Simplicidade e realidade


 

Esforçados leitores me enviam uma espécie de crítica indireta porque nada tenho falado de política, de políticos, de eleições, de perspectivas futuras, de coisas do gênero.

Alguém já disse com muita propriedade que o maior mérito de se cumprir à risca o calendário eleitoral é que essa prática essencial  da democracia faz renascer  a chama da esperança no futuro.

Bem pensado. Quando, como nas campanhas eleitorais, homens de vida pública  se debruçam sobre os problemas que afligem o município, o estado, o País como um todo? É desse debruçar que vão sendo dadas à luz as soluções de governo, as promessas viáveis ou não, o entendimento mais ou menos acurado das carências.

Por favor, você que me lê, não se ponha a tirar conclusões precipitadas. Nem todas as promessas eleitorais são vãs, nem todos os vitoriosos agem/agiram/agirão de má-fé, nem todos os programas depois do pleito se tornam papelório sem nenhum sentido. É que, como resumiu Petrarca:          

                      

Tra la spiga e la man qual muro è messo...

Entre a espiga e a mão meteu-se como um muro...

 

Não é difícil entender-se a simbologia da frase que se transformou com o tempo em provérbio: imprevista dificuldade  surge quando está prestes a realizar-se o que se pretende e o que se espera. A mão  do administrador está próxima da espiga – suas realizações. De repente,  interpõe-se inesperado entre elas o muro, a vedação, a impossibilidade.

Ora, dirão, sempre houve o tal muro de problemática escalada, mas sempre é possível pensar em contorná-lo ou mesmo fazer um buraco  para apertadas passagens.

Penso, contudo,  que os próximos administradores e legisladores municipais  precisarão praticar diuturnamente o exercício da humildade. Sem dinheiro para implantar em larga escala os serviços essenciais,  sem os quais o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)   não sobe nem um pouquinho? Sem meios para asfaltar bairros inteiros? Sem ter como tocar o esperançoso projeto de substancial melhoria na saúde, na educação, no emprego, no bem-estar? Falhou o prometido empréstimo estadual? Deu em nada o alardeado recurso federal? Aprendam  o valor das miúdas providências que as populações merecem, mesmo quando verbas não conseguirem transformar-se em dinheiro.

Em que se basearão essas miúdas providências? Essencialmente no respeito às pessoas de todas as idades e de todas as condições sociais, no combate a todas as formas de corrupção, no desmantelamento de todos os nichos do clientelismo e do fisiologismo.

Aí eu pergunto, baseando-me no que vejo e ouço:

Você está contente com o aspecto das coisas públicas que vê?

Seus direitos de pedestre estão sendo respeitados pelos motoristas, pelos responsáveis pela conservação das calçadas, pelos que constroem ou reformam?

As ruas e praças estão limpas, sem obstáculos ou armadilhas para pessoas de mais idade?

Você tem coragem de sentar-se à noite num banco da praça central?

Os limites de poluição sonora e visual são observados, respeitados sempre e por todos?

Sua rua tem água sempre? A iluminação pública é levada a sério? O cidadão comum tem onde praticar o seu lazer?

Questões de educação e cultura são consideradas prioridades?

Muito provavelmente a maioria de suas respostas serão negativas em qualquer cidade brasileira. No entanto, tudo aqui referido tem previsão nas leis, nos códigos, nas posturas. Experimente, no entanto, andar por aí na simples condição de pedestre. Cuidado com a calçada esburacada! Tome tento com o galho de árvore que  pode arranhar-lhe o rosto. Defronte à casa em reforma o tapume avança demasiado pelo passeio, só lhe dando uns vinte centímetros para você passar? Além do mais, uma caçamba lhe torna impossível caminhar  nessa nesga de passeio, jogando-o para o meio da rua, sujeito à indelicadeza e afoiteza de motoristas?

Como se vê, tanto aos prefeitos quanto aos vereadores não faltarão oportunidades de tornar a vida de todos os cidadãos mais segura, mais proveitosa.

Se o prefeito de sua cidade conseguir realizar o orçamento, ante a ameaça de calote público generalizado; se o funcionalismo não se sentir lesado com a miséria dos vencimentos, se as pequenas questões de conforto, respeito, segurança, atenção para com todos forem satisfatoriamente resolvidas, já estará  muito bom.

Afinal, prefeito tem de se preocupar com essas insignificâncias que fazem toda a diferença no dia a dia de milhares de munícipes. Administrar pequenas cidades tem muito de serviço doméstico: só aparece quando não é feito ou feito mal.

Vereadores têm de ficar de olho no bueiro entupido, na lâmpada queimada, no cano vazando, na briga de vizinhos,  na creche sem leite, na escola sem merenda, no ônibus  sem segurança. Não será demasiado lembrar que o cumprimento dessas pequenas obrigações é que torna justificável a função de verear e produtiva a vida de pequenas comunidades. Questões de alta indagação têm outros foros de discussão. Nada de apresentar na Câmara Municipal projetos de concessão de títulos e mais títulos a gente que ninguém conhece ou moção de solidariedade aos povos oprimidos da África Central.

O pretor não cuida de coisas pequenas? Cuida sim. O bom administrador cuida de tudo, mesmo porque o que diga respeito a pessoas deve interessar a quem foi escolhido pela maioria dessas mesmas pessoas, através do democrático exercício do voto.

 

22/10/2016
emelauria@uol.com.br

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