Aposentado? Coitado, quase sempre
Não sei como levar a sério as manifestações que as associações de funcionários estaduais aposentados promovem de vez em quando, na doce ilusão de convencer o governador de plantão a não só atender algumas reivindicações como também, principalmente, a respeitar dispositivos constitucionais e estatutários que lhes garantem, no papel, reajustes anuais, paridade com o pessoal da ativa e outros sonhos de noites de verão. Recente pesquisa de âmbito mundial tira qualquer ilusão quanto a mudanças de atitudes dos governantes em relação às pessoas que, tendo cumprido suas obrigações funcionais e atingido determinada idade, esperam quase sempre com ansiedade o momento da aposentadoria como uma espécie de passaporte para o ócio com dignidade. A realidade, quase sempre, é frustrante em todos os sentidos, seja pela diminuição sensível de vencimentos, seja pelo rápido esquecimento que se abate sobre passados de lutas e de serviços relevantes à comunidade. A expectativa de vida está aumentando no mundo todo – o que é transtorno dos mais sérios para as fontes pagadoras de qualquer forma de previdência. Quem efetuou a pesquisa em vinte e cinco países foi o HSBC, banco de expressão mundial. O tema foi “O futuro da aposentadoria” e contou com a participação de vinte e uma mil pessoas, entre quarenta e setenta e nove anos de idade. No Brasil foram consultadas mil pessoas. No estado de São Paulo, diversas entidades associativas e sindicais já estudaram o problema da previdência social e chegaram a conclusões que apenas confirmam as linhas gerais da situação dos aposentados no mundo todo: os servidores públicos paulistas convivem com incertezas, porque as reformas administrativas e previdenciárias traçaram novos rumos no sistema de custeio e pagamento dos proventos de aposentadorias e pensões. Pelo resultado desses estudos, que não abrangem senão o comum dos funcionários do Executivo (deixando de lado e à sombra das benesses os parlamentares, a cúpula dos três poderes e outros privilegiados que conseguiram transformar direitos adquiridos em vícios consolidados), os servidores perdem gratificações, adicionais e outros itens que integram o salário na atividade. Quando recorrem à Justiça e têm ganho de causas, o comum é esperarem por anos, por décadas, o pagamento dos precatórios. Muitos morrem às portas da miséria, mesmo tendo substanciais quantias para receber dos órgãos públicos. Um servidor de setenta e um anos, considerando a morosidade no pagamento de precatórios, calculou que o seu só lhe seria pago quando tivesse cento e quatro anos de idade... E o pior: os poucos reajustes de vencimentos dos servidores na ativa não lhes são repassados. Recente notícia jornalística informa que os professores aposentados paulistas não contribuem suficientemente para a previdência, de tal modo que todo mês o Governo precisa colocar dinheiro para a complementação das folhas de pagamento. De nada adiantarão, portanto, as reclamações e as frases de efeito, como a de uma presidente de entidade classista que grita com toda a força dos pulmões: “Estamos escancarando a verdade e mostrando que não exageramos ao dizer que estamos na lata do lixo”. Não bastasse essa míngua de pagamentos, ainda muitos aposentados são forçados por familiares a lançar mão de expediente perigosíssimo e de efeitos devastadores: socorrer-se do crédito consignado, pelo qual ficam devedores de entidades financeiras que lhes concedem, gostosamente, empréstimos a juros escorchantes, comprometedores de até cinqüenta por cento dos vencimentos mensais... Incluo-me no menos sofrido grupo dos aposentados que nunca se acomodaram na situação de apenas funcionários públicos. Apesar de professor secundário nos meados do século passado ganhar muito bem, desde muito jovem, antes mesmo de ingressar no ensino oficial, lecionei em escolas particulares e mais tarde em escolas superiores ligadas ao sistema previdenciário federal. Minha carga de trabalho chegou a ser, por muitos anos, extremamente pesada, ainda mais que se lecionava também aos sábados. Num curto período, uma secretária da Educação paulista esmerou-se no exagero de não poupar sequer os professores e alunos dos cursos noturnos. Cheguei a dar aulas aos sábados à noite, no “Euclides da Cunha”. Além dessa aberração educacional, eu e outros colegas nos desdobrávamos em três penosos turnos de trabalho docente. De certo modo, porém, deste esforço muito próximo do limite da capacidade de trabalho, resultam hoje vencimentos decorrentes da acumulação de dois cargos de professor, expressamente prevista nos textos constitucionais brasileiros. Não é segredo para ninguém a vexatória situação vivida por professores da rede pública paulista que têm de recorrer aos préstimos de associações de classe, como entre nós a ARPA, e mais abrangentemente a APAMPESP, sem as quais não teriam nem como tratar com decência de seus problemas de saúde. O IAMSPE, Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual, há muito deixou de ser o modelar prestador de serviços à classe. A verdade é que, nesta nossa cidade, desinstalou-se o setor de atendimento, que durante anos foi invejável. Nossos cinco filhos, por exemplo, nasceram na Maternidade do Hospital São Vicente, em apartamentos confortáveis inteiramente subsidiados pelos IAMSPE. Hoje, se não fosse o meritório empenho da ARPA (Associação Rio-Pardense de Professores Aposentados) em manter plano coletivo de assistência médico-hospitalar com o SAVISA, grande parte dos professores aposentados teria de se contentar com o atendimento mínimo do SUS, porque o poder aquisitivo da classe do magistério público está em franca deterioração. De tudo aqui sucintamente exposto, tiram-se algumas conclusões inevitáveis:
21/06/2008
|