DANDO SINAL DE VIDA

  

DESMENTIDO DE FALECIMENTO

Comunico aos meus parentes de perto e de longe, aos meus amigos leais e aos  meus leitores constantes  ou eventuais que são totalmente desprovidas de fundamento as notícias que correram na cidade, no começo da semana, segundo as quais  eu  teria morrido. Ao menos até agora, manhã de 18 de fevereiro de 2009, estou gozando de boa saúde, tirante os achaques próprios da idade e as preocupações de quem é marido, pai, avô, sogro, irmão e cunhado. Além de rio-pardense, paulista e brasileiro

Segundo duas ou três fontes que confirmam a mesma versão, o boato de minha ida desta para melhor teve início na madrugadinha de domingo, mais precisamente na Feira do Produtor, lugar muito adequado à troca de  tantos tipos de informações. Fiquei sabendo que ao menos três telefonemas chegaram à funerária, perguntando sobre o horário de meu enterro.

Agradeço de coração os telefonemas ressabiados que recebemos aqui em casa, no domingo e na segunda-feira, assim como àqueles que, não sei bem por quê, duvidaram de meu passamento e circularam pelas imediações de nossa casa para inferir se havia algum  fundo de verdade naquela boataria.

Só a partir dessa movimentação incomum é que pude perceber o ar de espanto de algumas pessoas  acompanhando incrédulas minha passagem por diferentes pontos da cidade.

Não posso deixar de reconhecer o tom de alívio de uma senhora, minha aluna em priscas eras, que, ao ouvir minha voz atendendo ao seu telefonema, exclamou: “Graças a Deus”, antes de explicar por que me ligara.

Provavelmente, nem todos diriam “graças a Deus” nas mesmas circunstâncias – o que faz muito confortadora a exclamação da mencionada senhora.

Não são raros esses quiproquós a respeito de quem morreu ou deixou de morrer. Sei de caso recente em que alguém leu a nota de falecimento de um cidadão, digamos que se chamasse Antônio da Silva. Logo em seguida o locutor recebeu alguns telefonemas até malcriados desmentindo veementemente aquela morte. Quem havia morrido era Antônio de Sousa. O radialista não se apertou:

- Senhores ouvintes, uma retificação. Quem faleceu não foi Antônio da Silva, mas Antônio de Sousa. Graças a Deus!

O injustamente esquecido jornalista rio-pardense Honório de Sylos, criador da Casa Euclidiana, teve o privilégio de ler no Estadão o seu próprio necrológio, caprichosamente redigido por um admirador  de Poços de Caldas, que o confundiu com José Honório de Sylos, parente falecido em Casa Branca.

Quando telefonei para a residência de Honório, em São Paulo, seu filho Luís Vicente antecipou-se:

- Olhe, meu pai está aqui, vivo e são. Você é a vigésima pessoa que telefona em uma hora...

Ainda não foi, portanto, nessa terceira tentativa que morri. Nas vezes anteriores bem menos pessoas ficaram sabendo do mal-entendido. Não alimento nenhuma ilusão a respeito dessa inevitável contingência, mas quero  lembrar a sabedoria da resposta de um ouvinte meio dorminhoco:

O sacerdote, inflamado no sermão, concita seus ouvintes:

- Quem quiser ir para o céu levante a mão!

O auditório todo ergueu os braços, menos o dorminhoco.

O sacerdote interroga-o: “O senhor não quer ir para o céu quando morrer?”

Resposta filosófica:

- Quando eu morrer, sim. Pensei que vocês estivessem indo agora...

 

DE UM CARNAVAL MUITO ANTIGO

A aproximação de mais um carnaval me traz sempre à lembrança uma cena marcante, ocorrida lá pelos começos dos anos quarenta.

No início da Siqueira Campos, rigorosamente no número 10, existe um grande armazém, hoje parece que ocupado por fabricante de calhas metálicas.

Ali já se instalou de tudo, desde oficina mecânica e de funilaria até máquina de beneficiamento de arroz e depósito da Nestlé.

