AS ESTAÇÕES PERPLEXAS

 

               Quem me dera fosse de minha inventiva tão belo título, de que me aproprio mais uma vez. É de Cecília Meireles, a mais forte vocação feminina da poesia brasileira, capaz de buscar antes no fundo do coração do que no cérebro o adjetivo a um tempo imprevisível e apropriado.

 

               De que poderia falar seu texto sob denominação tão sugestiva? Exatamente do que se espera de um poeta verdadeiro - como o desenrolar dos dias esteve não poucas vezes em desacordo com as referências do calendário; como as pessoas por vezes vivem as fases que lhes cabem, fora do momento cronologicamente adequado, esperável. Mas, desde que o mundo é mundo, as loucuras do tempo e do clima, assim como as intempestividades humanas, constituem tema inesgotável, a ponto de alguém já haver fundamente refletido sobre o difícil início das aproximações interpessoais se não contássemos com o comportamento irregular dos ventos, das águas, dos calores, dos humores. Pense em como, graças a inesperada chuva, a ventania mais que súbita, a queda brusca de temperatura ou a tresloucada subida dela, encetamos bons papos, corremos o risco por vezes incalculado de conhecer pessoas interessantíssimas, que nas inalterabilidades burocráticas dos climas passariam por nós sem deixar o mínimo traço, sem nada acrescentar ou retirar do mútuo intercâmbio. Vivam, pois, as estações perplexas, motivos de novas conversas que tornam amenas as cada vez mais arrastadas esperas não só nos consultórios médicos e odontológicos, mas também nas variadas ante-salas do cotidiano.

 

               O fato é que abril passou sem se mostrar na sua melhor face – luminosidade levemente adocicada, manhãs risonhas, tardes oscilando entre os calores do verão e as incertezas do outono, noites de céus profundos no brilho limpo das estrelas. Não só abril revelou muito pouco de seu esperado caráter como também este maio quase findante e pleno de aguaceiros desprogramados.

 

               Não bastassem todas essas convulsões meteorológicas, reinaram ainda os efeitos perversos das vacinas cubanas aplicadas de graça nas flácidas carnes de credenciados candidatos àquela matéria obrigatória que o velho Machado chama  de “geologia do campo-santo”. Bem mais de uma pessoa situada na extensa rampa descendente da existência tem jurado a si mesma e a quem mais deseje ouvir que não voltará a dar o braço a picar. Não raro se tem trocado mera hipótese de gripe pela certeza de mal-estares bem mais aborrecidos.

 

               São, porém, muito mais significativos os pretextos de se falar bem desse fluir desordenado dos tempos. Muitos sábados de abril e de maio guardaram, com chuva e tudo, o aspirado encanto de aconchegos matutinos, as realizações de momentos de superior significado. Não é de se ter a mínima queixa deles e sim de se efetuar mais detido exame deste último – 15 de maio -- , com seus aguaceiros, suas umidades e a grata comprovação de coisas boas acontecerem.

 


Arabesco
Gruta N S Lourdes - SJRioPardo

 

               Imagine você que nesse dia plenamente vivido me vi cercado de interrogações incomuns e de qualificações lisonjeiras. Tudo por causa da exposição pública de umas tantas fotografias minhas no belo espaço que o Centro Cultural Ítalo-Brasileiro criou no alto do cine Colombo. A Casa Euclidiana  até colocou a mostra na programação comemorativa dos cento e três anos da ponte de Euclides. Na boa e honrosa companhia de Bene Trevisan (ele e a Petrobras aboliram por conta própria os acentos gráficos dos respectivos nomes), vi dezenas e dezenas de pessoas de boa vontade enfrentar a instabilidade climática da tardezinha e cultivar a boa prática de uma reunião abstêmia, com certeza para afastar as más lembranças do etilismo presidencial. Chazinhos com bolos, pães, biscoitos, torradas, tudo entremeado daquelas polidas gentilezas que tornam civilizado o convívio humano.

 

               Não nasci ontem para me deixar levar pelas boas palavras forradas de amistoso exagero  que os observadores de minhas paisagens rio-pardenses gastaram na apreciação de meus ângulos, minhas composições, meus achados de foco.

 

               Não que eu não goste do que ali apresentei. Atribuo, contudo, o êxito da exposição à beleza  quase inesgotável de nossa castigada cidade, como que vencedora da mais dura de suas batalhas – a contra os estragos que gerações de cidadãos até bem-intencionados fazem em sã inconsciência aos nossos tantos lugares cordiais. Ainda bem que a força vital da Natureza  não vem demorando em recompor rombos, esconder cicatrizes, reviver a vegetação agredida.

 

               Prioritariamente, fica aqui impresso com todas as letras o prazer todo que compartilhei no sábado, 15, com as pessoas empenhadas no reencontrar o sentido de combinações harmônicas e no corrigir as perplexidades não só das estações, mas também da perigosa/corajosa interferência em mudanças por vezes imperceptíveis na essência das coisas.

 

               Fotografia serve para isso, para fixar um irrepetível conjunto que nosso olho captou e registrou  com especial sentimento de beleza. Fotografia, como a poesia, como as vozes do coração, é mais uma daquelas tentativas de, se não recuperar, ao menos reter o breve instante que passou, a aspiração que aflorou. Fotografar tem tudo a ver com a reabilitação dos tempos e com a retenção das esperanças.

 

               Releio o último parágrafo e percebo que não o entendo por inteiro. Não reclame, portanto, meu paciencioso leitor. Você não está sozinho nessa interrogação sem resposta.

 

               Isso é bom, cheira a estranhamentos de poesia. Valoriza e dignifica, penso eu. Nem tudo precisa ser cartesianamente demonstrável nem didaticamente explicável.

 

 

ACERTANDO O PASSO

 

1.      O Paiva mereceu de verdade. Ainda bem que muitos também acharam. Registro com prazer a aprovação de tantas pessoas, especialmente de seus familiares e colegas profissionais,  a meu julgamento aqui expresso.

 

2.      A respeito das boas palavras de Lázaro Chaves, só lhe pude agradecer através de alguns textos apropriadamente referentes ao Dia das Mães. Ele foi uma, na apreciação de meus pretensos dotes.

 

3.      A observação sobre a falta de resposta das pessoas ao que de modo geral se escreve em jornal, rendeu umas tantas interpelações na rua, alguns telefonemas e uns e-mails de leitores que me desmentiram. Garantem que lêem não só o que escrevo. Elogiam o corpo de colaboradores do DEMOCRATA. Ah, bom.

 

4.      Nunca tive ilusões a respeito da capacidade da televisão comercial quanto a condensar declarações sobre assuntos culturais, mas a Globo extrapolou na desinformação sobre a caderneta manuscrita de Euclides da Cunha chamada “Ondas”. Maria Cristina da Rocha, Alvinho e eu gastamos em vão o nosso latim, por mais de uma hora. Falamos, mostramos, analisamos, tiramos conclusões.  A “Antena Paulista” reduziu tudo a menos de dois minutos.

 

 

22/05/2004

emelauria@uol.com.br

 

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