Capitu na TV & outros lances
Não esperava que a adaptação de Dom Casmurro pela Rede Globo, na microssérie Capitu, que foi ao ar de 9 a 13 de dezembro, constituísse mesmo um sucesso de público e da crítica afoita. Além dos horários ingratos, sempre depois das onze da noite, haveriam de ser levados em conta outros fatores como o desconhecimento do texto de Machado de Assis, o sentido profundo da obliqüidade e dissimulação dos olhos de Capitu, a paranóia imbatível de Bentinho... Apesar disso tudo, o ibope deu média de dezessete pontos – número praticamente inalcançável por qualquer programa que não seja da própria Globo. Cada ponto na audiência medida corresponde a cinqüenta e quatro mil domicílios na Grande São Paulo. Ou seja, só ali foram mais de novecentos mil telespectadores. Até de onde menos se esperava, Capitu levou boas pauladas. Assim fez o inefável Diogo Mainardi com sua visão única do mundo, das pessoas e das coisas. Os orkuts que infestam a internet registraram tanto a desinformação quanto a violência da opinião da maioria dos internautas imaturos. Nenhuma delas talvez tenha sido mais precisa e abrangente do que a do sujeito que, numa linguagem bem capenga, julgou-se no direito de proclamar aos ventos o que achou daquilo tudo. Traduzo sua fala: - Assisti ao primeiro capítulo e dali tirei uma conclusão definitiva: jamais lerei o livro de Machado de Assis! Na verdade, quem aprecia a originalíssima escritura machadiana e tem algum conhecimento sobre o valor do romance Dom Casmurro, deve haver, como eu, ficado impressionado com a ousadia da adaptação televisiva, com o trabalho primoroso do intérprete de Bentinho, com a corajosa mistura de teatro, ópera e anacronismos propositados. Imagine-se Capitu e Bentinho voltando da lua-de-mel na Tijuca – ele guiando um carrão em 1865 e ela entretida com um fone de ouvido, tudo tendo por fundo musical uma canção norte-americana de sucesso na atualidade... Interpretação algo circense, cores carregadíssimas, ritmo galopante, uso abusivo do recurso de subtítulos (quase todos tirados do texto original), música incidental cheia de modernidades, cortes súbitos, reconheça-se que tudo isso não é de agradar a qualquer telespectador, principalmente aquele acostumado com novelas enganativas, cheias de mistérios de brincadeirinha, destinados ao agrado de um público que vê televisão apenas para se distrair, para esquecer as muitas dificuldades do dia-a-dia.
EFEITO RONALDUCHO Outro dia vi, todo lampeiro e feliz da vida, um homem de seus trinta anos desfilando na Francisquinho Dias, cheia de gente, uma chamativa camisa roxo-batata. Ao peito, o brasão do glorioso Sport Club Corinthians Paulista; às costas, um enorme número 9 e o nome do novo herói do Parque São Jorge: Ronaldo, aquele mesmo Ronaldo que amarelou na derrota contra a França em 2002, que se quebrou nem sei quantas vezes, que foi dado como morto para o futebol e logo depois ressuscitado. Informam que ele vai ganhar num mês o que a maioria dos brasileiros não terá ganho ao fim de uns quarenta anos de dureza no trabalho. Mas, como descobriu Evita Perón, que só fazia uso do mais caro, do mais refinado, o povo gosta que seus ídolos sejam ricos, apareçam bem, gastem fortunas, causem escândalo por onde passem. Eles são como que os procuradores das massas que nada podem individualmente fazer. Têm a autorização de cada um para viverem intensa, perigosa e nababescamente. Ronaldo e o Corinthians criaram um factóide dos bravos. Conseguiram até fazer os meios de comunicação e o povão esquecerem-se do hexacampeonato do São Paulo Futebol Clube, da presença espalhafatosa de Madonna, das sapatadas de que habilmente Bush se desviou. A frase latina é Panis et circensis, ou seja, desde o auge dos espetáculos no Coliseu romano, o povo gosta mesmo é de novidade, de exibicionismo, de pão e circo. Enquanto isso, num cantinho da página de esportes, está a escondida notícia do lançamento de um livro chamado Os dez mais do Corinthians, do jornalista Celso Unzelte, com as biografias de Cláudio, Baltasar, Luisinho, Gilmar, Rivelino, Zé Maria, Vladimir, Sócrates, Neto e Marcelinho. Quem não viu essas feras em campo não pode atinar como os corinthianos tiveram boas razões de sempre chegar às portas do fanatismo. Esses dez jogavam muito e amavam o clube.
PALAVRAS AO VENTO Quem diz isso com todas as letras não é nenhum leigo, mas gente do ramo. A revista Nova Escola, da Abril, número de dezembro de 2008, mete logo na capa: O blablablá da educação - As expressões que o professor usa sem saber direito o que significam. São estas as expressões: - Aprender brincando - Levantar o conhecimento prévio - Formar cidadãos - Aumentar a auto-estima - Ter uma turma heterogênea - Fazer avaliação formativa - Trabalhar a interdisciplinaridade - Partir do interesse do aluno - Desenvolver a criatividade - Focar a realidade do aluno
Quem se interessar, que vá à revista e saiba por que essas expressões perderam o sentido original que lhes deram seus criadores, todos educadores de renome.
DOMÍNIO DA LINGUAGEM Minha mulher e eu assumimos prazerosamente a condição de bisavós honorários de Leo, um garotinho na flor dos dois anos e dois meses e em plena luta de reconhecer o mundo com suas perigosas maravilhas. Outro dia, por exemplo, ele mereceu dois pontos muito bem dados na testa, uma espécie de prova provada de como a luta pela vida começa cedo e termina sabe-se lá quando. O fato é que criança na primeira infância vive a fase mais séria que se possa imaginar, porque tudo quer saber, em tudo quer mexer para o alargamento de suas experiências pessoais. Se todos nós mantivéssemos pela vida toda a mesma seriedade e aplicação dos nossos anos iniciais, tudo seria muito diferente neste mundo e até no outro... O domínio da palavra, então, é capítulo à parte nessa fase inaugural do convívio humano. Alguém explicou ao Leo que minha mulher era mãe de seu avô honorário, portanto sua bisavó. A bisa Marina. Ora, se ele me via sempre com a bisa Marina, o que eu deveria ser? Naturalmente o biso Marino – conforme a lógica conclusão do garotinho de fala mansa e cabelos cacheados. Isso é que em lingüística se chama aplicação do princípio da analogia, pelo qual se regularizam todos os verbos ( eu fazi, eu di, eu ponhei) e se aplainam todas as dificuldades de expressão, em obediência à lei do mínimo esforço, a única a que se adere muito gostosamente.
LIVROS A MANCHEIAS Não anda fácil vender livro. Para facilitar o desencalhe do meu mais recente, Tempo ao Tempo, consegui do Márcio Fonseca que o volume (de muito boa apresentação) fosse posto à vista do enorme público na sua grande loja do supermercado da Avenida Eduardo Nasser . Segundo meu xará, em dia de grande movimento passam por lá dez mil pessoas. Se dez em mil comprassem meu livro, a pequena edição se esgotaria num tranco.
20/12/2008
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