Do trivial fino

 

A nova inquilina do Planalto/Alvorada está pouco ligando para as querelas em torno do feminino do substantivo  presidente. Para ela, o caso está resolvido há muito tempo. Não sei se andou consultando especialistas, mas o fato é que  bons gramáticos admitem e bons  dicionários consignam a forma presidenta, no sentido de mulher que preside. Tanto que ela já mandou pôr placa nova na principal suíte do principesco avião ainda chamado Aerolula. Leio que lá está com todas as letras: PRESIDENTA DA REPÚBLICA. Logo mais, outra novidade – nada de Aerolula. Apenas Aerodilma. Quem foi ao vento perdeu o assento. É como dizem os eruditos: zé fini.

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Quem escreve, apesar de pensar fundamentalmente em si mesmo, quer ser lido. E é muito bom saber que todas as vezes que escrevo com a emoção mais à mostra, o retorno é imediato. Telefonemas, recados, sugestões, aditamentos, bate-papos na rua, e-mails até comovidos. Dois recentes assuntos de memórias, um sobre meu tio Marcello Bertocco e outro  sobre minha colega de escola Maria Celina Rangel tiveram bela acolhida entre meu fiel leitorado e até entre um segmento de público que pouco se manifesta a respeito do que lê. Isso anima e dá justificativas para se persistir.

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Andou muito bem o Dr. Luís Carlos Montanheiro em reunir em belo opúsculo de oitenta e duas páginas com muitas ilustrações o depoimento de seu pai, Carlos Montanheiro: Vida e histórias na aviação. Gestos como esse perenizam o trabalho profícuo, salvam do injusto esquecimento pequenos ou grandes episódios que marcaram vidas. Além disso, constituem exemplo a que outras famílias também se animem a colocar a salvo a boa memória dos seus,  que prestaram relevantes serviços ao País, a São Paulo,  à cidade.

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“Alguns dos versos livres que correm por aí, bem que deveriam ser presos!” – esta frase causou espécie há um século. Hoje quase ninguém sabe sequer o que é verso, quanto mais livre.

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Arte da palavra. Arte da dança. Arte de representar. Só existe uma arte irrecusavelmente importante: viver. E como é difícil!

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Assim como tantas pessoas não conseguem acompanhar um pensamento de mais profundidade, também a boa música  não alcança a tantos porque ela  não passa de um profundo pensamento sonoro.

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Certas pessoas são capazes de tudo por dinheiro – até mesmo trabalhar. Muitas delas cairão em desânimo profundo se fizerem uma conta assim: trabalhando quarenta anos a dois mil reais por mês, ganharão menos do que o Ronaldinho Gaúcho num só mês, em seu acerto com o Flamengo. (2.000 x 13 = 26.000,00. Em quarenta anos: R$ 1.040.000,00...). Ronaldinho abiscoitará R$ 1.250.000,00 de trinta em trinta dias. Ou até um pouco mais, com o tal direito de arena.

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Conselho a jovem escritor: “Quando você  encontrar no que escreveu um trecho que lhe pareça particularmente brilhante, risque-o.” A razão disso é cristalina: o leitor comum só quer saber quem casou com quem, ou nos momentos mais dramáticos, quem matou quem.

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Calúnia é delito irreparável, irretratável. É como abrir um travesseiro de penas no alto de um prédio em dia de vento e depois tentar recolhê-las uma a uma...

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Cultura exige constância, aprofundamento, aplicação. Ninguém sobrevive nem do prestígio nem do saber alheios. Cultura é o que fica para cada qual,  depois que tudo se esqueceu, inclusive desafeições.

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Há pianistas tão ruins, que ao invés de acertarem o banquinho, puxam o piano. Não dedilham, digitam.

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Levando-se em conta que não é comum no pensamento filosófico a presença da frase clara e cristalina, faz sentido dizer-se que a  clareza é a gentileza do filósofo. Poucos são gentis.

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Levou anos e  anos para descobrir que não sabia escrever, mas aí já não podia parar – tinha ficado famoso demais. Na verdade, sabia escrever, especificamente letras de músicas muito inteligentes, cantadas por Raul Seixas. Foi injustamente proibido no Irã!

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Maneira elegante de traduzir a frase popular “comer abobrinha e arrotar peru”: “Estou morrendo acima de minhas posses” –  palavras finais de Oscar Wilde.

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Memória: as boas lembranças duram muito; as más duram ainda mais.

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Não foi gentil  Hobbes, o filósofo pessimista que considerou o homem como lobo de outro homem, ao dizer que a  ociosidade é a mãe da filosofia. Além de lobo, preguiçoso?

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O xadrez propicia uma espécie de inteligência que serve só para jogar xadrez. Baralho também. Palavras cruzadas idem. O que tem validade de amplo espectro é a leitura.

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Objetivo supremo da medicina ainda nem sequer projetado: tornar contagiosa a saúde.

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Os cisnes cantam antes de morrer. Muitos dos nossos cantores deveriam morrer antes de cantar.

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Peçamos aos céus que Dilma Rousseff não descubra em poucos meses que metade de meus ministros não é capaz de nada. E que a  outra metade é capaz de tudo!

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Privilégio: o homem que escreve nunca está só. (Isso deve valer também para as mulheres, creio.)

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Quando em qualquer circunstância da vida o homem tem capacidade de projetar seu pensamento para amanhã, fica fácil entender que a esperança é a memória do futuro.

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Quando não se tem dinheiro, pensa-se muito nele. Quando se tem muito dinheiro, só se pensa nele. (Jean Paul Getty, multimilionário)

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Quem sabe faz. Quem não sabe põe defeito, torce o nariz,  comenta com ares de superior entendimento.. Por isso a amarga verdade contida no conselho dado pelo dançarino russo Nureyev a um jovem que gostaria de seguir a carreira de dançarino, mas achava que não levava jeito: “Tente a crítica da dança”...

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Ramón Gómez de la Sierna descobriu que O pensador de Rodin é um enxadrista a quem tiraram a mesa com o tabuleiro.

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Resumo de um grande e milenar problema: ciência é o que a gente sabe; filosofia é o que a gente não sabe.

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Se o sujeito não se educar para saber apreciar música lírica, concordará em que  ópera é a situação teatral em que alguém é apunhalado pelas costas e, ao invés de sangrar, canta.

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Tem-se testemunhado tanta sabedoria nascida de pessoas de  pouca vivência livresca. Por isso é muito verdadeira a frase: Cada homem que morre é uma biblioteca que se extingue. Cada homem é autor, ao menos,  do livro de sua vida.

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Três vantagens do livro sobre o computador: pode ser levado para a cama, para o banco de jardim e para o banheiro. (Ainda não tinham inventado o laptop com roteador.)

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Uma bela arquitetura dá sempre belas ruínas. Isso se aplica  também a pessoas de certa idade, mas não de idade certa.

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Recebi e cumpri  com satisfação a tarefa  que me passou Otoniel Fernandes Neto de escrever uma introdução à nova edição do livro que fala de suas telas sobre a guerra de Canudos, conforme a óptica de Euclides. A maioria de seus quadros, tão luminosos e verazes, pertence ao acervo da nossa Casa de Cultura Euclides da Cunha. São vinte e nove, permanentemente expostos. Vale a pena vê-los ou revê-los com mais atenção. O livro, em português e inglês, sai no meio do ano. Otoniel, que tem grande admiração por nossa cidade, é baiano de nascimento e reside em Brasília. Foi a Nestlé quem adquiriu o conjunto dos quadros e o doou à Casa de Cultura.

 

22/01/2011
emelauria@uol.com.br)

 

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