Da hora
presente
Alegria de viver.
A
dar crédito aos articulistas de visão amarga, às revistas investigativas
e aos destaques de programas televisivos que já foram amenos e agora
mais parecem boletins de fatos policiais, o Brasil vive momento de
perigosa desintegração social.
Quantas vezes você ficou sabendo, recentemente, de alunos drogados, de
professores agredidos, de situações de pânico nas escolas? E de
escândalos, falcatruas em todos os níveis do executivo, do legislativo,
do judiciário? E das pequenas/grandes desgraças familiares que decorrem
naturalmente do que as pessoas vivem em todos os lugares?
Só
não sabe quem não vê, quem não ouve, quem não sente.
*
O
passado
é passado, imexível – como se atreveu a inventar um dos primeiros
sujeitos reconhecidamente incultos que
chegou ao núcleo do
poder
federal. Adivinhar
o futuro pode
ser
até lucrativa
profissão para
astrólogos, magos,
cientistas
sociais
e comentaristas
esportivos,
mas a margem
de acerto é
tão
baixa, que
ninguém tem coragem
de conferir os
prognósticos de um ano antes.
Com a até
exagerada facilidade de comunicação dos tempos
atuais, há registro
de tudo, ficamos a
par
de tudo numa
rapidez
que chega
a atordoar. Então
você apanha um jornal do dia e lê coisas já
sabidas por
outros
meios não
só na véspera,
mas até
na antevéspera. Abre uma revista semanal e comprova como tudo
envelhece e sai do noticiário no prazo máximo de
dez dias.
Passaram a produtos
perecíveis, durando quase
sempre
menos do que
um dia,
prazo de validade
que Malherbes deu às rosas.
*
Apertando, apertando, o que deve
ficar
de um dia, de um mês, de um período mais largo? No
plano
pessoal de todos
nós, há sempre aquelas vitórias contra
as insídias do
tempo,
contra o desfazimento das coisas, contra
o esquecimento
inevitável, à vista
mesmo
do próprio desencadear
das ações,
por
menores que
tenham sido. Pequenas derrotas também,
por vezes
tão doloridas,
porque
afinal pouco
influímos naqueles eventos de difícil catalogação, mas
sabidamente acima
de nossas forças,
fora
de nosso
controle.
Aquilo que
os ingleses chamam acts of God - atos de Deus:
somos por
eles
beneficiados ou prejudicados independentemente de nosso
querer ou de nossos temores.
Não é fácil lidar com essas
escassas vitórias
nem
com essas
derrotas
que só
tendem a repetir-se com o
fluir
dos dias. Valorizemos as vitórias, julguemo-nos imerecedores delas, para assim lhes sentirmos melhor
o sabor
inesperado. Consideremos as
derrotas como decorrências
naturais da vida
vivida. É sempre
bom lembrarmo-nos (quando
nos queixamos de
indisposições,
limitações e impossibilidades) que só há uma alternativa de ficarmos velhos:
é morrer!
À
nossa volta, a comprovação de
como
precisamos munir-nos de maciças doses
de
compreensão e
tolerância na análise
de soluções dadas a
problemas
alheios, com
repercussões, porém, em nossas vidas.
Não só
a problemas
criados,
vividos e resolvidos de maneiras incompreendidas para
tantos de nós,
e sim à
própria
concepção geral
do mundo, da
felicidade.
*
Uma
frase
que em
outras situações teve
até
efeito humorístico,
passa
agora a merecer
estudo mais
aprofundado: “Os pais só conseguem ensinar aos filhos que a gilete corta e que
o cachorro do
vizinho
morde” – assim brincou há
cinquenta ou mais anos Pitigrilli, hoje
esquecido escritor italiano, em sua tentativa de alertar as pessoas quanto
às grandes modificações advindas depois da guerra
de 1939-1945, que abalou conceitos até então tidos como
imutáveis. (Um
dia destes, a
estudiosa
de História
veio
com uma revelação
de cair o queixo:
a Idade Média,
para todos os
fins encerrada no
apagar
das luzes do
século
XV, na verdade só
terminou há poucos
anos. Temos muito
de medievais,
ainda...)
Hoje, depois de
tantas guerras, declaradas ou não, pouco resta de útil no sintético
conselho pitigrilliano, mesmo porque ninguém mais se
corta com
gilete
e pouquíssimos vizinhos se
comunicam. Hoje os lanhados, as
escoriações, as barbeiragens
se fazem com
novíssimos materiais cortantes, nossos
perfeitos
desconhecidos.
