No frigir dos ovos

 

Por causa de Babel

1. O velho amigo velho me chama a atenção para uma confissão que, segundo ele, eu não devia ter feito:

-- Nossa, dizendo pra todo mundo que está achando difícil subir aquela rampinha da Várzea?

--   Pois é, difícil, mas não impossível.  Não só eu acho isso.

--   Mesmo assim, não devia ter dito... Passa idéia de muita velhice.

Então me lembrei de meu tio Mário Bertocco, que sistematicamente aparecia aqui por casa todo sábado, lá pelas duas da tarde, para conversar com minha mãe, com meu pai.

Um sábado ele não apareceu. No outro, também não. Fui à procura dele saber a razão das faltas.

-- É que a última vez que fui lá, na volta, quando subia a rampa da Várzea, perdi o equilíbrio e caí para trás. Logo vieram me acudir, perguntar se eu tinha  me machucado. Não gostei nada do papel de velho. Não vou mais a sua casa.

E não foi mesmo.

 

2. Meu vizinho aqui do lado, nesta última página,  me escreve que também tinha ido ao cinema para ver Babel. Não suportou a falta de modos da assistência, mais preocupada em papear, em comer pipoca e tomar refrigerante do que prestar (e deixar prestar) atenção ao filme. Enfim, não tinha conseguido apreciar o filme, de que esperava mais. Nós é  que tínhamos tido sorte com os outros quatro silenciosos espectadores da nossa sessão...

 

3. Meu leitor atencioso e assíduo me chama na rua e me adverte:

-- Você é louco de sair do cinema quase meia-noite e bater a pé até sua casa? Você e Marina? Precisa ser mais cuidadoso, porque de repente um marginal aparece e faz a festa...

Confesso que nunca havia pensado nesta nossa São José como lugar inseguro em que já não se pode andar despreocupado à noite.

(Lembrei-me da apreensão do recepcionista de um hotel do centro do Rio de Janeiro, preocupadíssimo porque nos viu --  minha mulher e eu --  sair a pé ali pela Cinelândia, noite fechada. Quando regressamos sãos e salvos, ele nos perguntou  se tínhamos ido muito longe.

-- Sim, fomos à Sala Cecília Meireles, à nova catedral na Rua Chile...

-- É... Bem se vê que os Srs. não são daqui do Rio...)

Outras pessoas que estavam ali nos escutando deram toda razão a meu leitor silencioso e assíduo.

É, os tempos estão mudando e nós precisamos mudar com eles...

Um dos circunstantes entrou na prosa externando sua estranheza:

-- Puxa! Vocês foram ao cinema? Nem sei quanto tempo que eu não vou. Seguramente uns quinze anos...

E todos ali presentes mostraram que sentem muita falta do cerimonial de sair de casa em determinada hora para o fim específico de assistir a um filme, que hoje você encontra em DVD, numa locadora qualquer ...

-- É, reconhece um deles, mas nada tem o encanto de ir ao cinema, namorar no cinema...

Aí, se não se toma cuidado, cai-se numa daquelas lacrimosas sessões de nostalgia... Na verdade, aquele grupo de homens de meia-idade tinha era saudade dos belos tempos da juventude. E quem não há de?  O cinema foi elemento sem paralelo na formação afetivo-cultural de muitas gerações. Hoje não.

 

4. Minha colega de UNIP, sobrecarregada com suas muitas acumulações, pergunta com um tom de santa inveja:

-- Então, hem? Com tempo de dar suas voltinhas burguesas, de ir ao cinema, de escrever sobre o que quer, o que gosta?

-- É isso.

(Não deixo de ter saudade dos tempos de aulas de manhã, de tarde, de noite, das mil outras obrigações,  mas reconheço que a luta pela vida nos dias que correm está mais brava, mais ferrenha.  Acho que o grande complicador dos atuais professores é a falta de obstáculos para os alunos vencerem. Não dão valor à própria escola, pouco exigente com eles.)

 

5. E-mails de perto e de longe dão conta de que, depois da leitura do artigo, entendeu-se melhor o filme Babel, um tanto complicado para o gosto geral.

 

Umas & outras

1. O cronista-historiador (que não quer seu nome revelado, como se por aqui brotassem cronistas-historiadores  em cada esquina)  está às voltas com mais um livro sobre a cidade, sobre pessoas comuns da cidade. Tem até o nome na capa em prova: Décimo Terceiro. A referência é que já escreveu doze outros e se diz sem inspiração de escolher título mais específico para a sua penúltima obra. Ele sempre está anunciando que vai parar de escrever. Pois sim. As despedidas dele serão mais demoradas e repetidas do que as do cantor Sílvio Caldas, que disse adeus a seu público umas cinqüenta vezes.

Diz ele que trabalha muito, desde muito cedo até muito tarde. Pesquisa, confere, cataloga. Lida muito bem com o computador, mas ainda não se encorajou a ligar-se à internet.

“Fico morrendo de vergonha quando uma pessoa me pede meu endereço. Para uma delas dei o da Rua Francisquinho Dias, 650, onde moro. Não era o que ela queria.”

Então o assessor parlamentar nosso amigo comum e eu sugerimos  este: Francisquinhodias@650.com.br...

Ele nada disse porque não entendeu a brincadeira. O cronista-historiador precisa de um bom banho de informática.

 

2. Lembrança da Páscoa:

Alice, a netinha caçula, completou já quatro anos e está em plena luta para o domínio das insídias da língua portuguesa.

Frase dela: “Eu não ouvo direito”.

Correção do irmão sabe-tudo: “Ovo é de galinha. O certo é ouço”.

Rebate de Alice: “Mas osso é de cachorro!”

Eta  lingüinha danada esta nossa!

 

3. O médico urologista (ex-aluno, pra variar), dita à secretária o relatório sobre o ultra-som.

O paciente não acha muito bom o que ouve e o interpela depois:

-- Que quer dizer isso?

-- Nada, nada. Não se preocupe. Para sua idade está tudo bem...

Esse sua idade é que entorna o caldo.

 

4. O assessor parlamentar lembra nomes de ex-vereadores e faz apreciações muito favoráveis a alguns deles.

“ É tarde, muito tarde”, penso com meus botões, relembrando sermão famoso do esquecidíssimo e ceguíssimo  frei Francisco de Monte Alverne.

 

21/04/2007
(emelauria@uol.com.br)

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