Com espírito natalino
Sentindo o agrado Ao contrário do que se possa pensar, não só as críticas negativas se assemelham a socos na boca do estômago: também os elogios partidos de quem é econômico e sutil na apreciação das coisas e das pessoas nos atingem em cheio. Jamais imaginava, por exemplo, que no local destinado ao editorial, a Gazeta do Rio Pardo de 15 de dezembro me dedicasse umas boas linhas de julgamento muito favorável. O autor dessa exceção jornalística foi Marco Aurélio Mendonça, o editor do jornal. Então posso dizer a ele que na semana passada eu fizera a um grupo de amigos menção a seu nome, especificamente comentando a fluência de sua escrita e um superior modo de ver as coisas, mesmo num clima em que outros se descabelam, esgoelam, querem impor argumentos falaciosos a qualquer custo. Lembro-me dos recuados tempos (trinta anos, talvez mais) em que a Gazeta passou a publicar uns artigos engraçados, leves e críticos de um desconhecido sujeito que se assinava Rocha Ladeira. Escrevia com humor e ironia sobre coisas e fatos aparentemente sem importância e debitava tudo na conta do personagem de nome original: Ernesto Fiduma, de curiosa etimologia. Custou a ser descoberto o titular do pseudônimo e criador do tipo. Era o Marco Aurélio (então se iniciando no jornal), a quem eu chamava Marcoré, em referência ao seu xará criado pelo injustamente esquecido escritor Antônio Olavo Pereira. Ficamos, pois, assim, Marco Aurélio: eu agradecido, você justamente lembrado e nós dois com a certeza de que a cidade precisaria dispor de mais gente dotada de espírito público com suficiente descortino para perceber que há muito fosso inútil, muita trincheira extemporânea.
Dois livros originais Bem que eu deveria ter ido ao lançamento de Linhas & Entrelinhas, ocorrido em São Paulo há já alguns meses. Não fui e ainda apresentei como desculpa à autora, Maria da Costa Manso Vasconcellos, um texto de Drummond em que ele confessa inapetência por viagens, desejando que as boas coisas aconteçam na sua cidade, no seu bairro, de preferência na sua rua. É um belo e delicado volume, edição particular, bonito desde a capa até o papel especial, em que se nota a amorosa presença da filha Heloísa Costa Manso Vasconcellos, coordenadora editorial. Maria é esposa de José Roberto Vasconcellos e mãe de Guilherme da Costa Manso Vasconcellos, que em diferentes épocas exerceram a magistratura em nossa cidade. A família toda residiu aqui, por uns bons anos. Parece que todos guardam ótimas recordações, especialmente da bela chácara logo depois da Nestlé. Modestamente, ela explica a gênese do livro: “Quero deixar linhas e entrelinhas em que se vão amalgamando fatos, lembranças, reflexões, observações, vivências, a busca, o despertar... enfim, impressões sobre a vida. De alguém que nasceu nos idos de 1940, viveu uma infância feliz, participou timidamente dos anos dourados, se apaixonou e casou num encantamento, de véu e grinalda. E observou com interesse, embora de longe, os primeiros movimentos de libertação da mulher, mergulhada ela mesma em fraldas e mamadeiras, já que aos 27 anos andava às voltas com quatro filhos...” Este seu livro teve aqui em casa o melhor tipo de crítica que a autora poderia almejar: fila de espera para ele ser lido primeiramente por minha mulher, em seguida por minha irmã, e ainda agora por outras pessoas que se encantam com tanta simplicidade e com as argutas observações esparsas nas crônicas que tratam da vida, das gentes e de viagens...
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Duvido que alguém tenha um livro chamado Sentimento Comigo, de Antenor Gonçalves. Eu tenho e prezo muito o meu exemplar, um dos quatro ou cinco que foram impressos, ou melhor, datilografados como originais. Antenor, meu aluno nos áureos tempos do curso Clássico (isso já vai para mais de quarenta anos), teve a boa idéia de reunir e datilografar seus poemas, encadernar tudo artesanalmente e lhe pôr aquele belo título, muito adequado a poesias intimistas, reflexivas. A quem mais, além de mim, Antenor teria depositado confiante o sumário de seus sonhos e descobertas de adolescente? Pois agora, com um atraso de difícil explicação, chega-me por vias indiretas e com dedicatória a mais recente publicação do mesmo Antenor Gonçalves, feito mestre e doutor em Educação e muito mais do que isso – diplomado nas durezas da vida. Já escreveu seis outros livros, três de poemas, um romance, um didático, um ensaio de Educação e Literatura. Título do livro ofertado: Memorial, Paixão e Morte de Fulana de Tal, Scortecci Editora, São Paulo, 2007. Romance? Sim. Diário? Sim. Livro de poemas? Sim. Reflexões filosóficas? Sim. Repositório de tantas leituras? Sim. Fundamentalmente, um livro que desempenha a função de catarse, tentativa de passar uma esponja nos hematomas da alma depois de uma luta de anos para salvar a esposa de um mal incurável. Abro o livro e anoto: Página 11: Alguém já disse/ O mal da sabedoria/ É a velhice. Página 26: Juro que vi/ Quando cheguei da rua na noite noite/ Os ponteiros do relógio estavam imóveis/ A cara do relógio me olhava/ Eu vi a solidão me olhando. Página 93: No telhado dorme/O pássaro noturno/ Enquanto no quarto escuro/ Apenas o olhar de mim me vê. Página 110: O que amamos num escritor não é o fato de dizer grandes verdades. As verdades são relativas, pois são fruto das circunstâncias históricas que se superam no próprio movimento da história. O que amamos num escritor é ser ele um espelho por onde nos contemplamos. E um bom espelho – um grande escritor – reflete tudo: verdades e mentiras, grandezas e misérias.
Natal e internet Dá para se sentir literalmente afogado com tantas palavras, tantos votos, tantas intenções, tantos enfoques, tudo a propósito do Natal. De mensagens piegas a verdadeiros tratados teológicos; de maliciosas referências a ilustrações tradicionais; de histórias da carochinha a considerações esotéricas. Desejar as melhores coisas para os outros é particular forma de querer que estas mesmas coisas se revertam em favor de quem as envia. Faz sentido, não? Há cada vez mais um toque de modernidade na velha interrogação machadiana: -- Mudaria o Natal ou mudei eu?
22/12/2007
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