Eleitores consumidores
Não é sempre que se tem à disposição para comentar um conjunto de reflexões tão convergentes como o de hoje. De início, agrada-me pela clareza e didatismo o perfil do candidato traçado por Maria Olívia Garcia, em seu artigo de sábado passado aqui neste DEMOCRATA. Diz ela que vem tentando convencer algumas pessoas sobre a necessidade de se elegerem bons nomes à nossa Câmara Municipal. Como todos nós, ele teme o pior tipo de voto que existe – o voto de brincadeira, o voto dito de protesto, o voto que achincalha as pessoas e esfacela as instituições públicas. De fato, dar-se ao trabalho de ir à seção eleitoral e escolher sucedâneos locais de tiriricas e cacarecos é de uma irresponsabilidade inclassificável. * Desde logo, estabeleço inevitável correlação entre os temores de Maria Olívia e a contundente análise de Bóris Fausto, no suplemento “Aliás”, do Estadão de domingo passado. O lúcido historiador e professor emérito de Ciência Política da USP, na força dos seus oitenta e um anos, lança mais um dado perturbador na já difícil compreensão dos fenômenos políticos nacionais. Diz ele que se vive a banalização da política, principalmente por causa da exagerada interferência do marketing nas campanhas: quem fala não é o candidato, as ideias que ele prega não são suas, as propostas que ele traz pouco têm a ver com o que ele em realidade pensa. De igual modo, também o eleitor pouco pensa no bem comum, porque o foco de suas atenções está bem longe dali. Perderam o sentido as plataformas eleitorais, os comícios, a propaganda gratuita, os debates. O que vale, hoje, é o corpo a corpo, o agradinho pessoal, a proposta ao pé do ouvido, a promessa, ainda que descabelada ou fantasiosa. A internet, ah, a internet influencia muito mais o processo e vai construindo com notável rapidez um inesperado tipo de democracia direta, que guarda certa semelhança com aquela que os atenienses praticavam na praça pública, a ágora. (Esta observação é mera conclusão pessoal minha.) * O eleitor, diz Bóris Fausto, tem hoje a cabeça de consumidor. E dá como fato novo a emergência formidável de uma classe C (identificável como a capaz de assumir prestações superiores ao total de seus ganhos), que se vai constituindo como sujeito político, para quem o julgamento do mensalão, com seu palavrório empolado, não incomoda tanto como o dia a dia extenuante. Assim, conclui ele, numa cidade desumanizada como São Paulo, seria o cidadão consumidor, e não o cidadão eleitor propriamente dito, quem escolhe o prefeito e os vereadores da cidade. * Guardadas as enormes distâncias, as observações de Bóris Fausto sobre a cidade de São Paulo têm cabimento em qualquer outra, desde que se parta de uma perspectiva reducionista, segundo a qual, numa metrópole , o pensamento que leva ao voto num dado candidato é o mesmo posto em prática numa paróquia, num bairro, numa associação de fundo religioso ou esportivo. Pensando bem, e a observação é apenas minha, quanto maior a cidade, menor o desenvolvimento do que se poderia chamar espírito cívico. Tome-se como exemplo a pesquisa recentemente realizada entre paulistanos comuns sobre o sentido do 7 de Setembro. Poucos, pouquíssimos relacionaram a data com o fato histórico da Independência do Brasil, aliás ocorrido ali mesmo, às margens plácidas do riacho Ipiranga, hoje canalizado. Para a grande maioria (são os tais eleitores consumidores) o que se comemorava realmente era o feriadão, a nova e feia palavra mágica que significa fugir das durezas do cotidiano, ainda que à custa de colossais congestionamentos e do máximo desconforto. Perdida essa noção básica de civismo, em essência a preocupação com as coisas da cidade, em seu sentido etimológico, explica-se por que está cada vez mais difícil a eleição de alguém, que não tenha suas possibilidades de votos alicerçadas em vínculos profissionais, religiosos, de vizinhança, de potencialidade na prestação de pequenos favores, de quebrar um galho aqui, de aplainar uma irregularidade ali... Enfim, a vitória da política, na sua menor expressão possível. Sob essa triste ótica, sem essas muletas do paroquialismo, do bairrismo, do compadrio, da companheirice, do puro interesse, nenhum candidato assim desprotegido terá a mínima chance de vitória eleitoral. Ficam em plano secundário ou simplesmente ignorados aqueles pobres diabos que se metem em política tendo todos os pontos positivos arrolados por Maria Olívia: ficha limpa, honestidade e firmeza, estabilidade profissional, exercício consciente da cidadania, nível cultural compatível, ética e plataforma política, envolvimento com Educação, Cultura e Saúde... Eles que se enquadrem nos novos padrões de aspiração social! Ou será que veremos coisa diferente neste 7 de outubro? * Não percebo a passagem do tempo durante a longa entrevista que o lúcido sociólogo italiano Domenico De Masi, autor do revolucionário livro Ócio produtivo, concedeu à Conexão Roberto d’Ávila, na TV Brasil (canal 116 da Sky), ao final da noite de domingo. Ele fala com desembaraço, conhecimento de causa e incorrigível otimismo sobre qualquer assunto que o entrevistador lhe propõe. Uma das questões me faz retornar ao artigo de Maria Olívia: De Masi explicita qual a grande missão do intelectual nos dias de hoje – ser o correto interlocutor entre a mídia engajada e o cidadão comum, que precisa de subsídios para melhor se localizar ante os múltiplos problemas da vida. Forte, não? Forte, mas verdadeiro, porque não apenas em política, como também em todos os aspectos da convivência humana, o apego a uma só opinião, a defesa de um só ponto de vista, o sectarismo das conclusões em nada contribuem para aquilo que é o ideal em educação cívica: a criação de uma consciência crítica, analista e independente. De Masi revela-se francamente esperançoso a respeito do Brasil e vaticina ao nosso país importantes papéis, com base na criatividade de seu povo. Ele diz que durante séculos o Brasil foi receptor de formas e tendências originárias da Europa, em todos os campos do conhecimento: arte, ciência, filosofia. Chegou a hora, pensa ele, de o Brasil universalizar suas formas próprias de visão do mundo. E dá dois exemplos dessa criativa contribuição brasileira ao progresso humano: a arquitetura de Oscar Niemayer e a cirurgia plástica de Ivo Pitanguy. Ele não fica só nisso, quer que com sua contribuição pessoal os brasileiros tomem ciência de suas potencialidades e as apresentem de imediato como antídotos ao cansaço que hoje se percebe no que genericamente se denomina civilização ocidental. Para tanto, De Masi estará organizando congressos internacionais, de preferência em Paraty. Difícil conceber-se como lideranças geradas por um eleitorado consumista, superficial e despreparado venham a lutar por melhores condições na educação, na cultura, na tecnologia, no aperfeiçoamento das instituições, na ascensão social. É ver para crer. *
Hoje, inauguração da mostra fotográfica de meu filho-xará.
Exposição fotográfica "Com os olhos no mundo", no Museu Rio-Pardense "Arsênio Frigo" (situado na praça Capitão Vicente Dias, 9, ao lado da Biblioteca Municipal “Monteiro Lobato” e atrás da Igreja Matriz de São José - telefone 19-3682-7856)
22/09/2012 |