*
Além dos limitados horizontes
de tantas vidinhas, há a nossa inserção na cidade,
no país, no
mundo.
Aí tudo
é mais
grave
e menos
aceitável
ainda.
Como é que o nosso povinho, tido como
cordato e cordial,
foi perdendo seus
contornos
pacíficos, seu
modo peculiar
de ser e de agir? Como é que se
deixou brotar,
vicejar e se alastrar
a desconsideração, o
embrutecimento de tantas pessoas? Pode parecer caretice, reacionarismo,
mas tenho comigo
que o grande
inimigo de nossa
gente e de seu
jeitão de pensar
e agir tem um
só nome:
televisão.
Não o maravilhoso
veículo em
si, mas
o formato
que
assumiu no Brasil, com sua propaganda enganosa, com seu humor
rastaquera, com
sua rançosa
modernidade, com
a criação e estimulação de falsos ídolos, falsos porque
descompromissados com nosso passado, com nosso presente, com nosso futuro. Tudo vale na conquista de quinze minutos
de glória e na
fixação
de campeões de
audiência. O resultado
aí
está: enquanto
nada
melhora de verdade
nas camadas
menos
favorecidas, todos
são
levados a almejar
a compra de
tudo, a fruição de
tudo, a participação em
tudo,
ainda que
a preços
que
levem à bandidagem, à jogatina,
ao vício, ao desregramento social.
Daí
criancinhas de três
anos,
sob os olhares
abobalhados dos
pais, exibindo-se com
desembaraço
na imitação da cantorazinha de terceira categoria;
daí a mocinha
suburbana
ou interiorana
assumindo as posturas da
atrizinha sem a mínima vocação, momentaneamente no
gosto
dos telespectadores grudados na novela das oito;
daí a ascensão meteórica do
esportistazinho
medíocre, do politicozinho campeão de votos
sabe-se lá
como
e por
quê; daí essas liderançazinhas nacionais de repente
flagradas com a
mão
na cumbuca... Daí a naturalidade
da prostituição disfarçada em
turismo ou
arte; daí o vale-tudo
em tudo.
Daí, enfim,
este
nosso Brasil tão
sem classe, tão sem educação, tão sem saúde, tão sem cultura, tão sem futuro
assegurado.
A
televisão, no
perverso
formato brasileiro,
ou cria
ou estimula ou
mantém todas essas formas de aviltamento pessoal,
de completo
desapreço
ao trabalho, ao
estudo, à persistência
no caminho
tantas vezes
áspero
do esforço
mal
retribuído. Ao invés, a criminalidade em
alta, a vagabundagem institucionalizada,
os males
nacionais
disfarçados na fantasia dos
demagogos, jogados sob o
tapete
da sala de
visitas.
*
Muito pessimismo?
Antes fosse. Organiza-se um certame internacional, com
representantes de quarenta países,
a respeito de conhecimentos
básicos da
matemática, da linguagem,
da leitura.
Quem fica entre
os penúltimos
ou
declaradamente são os últimos? Os brasileiros,
jovens de treze a dezessete anos, produtos inacabados de nossa
má escola, tantas
vezes
um encenado
teatro
em que
uns fingem ensinar e
outros
fingem aprender. Nada
que dure mais
do que o
cumprimento
de uma tarefa
que
valha a promoção, a continuidade
de um roteiro que leve multidões
ao final de
cursos
sem seriedade
e de validade
mais
que duvidosa.
*
Que
Deus aceite
a condição de
brasileiro
que lhe
dão de tantas maneiras e, como conterrâneo
nosso, trabalhe a
nosso favor, cuidando da
benignidade do clima, da pureza dos ares e das águas, da
fartura
das colheitas.
Que
incuta nos
governantes o desejo
de honrarem os votos recebidos;
nas lideranças de toda
ordem, o renascimento
do respeito pelas
aspirações
tão simples
e tão concretas do
povo
sem voz
; nos
empresários
alguma coisa como
a visão
social
do lucro; nos
que escrevem e ensinam, a sincera disposição de
colocarem o objeto de seu labor em causas nobres, no benefício
de todos.
Amém, amém.
21/04/2012
emelauria@uol.com.br)
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