rua do Paraíso até o fim da casa de minha tia Zaíra, já na José Teodoro. A baratinha deve ter sido consumida pelo uso excessivo meu e de algum companheiro de brinquedo, entre eles um preto quase azul chamado Marcolino, de quem nunca mais ouvi falar, depois que mudei de casa.

Ainda no Buracão e antes dos sete anos, ficou claro para mim que Papai Noel não existia, que era o pai da gente, mesmo. Tudo porque vi meu pai negociando com alguém a compra de um velocípede de ferro, usado,  pesadão, que depois descobri, repintado, atrás da porta da sala na manhã de 25 de dezembro. Como andei naquele  desajeitado veículo !  Com  o tempo, de velocípede ele passou a bicicleta sem catraca e me acompanhou por muitos anos aqui na Várzea e no campinho do Rio Pardo. Por último, uma de suas rodas raiadas ganhou vida própria: guiada por um grosso arame, ela serviu para brincar de arco, tipo de atividade completamente desconhecida, hoje, em que a gente tentava conduzir aquela roda sem freio e sem rumo.

A doença de minha irmã Neusa, que teve paralisia infantil e  derrame cerebral com um ano e pouco, mudou o ritmo da nossa vida.  Não me lembro sequer de ter continuado a ganhar bons presentes, porque roupas e material escolar jamais puderam ser incluídos nessa categoria  privilegiada.

Meu pai e minha mãe se desgastaram de todos os modos por causa de Neusa, semiparalisada e sujeita a desmaios. Ela morreu na flor dos treze anos.

Forte referencial do Natal eram cheiros: cheiro dos assados de minha mãe no forninho de barro do quintal. Cheiro da leitoa   com sua pele de pururuca. Cheiro do cedrinho que fazia toda a decoração dos presépios na casa de meus avós paternos. Cheiro dos presentes novinhos em folha.

Na casa de meus pais o Natal era respeitoso, mas pouco religioso. Um almoço festivo, com carne, vinho, frutas secas, coisas da tradição italiana.

Quem lhe pôs valores menos profanos foi Marina, minha mulher. Ela teve a coragem de introduzir nas reuniões em nossa casa uma breve e sincera alusão a Cristo e uma oração coletiva, antes da comilança da ceia natalina. Virou tradição. Escrevi um texto sobre isso – “Natal, apenas”, num tempo em que meu pai já morrera e em que a família se reunia toda, ou quase. O que eu não podia mesmo imaginar era que de repente, não mais que repente, etc., etc.

***

Durante mais de dez anos e até há  pouco tempo, a cada ano me cabia a tarefa de  revisar  os longos textos das novenas de Natal, de autoria  do Padre Lu, de Tapiratiba, muito amigo meu.  Infelizmente para mim, progredi menos em matéria religiosa do que ele em correção gramatical. A cada nova novena, ele acertava mais a grafia das palavras, a concordância, o tratamento, além de evitar as misturas entre tu e vós. O texto me chegava ali por julho ou agosto, eu o consertava num mês, mais ou menos, e então o padre o levava à gráfica, para impressão.

O mais tardar no começo de novembro, lá vinha ele todo feliz com os livretes novinhos em folha.  Tiveram tiragens altas, coisa de até  trinta mil exemplares, usados em toda a diocese.

 Então, sem mágoa nem reclamações, ele me disse que aquele ano (talvez 2010) seria o último. Estava cansado. Senti a perda dessa prazerosa incumbência. A bem da verdade,  eram duas por ano – a do Natal e a da Páscoa. A da Páscoa eu emendava logo depois do Natal.

Tudo passa, até   inspiração de padre.

***

Perdemos um dia destes o bom amigo Hélio Frigo. Fico aqui pensando quais adjetivos melhor definiriam aquele homem que lutou cheio de coragem até os oitenta anos e sucumbiu à terrível moléstia que é o verdadeiro mal do século. Esforçado? Sim.

Sistemático? Sim. Turrão? Sim. Bondoso? Sim.

Vejo daqui na estante próxima  seu cuidadoso romance de quase trezentas páginas –    Duas vidas & dois amores, de 2008. Ele esperava muito desse livro que lhe custou tanto trabalho, talvez por  não saber como é difícil o sucesso literário sem rede de distribuição, sem rede de amigos, sem rede  de boas críticas.

Grande sua preocupação com a correção da frase e com o emprego de termos exatos. Em muitas de suas páginas, no rodapé, está o significado  das palavras menos comuns que usou.

Sobre-humano seu empenho em  ver apresentada na televisão a novela de época Sinhazinha Ediana, baseada em seu romance. Nunca eu soube que ele houvesse alcançado seu objetivo de vender o texto a uma emissora. Com dedicatória assinada a 2 de agosto de 2010, ele me presenteou  com dois calhamaços  do script de mil e seiscentas páginas digitadas, que não cheguei a ler.

E assim se foi Hélio Frigo, batalhador, imaginoso e muito provado pelas cruezas da vida.

***

Em suma, na bela conquista de Yokohama:

1. Todo grande time começa com um grande goleiro. Melhor ainda se for goleiro grande e sortudo, como o Cássio.

2.  A maior torcida do Brasil –  a contra o Corinthians –  não secou o suficiente.

3.  Frase pra lá de espontânea: “O Corinthians jogou bem pra car**ho . (Paolo Guerrero, centroavante peruano e  autor  do gol contra o Chelsea )

 

 

22/12/2012
emelauria@uol.com.br

 

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