Num carnaval, porém, aquele enorme espaço estava desocupado, o que levou um tintureiro de profissão e empresário nas horas vagas  a alugá-lo por curto período, com a finalidade específica de promover bailes carnavalescos  para o zé-povinho.  O ingresso era comprado ali mesmo, na  porta, por valor que deveria ser ínfimo.

Pelas duas portas de aço, daquelas de levantar, podia-se acompanhar a evolução dos preparativos da decoração: máscaras de pierrôs, colombinas e arlequins, anúncios de confete e lança-perfume, coisas assim.

O som, ao vivo, era de responsabilidade de um cantor, um  sanfoneiro, um pandeirista e um baterista. Quase não se ouvia nada do lado de fora, porque nem amplificador aquele pessoalzinho  instalara.

No baile de sábado, lá pelas nove da noite, a rua ficou cheia de curiosos, mais dispostos a apreciar do que a participar da humilde festança.

No domingo de dia, também boa frequência .

E então ocorre o inesperado: morre um jovem residente no comecinho da Silva Jardim, a uns cem metros do salão de baile.

O locador do armazém ficou sabendo daquela morte, mas não se sentiu na obrigação de suspender a festa popular. O rapaz falecido, além de pertencer a família muito estimada na cidade, era  bom jogador do Rio Pardo Futebol Clube. Provavelmente alguém advertiu o improvisado empresário da incompatibilidade de se cantar A Jardineira, Touradas em Madri e outras marchinhas de sucesso enquanto a família e os muitos amigos do morto o velavam tão próximos.

Mas pelo sim ou pelo não, o baile começou, para escândalo e revolta de muita gente. O pai do morto, corpulento homem de mais de cem quilos e acostumado à dura lide da ferraria instalada ali mesmo, não teve dúvida: foi à procura  do promotor do evento, pegou-o pelos colarinhos e lhe disse:

- Ou você para já com essa droga de baile ou eu te arrebento!

Claro que  acabou de vez o carnaval no armazém do comecinho da Siqueira Campos.

Ressalva:

Sei o nome do morto, do pai do morto, do tintureiro, mas não vejo necessidade de revelar isso. Também  não quero que se encare este relato como um episódio documentalmente histórico, mas apenas a reminiscência  que guardei comigo, sem a discutir ou conferir com ninguém.

 

A VEZ DO LEITOR

Não deixa de ser animador receber comentários verbais ou escritos sobre o que escrevo. É bom saber que de diferentes modos as pessoas apreciam e analisam os assuntos tão díspares de que eu aqui trato.

Exemplo: outro dia, ouvi de quem menos esperava um pedido incomum. Disse-me o bem-sucedido agente de seguros:

- Apreciei muito aquele seu artigo sobre as frases célebres de autores latinos. Fiquei encantado com a brevidade e com a precisão delas. Tirei cópias daquilo tudo e as distribuí a meus amigos, funcionários e clientes. Agora espero que você faça o mesmo com autores gregos.

Quase caí de costas, mas prometo pesquisar sobre o assunto. Apenas Sócrates, Aristóteles e Platão com certeza darão matéria para crônicas e crônicas.

A conterrânea exilada em São Paulo pergunta de onde eu tirei os dados do artigo sobre a república brasileira. Explico que daqui e dali, inclusive de lá do fundo da memória exercitada desde o grupo escolar.

 “Eu não sei direito nem o ano do descobrimento do Brasil”, exagera a internauta.

                                                    *******

Encontrando-me na rua com o ex-aluno Sérgio Catalano, comentei com ele:

- Na festa do centenário da Gazeta do Rio Pardo, você foi todo engravatado, todo produzido...

Ele ficou sério e me revelou:

- Fui de paletó, gravata e um discurso pronto no bolso...

- E por que você não o leu?

- E a coragem?... Eu tremia como vara verde e não consegui pedir a palavra. Eu tenho muita coisa para agradecer à Gazeta. Foi lá que me deram meu primeiro emprego. Naquele tempo ninguém empregava deficiente físico. E eles me aceitaram. Sou muito grato a eles.

Então fica aqui a sugestão ao Gilmar, ao Rodolpho, à Natália:

- Publiquem o agradecimento de Sérgio Catalano!

 

21/02/2009
(emelauria@uol.com.br)

 

Voltar