Contrastes & confrontos
Herói da Pátria Fico sabendo, com certo espanto, que existe o Livro dos Heróis da Pátria e imagino quem o integra, sem que alguém conteste os méritos de cada homenageado. Penso em Tiradentes, quem sabe uma das quase unanimidades nacionais, mas logo me lembro da possibilidade de um rato de biblioteca vir a público para dizer que a figura de Joaquim José, barbudo, cabeludo, com uma corda no pescoço, não passa de invenção de algum artista a serviço do oficialismo, para dar ao mártir da Inconfidência fisionomia que muito lembre a de Jesus Cristo. O reconhecimento do heroísmo de Tiradentes se deu muitos anos depois do enforcamento, em 1792. Leio, não me recordo onde, que a elevação dele a figura relevante da história nacional se deu pela falta de outros candidatos aceitáveis... Não é fácil contentar a todos os brasileiros. Pedro I e II, Caxias, Osório, Mascarenhas de Morais, Juscelino Kubitscheck, Oswaldo Cruz, Machado de Assis, Ayrton Senna – ninguém deixa de ter um defeitozinho, um porém nas biografias. Como será a receptividade ao nome de Euclides da Cunha, agora proposto ao Conselho de Educação, Cultura e Esporte, do Senado Federal? O autor da indicação é o deputado federal Carlos Bezerra (PMDB – MT); o relator: Otto Alencar, senador pelo PSD da Bahia. No parecer do relator, não faltam argumentos em favor de Euclides, considerado grande escritor, sociólogo, professor e repórter de particular valor, especialmente no livro Os sertões, que trata da Campanha de Canudos (1896/97). Nele é feita minuciosa análise das características geológicas, botânicas, zoológicas e hidrográficas do sertão da Bahia. Além disso, são estudados os costumes, a religiosidade e a psicologia dos seus habitantes, pela primeira vez apreciados com profundidade e simpatia por um estudioso originário do litoral. Em suma, o relator Otto Alencar considera Os sertões como “uma das obras mais sofisticadas de compreensão do Brasil”. Aguardemos. A Casa Euclidiana e a Câmara Municipal bem que poderiam manifestar-se em favor da iniciativa.
Os novos viciados Para mim, para você, para a grande maioria de maduros e velhotes, é ainda difícil tentar saber até o que vem a ser o tal WhatsApp, mas para uma crescente multidão de usuários, o novo serviço se incorporou às necessidades individuais e sociais mais prementes. Ou por outras palavras, com cerca de cem milhões de usuários no Brasil , o serviço se tornou indispensável para quem quer se manter em contato com a família, amigos, e até mesmo fazer negócios. No começo deste mês, muita gente entrou em pânico quando o tal WhatsApp foi tirado do ar por decisão de um juiz do interior nordestino. Na verdade, a razão principal do pânico não se relacionava menos com prejuízo nos negócios e mais na comprovação de um dado novo: há milhares e milhares de pessoas viciadas no serviço, que substitui tanto o telefone convencional quanto o e-mail. Jovens entre 18 e 30 anos são os mais atingidos pela nova forma de dependência, que se junta aos games e ao facebook. “As pessoas viciadas substituem e perdem coisas da rotina diária para ficar usando o app. Deixam de dormir, faltam na escola e no trabalho”. Já funcionam centros de pesquisas que se preocupam em “desintoxicar” esses novos viciados, que começam a perceber que o uso desmedido da nova tecnologia pode ser a causa de sérios problemas na vida familiar, afetiva e profissional. Sinal dos novos tempos.
Última flor do Lácio, inculta e bela Este verso decassílabo heróico está num soneto outrora famoso de Olavo Bilac, que ninguém mais sabe quem foi. É uma espécie de definição da língua portuguesa, tida por ele como derradeira filha do latim. Essa definição só vale geograficamente, porque de fato Portugal é o mais ocidental dos países europeus. Mas trago à consideração de meu culto leitorado o verso bilaquiano para servir de introdução a uma evidência que estropia não só o português, mas o inglês e certamente o francês, o alemão e qualquer outro idioma: - Como os internautas do mundo todo se lixam para a correção do que escrevem! No inglês, por exemplo, you é grafado U... Love sai como luv - tudo mais curto, mais econômico. Estudiosos do assunto chegaram a uma triste conclusão: quem se enche de coragem e escreve na internet deixa de lado qualquer pudor de linguagem e redige como lhe vem à cabeça, pouco se importando se emprega s por ç, se manda a concordância às favas, se singular e plural têm grandes diferenças, se vírgulas metidas entre sujeito e verbo destroncam o pescoço da frase. Tudo bem se esses redatores despreparados não precisam escrever com correção e clareza,com coesão e coerência. Mas se forem estudantes que precisam vencer a dura concorrência dos vestibulares? Se forem profissionais de carreiras que exigem sempre boa redação? Aí o carro pega.
21/05/2016 |